‘A Artista e o Ladrão’: “Um roubo deu início a essa imprevisível jornada na minha vida” ‘A Artista e o Ladrão’: “Um roubo deu início a essa imprevisível jornada na minha vida”

‘A Artista e o Ladrão’: “Um roubo deu início a essa imprevisível jornada na minha vida”

Em entrevista exclusiva, a artista retratada no filme fala sobre amizade, arte, crime e até da humanização do ladrão

6 de maio de 2021 15:00
- Atualizado em 10 de maio de 2021 12:15

Acaba de chegar ao streaming brasileiro o filme ‘A Artista e o Ladrão‘ (no título original ‘The Painter and the Thief’), que foi premiado em Sundance no ano passado. O documentário, dirigido por Benjamin Ree, é um retrato delicadíssimo das relações humanas, acompanhando a jornada de uma pintora que está atrás de suas obras roubadas e que acaba se tornando amiga de um dos ladrões.

Em entrevista exclusiva ao Filmelier, Barbora Kysilkova, conhecida artisticamente como Barbar, contou como foi se tornar a personagem de um filme – e como foi esse episódio muito particular de sua vida.

Barbora Kysilkova, a Barbar, desenhando Karl-Bertil Nordland em A Artista e o Ladrão (Foto: Divulgação/Synapse)
Barbora Kysilkova, a Barbar, desenhando Karl-Bertil Nordland em ‘A Artista e o Ladrão’ (Foto: Divulgação/Synapse)

“O diretor Benjamin Ree leu sobre a minha história e de Bertil [o ladrão] no jornal e ficou tão tocado que decidiu que este seria seu próximo projeto. Ele entrou em contato conosco e depois de uma breve conversa, eu e Bertil decidimos que esta abordagem seria bem diferente de um artigo de jornal, por ser um pouco mais profunda. E eu acho que Ree conseguiu fazer um ótimo trabalho”, conta ela.

A artista

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Em 2015, a artista tcheca teve duas peças roubadas na Galeria Nobel, em Oslo, na Noruega. Os dois responsáveis pelo crime foram presos e sentenciados, mas as obras não foram recuperadas e Barbar foi atrás de seu trabalho – e dos ladrões.

A ideia dela era pintar ambos, mas só encontrou um deles – no longa, vemos que depois ela consegue contatar o outro ladrão, mas não desenvolve uma ligação com ele. É neste contexto que somos apresentados a Karl-Bertil Nordland, que não lembra o que fez com a obra de Barbar e muito menos da noite em que realizou o assalto, já que estava sob o efeito de drogas.

“Toda essa situação de roubarem obras de um autor não conhecido é completamente insana. Quando me informaram que as peças foram identificadas e que teria um julgamento, eu não poderia perder a chance de conhecer os autores do roubo”, explicou Barbar.

“Eu ainda estava muito confusa para entender porque isso tudo aconteceu e achei que talvez os conhecendo eu pudesse saber mais do porquê isso aconteceu. E no julgamento tinha apenas um dos ladrões, Bertil, e eu o abordei, bem, o resto você viu no filme. É assim que a vida acontece às vezes”.

Barbar acabou ficando conhecida pelo resto do mundo após o lançamento do documentário (Foto: Divulgação/Synapse)
Barbar acabou ficando conhecida pelo resto do mundo após o lançamento do documentário (Foto: Divulgação/Synapse)

Para realizar o filme, o diretor Benjamin Ree acompanhou a relação entre a artista e o ladrão ao longo de três anos. O documentário usa essa curiosidade para explorar mais os personagens e essa improvável amizade, que surgiu de uma forma bastante inusitada.

E o ladrão

Karl-Bertil é, de cara, introduzido na história como antagonista: já sabemos de antemão que ele é o tal ladrão do título. No entanto, no desenvolver do documentário, qualquer julgamento sobre seu passado é tirado de foco, pois nos envolvemos em sua história. Afinal, antes de qualquer coisa, Bertil é uma pessoa e é esse lado que o cineasta aborda.

“Desde a primeira vez que o vi no tribunal e eu sabia quem ele era, mas ele não sabia quem eu era então eu me aproximei dele e me apresentei”, revela Barbar.

