Filmes e séries passam por transformação na forma como lidam com cenas de sexo Filmes e séries passam por transformação na forma como lidam com cenas de sexo

Filmes e séries passam por transformação na forma como lidam com cenas de sexo

Nos bastidores, coordenadores de intimidade organizam cenas íntimas, enquanto redes sociais viram palco de debate sobre cenas de sexo

Matheus Mans   |  
27 de maio de 2022 16:32
- Atualizado em 30 de maio de 2022 10:31

Não é fácil gravar uma cena de sexo. Os atores ficam em uma situação geralmente desconfortável, com pessoas da produção ao redor, enquanto precisam simular um momento de intimidade. Já a direção precisa tomar cuidado para que tudo funcione, evitando erros e abusos. Assim, com tanta coisa em jogo, as cenas de sexo e intimidades estão em transformação. 

Desde o surgimento e consolidação de movimentos contra o abuso em Hollywood, como o #MeToo, começou uma preocupação nos bastidores com a condução das cenas de sexo. Como resultado disso, estúdios começaram a contratar profissionais para comandarem essas cenas, determinando detalhes das gravações. É o coordenador de intimidades. 

‘Lov3’, série da Amazon, contou com o trabalho de de coordenador de intimidades nos bastidores (Crédito: Divulgação/Amazon)

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Com o diretor, ele vai ter clareza sobre quem precisa estar presente no set durante a gravação de tal cena. Além disso, com os atores, vai compreender melhor em quais partes do corpo eles podem tocar e evitar problemas como quando o ator Frank Langella colocou a mão, sem permissão, na perna de uma atriz nas gravações de uma série da Netflix.

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No Brasil, já existem profissionais que estão trabalhando nos bastidores justamente para garantir a segurança dos atores nessas sequências. É o caso de Maria Silvia Siqueira Campos, diretora e preparadora de atores e que, agora, também responde ao cargo de coordenadora de intimidades.

No currículo, dentre outras produções, ela trabalhou nessa função em ‘Lov3’ e ‘A Princesa Yakuza’. “Não existe mais um ‘abre a câmera e deixa rolar’. É tudo combinado e acordado. É ensaio. É trabalho”, contextualiza ao Filmelier. “Todas as pessoas tem seus limites e esses são respeitados. Importante dizer que um coordenador de intimidade tem como principal função fazer a cena acontecer da melhor maneira possível para todos”.

Como funciona o trabalho de um coordenador de intimidades?

Para Maria, que trabalha como coordenadora de intimidades há dois anos, o trabalho começa na leitura do roteiro. “É o momento em que as cenas de intimidades são apontadas e discutidas”, diz. “Depois, existe uma conversa com a direção, para saber o que eles querem, e com os atores envolvidos. Todos concordando com o desenho da cena, entramos na sala de ensaio onde diversas formas de executar o desenho da sequência são testadas”.

Maria Silvia Siqueira Campos é diretora, preparadora de elenco e, agora, coordenadora de intimidades (Crédito: Reprodução/IMDb)

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Assim, quando os atores se sentem confortáveis e felizes com o que foi acordado na sala de ensaio, a ideia final é apresentada à direção. E com todos de acordo, é o momento de ir para o set de filmagem. “Neste momento não há surpresas nem nada fora do combinado. Todos sabem exatamente o percurso da cena”, conta a coordenadora. “Dessa forma tenho visto resultados incríveis com atores, diretores e produtores felizes”.

Engana-se, porém, quem pensa que isso vale apenas para as cenas de sexo – não é à toa que, durante toda a entrevista, Maria disse apenas “cenas de intimidade”. “Um beijo pode ser muito complicado, assim como um toque ou um banho de chuveiro. Cenas de intimidade vão além do sexo. Já tive que configurar cena de banho, de primeiro beijo, de rave, com figurantes se beijando”, explica Maria. “Existem um monte de coisas que são íntimas”.

No cinema independente, ensaio

Hoje, grandes estúdios tratam o coordenador de intimidades como alguém indispensável. A Amazon, por exemplo, só autoriza gravação com esse profissional envolvido. No entanto, o cinema independente, que está sempre contando cada centavo para fazer um filme acontecer, não pode contar sempre com esse profissional em seus bastidores. Assim, para evitar problemas e garantir a segurança do elenco, há uma saída: muita conversa.

É o caso do filme ‘Seguindo Todos os Protocolos’, que deve chegar aos cinemas em junho deste ano. O diretor Fábio Leal conta a história de um rapaz, interpretado por ele próprio, que está em busca de sexo durante a quarentena na pandemia de covid-19. Durante o filme, há pelo menos três cenas de sexo em que Fábio tem relações com parceiros – a primeira, aliás, é uma das mais interessantes do ano, envolvendo medo de contaminação.

“Desde a primeira conversa com os atores, antes mesmo de estarem nos filmes, pergunto qual a relação deles com o sexo e o cinema, entendo os limites, o que eles topam. Vejo o que bate comigo, com o que quero fazer nos filmes. Sei que o que faço é um pouco além do que se mostra. Pesquiso essa linha que divide entre o que pode ser mostrado e o que é demais”, afirma ao Filmelier.

