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‘Alvorada’: “O poder estava sendo degradado”, diz Anna Muylaert
Seguindo o caminho de 'O Processo' e 'Democracia em Vertigem', 'Alvorada' fala sobre os bastidores do processo de impeachment de Dilma Rousseff
Matheus Mans | 28/05/2021 às 11:46 - Atualizado em: 31/05/2021 às 16:08
O processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff foi um assunto de interesse nacional e que, obviamente, não passou longe dos cinemas. Até agora, já são três filmes sobre o tema: ‘O Processo’, de Maria Augusta Ramos; ‘Excelentíssimos’, de Douglas Duarte; e ‘Democracia em Vertigem’, de Petra Costa. E ontem, 27, chegou mais um filme para compor esse momento da história nos cinemas: ‘Alvorada’, de Anna Muylaert e Lô Politi.
Ao contrário das outras três produções sobre o impeachment, o filme de Muylaert e Politi não foca no processo político e jurídico em si. Em ‘Alvorada’, o protagonista é o Palácio da Alvorada com seus funcionários, sua movimentação e, é claro, as atitudes, conversas e rotinas de Dilma com assessores, políticos, imprensa e por aí vai. Sabe a expressão “queria ser uma mosca para estar em tal lugar”? É isso que o filme nos proporciona.
“Essa sempre foi nossa ideia. Desde o começo, a gente queria que o Palácio fosse o personagem. Não é à toa que o filme se chama ‘Alvorada’. Queríamos entrar nos três andares do poder”, conta Lô Politi, em entrevista ao Filmelier. “O Palácio representa, independente da Dilma, o espaço máximo de poder. É um símbolo. Mostrar seu funcionamento e as ocupações nos três andares é uma forma de falar sobre o país também”, complementa Anna Muylaert.
Criação de ‘Alvorada’
Lô Politi e Anna Muylaert contam que já conheciam Dilma antes do processo de impeachment em si. Por isso, cerca de um mês antes, as duas cineastas sentiram liberdade de ir até o Palácio da Alvorada e propor a gravação de um documentário. A presidente da época topou e, com isso, a equipe começou quase que imediatamente a rodar a captação das imagens. Politi conta que ficavam lá todos os dias da semana, sem pausas.

“Ela autorizou logo depois que levamos a ideia pra ela. Mas, na prática, as coisas são bem diferentes. A equipe ficava lá todo dia e aquilo estava cansando ela”, conta Anna. “Foi gerando uma tensão entre a equipe e ela. Aí tivemos uma conversa justamente para delimitar o que pode, o que que não pode. Ela se colocou. Mas, mesmo depois da conversa, esse conflito seguiu. Ela foi afastando a gente do dia a dia e isso está presente no filme”.
Em ‘Alvorada’, na primeira metade, Dilma é figura onipresente. No entanto, logo isso vai se perdendo, como explica Anna. Começam os planos abertos do local, as conversas dos assessores, as rotinas dos garçons, da equipe de limpeza. Enquanto isso, Lô e Anna contam que foram sentindo uma angústia crescente conforme o processo se desenrolava e o clima pesava.
“17 de abril, [dia da votação do impeachment na Câmara], foi uma espécie de filme de terror”, diz Anna, questionada sobre o sentimento. “Estar naquele Palácio, naquele momento, gerava dias de extrema angústia na gente. Às vezes, até sem explicação. O poder estava sendo degradado. As pessoas queriam aquilo. Tivemos momentos bem desesperadores, mesmo sem motivo. Mas era isso. A democracia estava saindo dos trilhos”.
Lançamento
Agora, ‘Alvorada’ chega aos cinemas e ao vídeo on demand cerca de cinco anos depois do impeachment e já no terceiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Além disso, como já destacado, o público entrou em contato com três filmes que dissecam o processo com óticas bem distintas -- dois mais históricos (‘Excelentíssimos’ e ‘O Processo’) e outro já indo para um caminho muito mais autoral (‘Democracia em Vertigem’).
“A gente não calculou o lançamento. O filme teve um longo processo de montagem, de produção. Ficou pronto ano passado. Mas, sair agora, é um momento muito propício. Todas as más consequências do golpe, e ter esse cara que surgiu ali e se tornou presidente, estão aí. A flor do mal está aberta, exalando sua podridão. É bom rever essa figura histórica, tão atacada. Talvez, há dois anos atrás, houvesse desinteresse”, diz Muylaert.
Além disso, quase sem querer, o filme fala sobre um tema que ganha relevância a cada dia que passa: o machismo. ‘Alvorada’, ao mostrar a rotina de Dilma, retrata, sem intenção de acusar ou apontar quaisquer atitudes que sejam, o machismo naquele ambiente -- homens que não ouvem Dilma ou até que não conseguem atingir alguma competência.
“Acho que no ambiente dela, a gente não esperava que fosse tanto. Quando o filme começa, há surpresa com a quantidade de mulheres ao redor dela. Só que essas mulheres estão no subsolo. Ao lado dela, praticamente, só homens de terno preto”, diz Lô. “Isso se reproduz onde a gente achava que não se reproduzia. A representação do patriarcado, de alguma maneira, estava ali. A configuração machista do poder estava ali”.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
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