“Durante todo o julgamento, que durou horas, minha curiosidade para saber mais sobre como ele era, como pessoa, foi crescendo. Vendo o filme é possível entender isso, o quão charmoso esse homem consegue ser e sua personalidade é forte. Às vezes, nós conhecemos alguém e não muda nada, e outras vezes, parece que somos fisgados pela pessoa. Eu apenas senti que realmente queria descobrir mais sobre este cara”, conta a artista.

Karl-Bertil Nordland em A Artista e o Ladrão (Foto: Divulgação/Synapse)
Karl-Bertil Nordland em ‘A Artista e o Ladrão’ (Foto: Divulgação/Synapse)

Durante as filmagens, vemos Karl-Bertil ser preso, julgado e sofrer um acidente de carro que quase tirou sua vida e o deixou paralítico. Barbar está sempre ao seu lado.

Toda essa relação é retratada de uma forma muito honesta em ‘A Artista e o Ladrão’, mas um dos grandes questionamentos do documentário é se a artista realmente encontrou um amigo ou se está se aproveitando da situação.

“Amizade não é como uma instantânea, é uma responsabilidade mútua e eu fico muito agradecida que agora Bertil está em um momento da própria vida em que é capaz de assumir essa responsabilidade por mim. Ele está sem usar drogas há três anos, está livre disso,  está estudando, namorando e está realmente reconstruindo sua vida tão bem”, comenta Barbar.

“Amizade é uma
responsabilidade mútua”

“E ele está lá para mim como um amigo também e é claro que temos essa ligação especial graças ao roubo e aos laços que este filme nos trouxe. […] Se não fosse pelo roubou talvez eu nunca conhecesse o Bertil, ou talvez conhecesse em outra ocasião, é difícil dizer”

“Um roubo deu início a essa imprevisível jornada na minha vida e eu devo dizer que aceito sacrificar essa obra para que eu possa viver essa experiência”, completa Barbar.

Karl-Bertil no momento em que se emociona ao ver a pintura que Barbar fez dele (Foto: Divulgação/Synapse)

‘A Artista e o Ladrão’ não se limita apenas a relação do título: há também reflexões sobre o tratamento de presos na Europa, questões de classe e valorização da arte. O ladrão da história se mostra bastante tranquilo em relação a criminalidade em grande parte do filme. Há um trecho em que ele até usa um camiseta escrito que o crime compensa.

“Na primeira vez em que entrei no tribunal, e essa parte vai parecer um filme americano de Hollywood, eu não consegui ver o ladrão nele. Tentei um pouco, mas depois desisti porque era simplesmente impossível. Eu vi aquele homem sentado no tribunal, que não estava realmente desesperado, mas dava para sentir que ele estava muito envergonhado e arrependido, desejando estar em qualquer lugar e não ali”, relata a artista.

“Essa parte vai parecer
um filme americano
de Hollywood”

“Eu não podia ver nenhum criminoso, então provavelmente por isso as primeiras pinturas mostram ele como uma pessoa e não um criminoso. Apesar disso, ele é, sim, completamente um criminoso e tem orgulho disso, e, de certa forma, existe uma espécie de honra estranha de conhecer as gangues, a cena das drogas, de ter esse tipo de experiência. Enfim, essa é a personalidade dele e isso é muito charmoso”.

Barbar saiu do status de desconhecida para o resto do mundo quando o documentário foi selecionado e premiado em Sundance, em 2020. Ela contou que as filmagens – que duraram três anos – foram tranquilas pois o diretor consegui deixá-la à vontade, mas que tudo mudou quando ela viu a reação do público na estreia do filme.

“A maioria de nós tem problemas em se ver ou ouvir. Eu vi o filme apenas uma vez e foi interessante o quanto consegui me desconectar da pessoa ali na tela. Foi bastante intrigante e eu realmente esperava isso”, revela.

“Então claro você vê e ouve as reações do público durante a exibição e após o filme, há aplausos, as pessoas aplaudindo em pé. Me lembrar disso agora me dá até um arrepio. Porque imagina isso, você é uma artista pobre e desconhecida e tem esse ex-viciado que era um ladrão, e de repente, temos nossa história exposta para o mundo em um dos maiores festivais de cinema. E temos essa reação do público, é completamente absurdo e simplesmente lindo”.

Para quem ficou curioso para saber mais sobre Barbar e Karl-Bertil, a história de ‘A Artista e o Ladrão’ já pode ser alugada ou comprada em diversas plataformas online. Saiba tudo sobre o filme clicando aqui.

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