Alain Delon, ‘Está Tudo Bem’ e o suicídio assistido Alain Delon, ‘Está Tudo Bem’ e o suicídio assistido

Alain Delon, ‘Está Tudo Bem’ e o suicídio assistido

Em março, astro francês comunicou o filho que quer passar pelo procedimento de suicídio assistido, enquanto François Ozon comanda filme com história assustadoramente similar

Matheus Mans   |  
4 de junho de 2022 17:32
- Atualizado em 13 de setembro de 2022 18:00

Foi em março deste ano que Anthony Delon, filho do ator francês Alain Delon, disse que havia prometido ao pai que o ajudaria a passar por um procedimento de suicídio assistido. Ao contrário do que se especulou em um primeiro momento, Alain não passará pelo processo tão logo, mas apenas quando for necessário — e se assegurou de que seu filho o ajude no procedimento. É uma decisão consciente e que mostra a lucidez do astro quanto à finitude da vida.

Agora, o tema voltou a circular a sétima arte. No entanto, não por conta de algum astro que tem o desejo de passar pelo suicídio assistido, mas sim por conta da ficção. ‘Está Tudo Bem’, disponível no streaming e novo longa-metragem do prolífico diretor francês François Ozon, conta a história de um homem idoso (André Dussollier) que, após sofrer um AVC, convoca sua filha para compartilhar uma decisão definitiva: ele quer ir à Suíça para passar por suicídio assistido.

Alain Delon
Imagem divulgada pelo próprio Alain Delon em sua conta oficial no Instagram (Reprodução)

É uma história muito similar com a jornada de Delon nos últimos anos. Ele sofreu um AVC (acidente vascular cerebral) em 2019, comprometendo parcialmente seus movimentos. Na época, Delon já começou a citar, de vez em quando, a opção pelo suicídio assistido. O tema voltou com força à vida do ator, porém, quando a esposa lutou contra um câncer de pâncreas em 2021. Segundo a família, Nathalie Delon sofreu enquanto esperava autorização para suicídio assistido.

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Agora, o ator sai à frente, já se articulando para o procedimento. Vale dizer que, nos bastidores, há um certo desconforto familiar. Anthony confirmou o desejo do pai. O outro filho, Fabien, disse que não existia nada disso. Mas, confirmando um pouco mais a visão de Anthony, a conta oficial de Alain Delon publicou uma espécie de despedida pouco antes de ser permanentemente desativada. Depois dessa confusão, pouco foi falado pelo núcleo familiar.

A vida é finita (e está tudo bem)

Com isso, é curiosamente pertinente a estreia de ‘Está Tudo Bem’. Além das similaridades básicas, como o AVC sofrido pelo personagem principal e o pedido direcionado ao filho, o longa-metragem de François Ozon traz uma mensagem que transcende a mera ficção. ‘Está Tudo Bem’, como o próprio título sugere, não se cala e fala, com todas letras, que a vida é finita. Ela tem começo, meio e fim. E tudo bem — podemos prolongar ao máximo, mas nunca somos imortais.

Filme de François Ozon conversa com história de Alain Delon (Crédito: Divulgação/Califórnia Filmes)

Ozon, aqui, toma uma atitude quase inédita ao tratar o tema com a força emocional que exige na família. Afinal, luto é luto. Mas o francês nunca cria um espetáculo desnecessário e marginal em cima do tema. Há mais uma dor com a partida eminente do senhor que acabou de passar por um AVC do que uma tentativa desenfreada em interromper a vontade de morrer. O diretor nunca amedronta o público com os caminhos do procedimento. Apenas traz emoção.

É algo bem diferente do que já foi visto no cinema envolvendo eutanásia e suicídio assistido. ‘Menina de Ouro‘, por exemplo, traz a eutanásia como solução para uma situação absurdamente dolorosa, mas Clint Eastwood pesa a mão no melodrama. É um caminho parecido com ‘Mar Adentro’. ‘Paddleton‘, da Netflix, se aproxima da naturalidade da coisa, com personagens absolutamente reais. Só que há muita dor na partida e não mostra como isso pode ser alívio.

Alain Delon e a importância do gesto

O fato é que as reações sobre a notícia da decisão de Alain Delon, até mesmo de um dos filhos, mostra como a eutanásia e o suicídio assistido — o primeiro é aplicado por terceiros em uma pessoa fisicamente incapaz de agir por si própria, enquanto o segundo se refere ao processo em que o próprio paciente toma a medicação. O tratamento exageradamente melodramático nos cinemas também coloca mais uma camada de tristeza em cima do assunto.

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Oras, todos vão morrer. É preciso sofrer nesse processo? É preciso fazer com que outros sofram? Alain Delon, mesmo sem querer, levanta uma bandeira importante. Viu como foi doloroso o processo com sua esposa e não quer que isso se repita. Não é fácil discutir suicídio assistido ou eutanásia. Só que não dá para obrigar que pessoas, conscientemente, passem por sofrimento. Se o fim vai chegar, sem qualquer possibilidade de escape, é melhor deixar a pessoa decidir.

Alain Delon e François Ozon, hoje, fazem o que raramente é visto: tratam tabus de forma normal. Será que não chegamos em um momento de nossa vida, em plena década de 2020, em que precisamos entender que a morte vai acontecer? Eutanásia e suicídio assistido são apenas parte de um processo maior. Só é preciso fazer como Alain Delon e François Ozon: entender o objetivo e transformá-lo em algo real, sem espetáculo. Assim, vamos adiante.

‘Está Tudo Bem’ está disponível no streaming. Para saber mais sobre o filme e encontrar o link para assistir, clique aqui!

Atualizado com novas informações de disponibilidade do filme.

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