Depois disso, ele conta que as gravações passam por muito ensaio. “Meus ensaios começam quase como um reconhecimento de local, entendendo como a gente lida com o corpo um do outro. Deixo os atores liderando o processo, mostrando o que quer ou não quer”, explica o diretor e ator. “Não tem uma fórmula pronta. Isso fica esquisito, já que cada ator é um ator”.

Caio Horowicz, que também tem experiência em cenas de intimidade no cinema independente com ‘Califórnia’ e ‘A Torre’, diz que esse momento de troca é essencial. “É importante alinhar com todos atrizes e atores”, explica. “Eu prefiro coreografar. Não para estabelecer uma forma rígida, mas para saber quais imagens a gente vai passar juntes”.

Nas redes sociais, sexo nos cinemas virou polêmica

Foi na metade de maio que uma polêmica voltou a aparecer com força no Twitter: a necessidade de cenas de sexo no cinema. De um lado, espectadores dizendo que não há problema algum em cenas mostrando pessoas em um momento de intimidade. Do outro, há quem diga que essas sequências são apenas tapa-buraco para uma história sem rumo.

Enquanto isso, várias produções entraram em discussão. Fãs da saga ‘O Senhor dos Anéis’, por exemplo, clamavam no Twitter para que a Amazon não colocasse cenas de sexo na nova série. Muitos, é claro, riram desse pedido. Ao mesmo tempo, produções como ‘365 Dias: Hoje’ e ‘Elite’, da Netflix, seguiam o caminho de colocar o sexo como o principal motor para atrair mais público. É um movimento em colisão, com o sexo em xeque.

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  • É perceptível como a representação do sexo mudou ao longo dos anos e, hoje, continua em mudança. Enquanto os filmes dos anos 1980 exploravam desnecessariamente os corpos dos atores, por exemplo, hoje o sexo ganha uma nova forma de ser representado. “Cenas de sexo não são apenas sexo nas produções”, explica Julianna Santos, educadora sexual pelo Instituto Brasileiro Interdisciplinar de Sexologia e Medicina Psicossomática.

    É o caso de ‘Midsommar‘, por exemplo, que fala muito sobre a relação entre a protagonista e seu namorado por meio de uma cena de sexo. ‘A Forma da Água’ se vale do sexo para falar sobre encontro de diferentes. Claro que há exceções na regra, como o próprio ‘365 Dias’ e ‘Cinquenta Tons de Cinza’. No entanto, isso não muda essa percepção do que está sendo feito, com roteiristas e diretores usando essas cenas com significado essencial.

    ‘365 Dias’ traz o sexo pelo sexo, seguindo um movimento contrário de Hollywood (Crédito: Divulgação/Netflix)

    Para Julianna, hoje, o sexo surge como motor narrativo, ainda que existam casos como a produção polonesa ‘365 Dias’, quase sem história. “Elas passam a ser mais secundárias, mas ajudam a contar a história e com ela promovem uma reflexão no espectador mais profunda do que só a excitação por estar vendo a cena”, diz. “A prioridade está mais focada no tema desse filme ou de uma série do que propriamente em cenas de sexo”.

    Fábio, de ‘Seguindo Todos os Protocolos’, vê com preocupação esse movimento. “Hoje, temos uma coisa estranha que todo mundo acha que toda produção precisa ser feita para toda a família. A gente está passando por uma onda moralista, asséptica, de deixar tudo consumível para todos e que deixa as coisas meio infantis. Para mim, sexo é uma fonte de drama muito forte”, explica.

    Futuro das cenas de sexo

    É inegável, então, que a representação do sexo está em um momento de transformação – e até mesmo de tensão. O público, de um lado, briga nas redes sociais sobre a necessidade ou não de cenas de sexo no audiovisual. Do outro, essas transformações nos bastidores e na forma de filmar o sexo, que vai se adaptando com os gostos e necessidades do grande público.

    “A intimidade sempre foi retratada nas histórias do cinema. Hoje tempos uma enorme produção audiovisual. As cenas de intimidade continuarão mas serão muito bem cuidadas sem abusos, exageros e desrespeito. Não podemos deixar de cuidar e proteger atores e todas as pessoas envolvidas na realização dessas cenas”, afirma Maria.

    Caio Horowicz, enquanto isso, chama a atenção para algo importante: olhar para a forma que aquela cena vai ser consumida. “As cenas de sexo nunca deixarão de ser fetichizadas. O que tem que acontecer é ampliar a discussão, encarando de frente também a pornografia, já que há um mercado sendo consumido de maneira muito velada pelo mesmo público conservador e reacionário que bate de frente com uma cena maravilhosa de uma série ou filme”, diz.

    Julianna Santos também diz esperar que essa tendência atual de mostrar cenas de sexo cada vez mais contextualizadas permaneça como um modo de se contar uma história. “Quantas vezes uma cena que apenas insinua uma relação sexual causa mais arrebatamento que uma cena completa? É mais difícil de fazer e ter impacto, mas creio que são até mais bem vindas por grande parte do público”, diz. “Assim estamos amadurecendo o espectador, contribuindo para o seu repertório sexual afetivo”.

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