Notícias > Filmes > Alain Delon, ‘Está Tudo Bem’ e o suicídio assistido
Alain Delon, ‘Está Tudo Bem’ e o suicídio assistido
Em março, astro francês comunicou o filho que quer passar pelo procedimento de suicídio assistido, enquanto François Ozon comanda filme com história assustadoramente similar
Foi em março deste ano que Anthony Delon, filho do ator francês Alain Delon, disse que havia prometido ao pai que o ajudaria a passar por um procedimento de suicídio assistido. Ao contrário do que se especulou em um primeiro momento, Alain não passará pelo processo tão logo, mas apenas quando for necessário — e se assegurou de que seu filho o ajude no procedimento. É uma decisão consciente e que mostra a lucidez do astro quanto à finitude da vida.
Agora, o tema voltou a circular a sétima arte. No entanto, não por conta de algum astro que tem o desejo de passar pelo suicídio assistido, mas sim por conta da ficção. ‘Está Tudo Bem’, disponível no streaming e novo longa-metragem do prolífico diretor francês François Ozon, conta a história de um homem idoso (André Dussollier) que, após sofrer um AVC, convoca sua filha para compartilhar uma decisão definitiva: ele quer ir à Suíça para passar por suicídio assistido.
É uma história muito similar com a jornada de Delon nos últimos anos. Ele sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) em 2019, comprometendo parcialmente seus movimentos. Na época, Delon já começou a citar, de vez em quando, a opção pelo suicídio assistido. O tema voltou com força à vida do ator, porém, quando a esposa lutou contra um câncer de pâncreas em 2021. Segundo a família, Nathalie Delon sofreu enquanto esperava autorização para suicídio assistido.
Publicidade
Agora, o ator sai à frente, já se articulando para o procedimento. Vale dizer que, nos bastidores, há um certo desconforto familiar. Anthony confirmou o desejo do pai. O outro filho, Fabien, disse que não existia nada disso. Mas, confirmando um pouco mais a visão de Anthony, a conta oficial de Alain Delon publicou uma espécie de despedida pouco antes de ser permanentemente desativada. Depois dessa confusão, pouco foi falado pelo núcleo familiar.
A vida é finita (e está tudo bem)
Com isso, é curiosamente pertinente a estreia de ‘Está Tudo Bem’. Além das similaridades básicas, como o AVC sofrido pelo personagem principal e o pedido direcionado ao filho, o longa-metragem de François Ozon traz uma mensagem que transcende a mera ficção. ‘Está Tudo Bem’, como o próprio título sugere, não se cala e fala, com todas letras, que a vida é finita. Ela tem começo, meio e fim. E tudo bem — podemos prolongar ao máximo, mas nunca somos imortais. Ozon, aqui, toma uma atitude quase inédita ao tratar o tema com a força emocional que exige na família. Afinal, luto é luto. Mas o francês nunca cria um espetáculo desnecessário e marginal em cima do tema. Há mais uma dor com a partida eminente do senhor que acabou de passar por um AVC do que uma tentativa desenfreada em interromper a vontade de morrer. O diretor nunca amedronta o público com os caminhos do procedimento. Apenas traz emoção. É algo bem diferente do que já foi visto no cinema envolvendo eutanásia e suicídio assistido. ‘Menina de Ouro‘, por exemplo, traz a eutanásia como solução para uma situação absurdamente dolorosa, mas Clint Eastwood pesa a mão no melodrama. É um caminho parecido com ‘Mar Adentro’. ‘Paddleton‘, da Netflix, se aproxima da naturalidade da coisa, com personagens absolutamente reais. Só que há muita dor na partida e não mostra como isso pode ser alívio.
Alain Delon e a importância do gesto
O fato é que as reações sobre a notícia da decisão de Alain Delon, até mesmo de um dos filhos, mostra como a eutanásia e o suicídio assistido — o primeiro é aplicado por terceiros em uma pessoa fisicamente incapaz de agir por si própria, enquanto o segundo se refere ao processo em que o próprio paciente toma a medicação. O tratamento exageradamente melodramático nos cinemas também coloca mais uma camada de tristeza em cima do assunto.
Oras, todos vão morrer. É preciso sofrer nesse processo? É preciso fazer com que outros sofram? Alain Delon, mesmo sem querer, levanta uma bandeira importante. Viu como foi doloroso o processo com sua esposa e não quer que isso se repita. Não é fácil discutir suicídio assistido ou eutanásia. Só que não dá para obrigar que pessoas, conscientemente, passem por sofrimento. Se o fim vai chegar, sem qualquer possibilidade de escape, é melhor deixar a pessoa decidir. Alain Delon e François Ozon, hoje, fazem o que raramente é visto: tratam tabus de forma normal. Será que não chegamos em um momento de nossa vida, em plena década de 2020, em que precisamos entender que a morte vai acontecer? Eutanásia e suicídio assistido são apenas parte de um processo maior. Só é preciso fazer como Alain Delon e François Ozon: entender o objetivo e transformá-lo em algo real, sem espetáculo. Assim, vamos adiante.