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Diretora de 'Antonia: Uma Sinfonia' fala sobre machismo, música e sonho

Maria Peters conta os desafios, os medos e as alegrias de levar a história da musicista holandesa Antonia Brico para as telonas

Matheus Mans | 20/08/2020 às 16:30 - Atualizado em: 23/08/2020 às 11:16


Foi há alguns anos que a cineasta Maria Peters teve um estalo. Daqueles que, em desenhos animados, uma lâmpada surge no topo da cabeça. No caso dela, foi enquanto assistia a um documentário sobre a maestrina Antonia Brico. Sentiu, na hora, que aquela história precisava ser contada. Como resultado, o filme ‘Antonia: Uma Sinfonia’, estreia desta quinta, 20.

Aos moldes de tradicionais cinebiografias, ‘Antonia: Uma Sinfonia’ acompanha a história de Brico que, assim como a brasileira Chiquinha Gonzaga, desafiou os padrões do século XX e fez música. Melhor: comandou a música. Tudo isso com uma série de desafios e imposições, que resultaram na abertura de um caminho para futuras gerações.

'Antonia: Uma Sinfonia' conta história de primeira mulher a reger uma orquestra nos Estados Unidos (Foto: Divulgação / Synapse)

“Fui atingida por um raio quando assisti a este documentário”, conta Peters ao Filmelier, se referindo ao filme ‘Antonia: Retrato da Mulher’. “Eu soube imediatamente que queria fazer um longa-metragem sobre ela. O que mais me fascinou foi a questão de como Antonia iniciou sua busca para se tornar maestra. O que uma jovem poderia fazer naquela época?”

História de Antonia Brico

De fato, não tem como deixar de se encantar pela história da maestrina holandesa. Nascida na virada do século, em 1902, a musicista desafiou os padrões e se negou a ser dona de casa, secretária ou datilógrafa. Sentia a música entrando em suas veias. Aprendeu a tocar piano, mas não foi o bastante. O que queria era segurar a batuta e comandar uma orquestra.

Obviamente, por viver em tempos em que a sociedade patriarcal e o machismo imperavam, Antonia precisou romper desafios, preconceitos. É uma história de superação e imposição, que está detalhadamente contada no filme de Peters e, também, na biografia ‘A Regente’, da própria Maria Peters, que teve os direitos comprados pela editora Planeta dos Livros.

Brico desafiou os padrões da época para reger uma orquestra (Crédito: Creative Commons/German Federal Archive)

“O mundo musical era dominado pelos homens e não havia regentes femininas. Antonia teve que implorar por quase todos os shows que ela tanto queria fazer”, conta Peters. “Foi uma das maiores dores de cabeça de Antonia não poder fazer tantos shows quanto seus colegas homens. Essa mulher, que era uma musicista apaixonada e brilhante, teve dificuldade em encontrar um palco, apesar de toda a sua dedicação e talento”.

Para retratar a musicista com o máximo possível de detalhes, Peters se questionou sem parar. “Eu estava curiosa para saber o que a motivou. Foi o mau relacionamento com sua mãe e a infância péssima? Que sacrifícios ela fez em sua vida pessoal? Ela escolheria o amor ao invés de sua carreira?”, questiona a biógrafa e cineasta, sem dar nenhuma resposta.

Desafios na filmagem

Para contar uma história tão à frente de seu tempo, Maria Peters também encontrou desafios na adaptação. Primeiramente, o elenco. “Tive de encontrar uma atriz que fosse capaz de retratar Brico de forma convincente. Eu queria que tocasse piano, porque foi assim que Antonia começou como música. Mas, acima de tudo, precisaria do talento para reger. Pode parecer fácil, mas reger é muito difícil”, afirma a cineasta.

Felizmente, Peters acabou encontrando a atriz Christanne de Bruijn, que se formou no conservatório. Anteriormente, ela teve aulas com uma regente cubana (Líbia Hernandez) que trabalha na Holanda. Christanne também acabou tendo outro treinador regente no set (Stef Collignon). Além disso, conseguiu encontrar músicos da Orquestra da Rádio Filarmônica dispostos a tocar e, também, a fazer atuações rápidas.

Além disso, ela precisava passar toda a complexidade da personagem e as dificuldades desse tempo. Para tentar responder a algumas das questões acima destacadas por Peters, por exemplo, foi preciso criar uma narrativa muito bem pensada, sem exageros, em que as dores, desafios e imposições da personagem pudessem ser ancorados em relações com outras pessoas. Uma fala, um gesto, um olhar, um sorriso diz muito.

“Os dois outros papéis principais do filme ajudam nessa parte da história. Primeiro, temos o rico empresário de concertos Frank e, depois, o papel do líder da banda de jazz. Junto com Antonia, eles são o triângulo nesta história”, conta. “Os personagens do filme me deram a oportunidade de apoiar o drama da história. Eu estava interessado na luta que levou ao sucesso dela, então o conflito na história é principalmente sobre isso”.

Legado

Por fim, fica a dúvida: qual a importância de resgatar essa história agora? “Há uma tendência contínua na história de esquecer as conquistas e vidas de mulheres importantes. Embora Antonia tenha nascido na Holanda, ninguém em meu país a conhecia, ninguém tinha ouvido falar dela”, conta a cineasta. “Antonia Brico foi uma verdadeira pioneira. Acho que ela merece um lugar nos holofotes. Isso me motivou a fazer algo a respeito”.

Além disso, Peters destaca a importância do livro e do filme chegar em um momento de quarentena, onde as pessoas estão em casa. “Se você se identificar com a história de ‘Antonia: Uma Sinfonia’ e curtir a música dela, eu acho que seria ótimo”, diz a cineasta. “Nós podemos tirar uma lição importante [dessa história]. Uma lição de que não devemos desistir. E não só do ponto de vista feminista. Mas para todos que lutam para ter sucesso”.


Matheus MansMatheus Mans

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

Matheus Mans
Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

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