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“Nada detém a força da ficção”, diz Marieta Severo, protagonista de ‘Duetto’
Filme dialoga com vida da própria Marieta, que se exilou na Itália durante a Ditadura Militar
Lucia (Marieta Severo) está passando por um momento difícil em sua vida. O filho acaba de morrer em um acidente de trânsito, justamente durante a Ditadura Militar, e a relação com a nora (Maeve Jinkings) não é das melhores. É aí que ela decide pegar a neta (Luisa Arraes) e voltar para Itália, a terra natal sua e de sua família, para resolver pendências com a irmã.
Essa é a história de ‘Duetto’, filme que estreou nos cinemas nesta semana. Dirigido por Vicente Amorim (‘Motorrad’), o longa mergulha nessas duas línguas, sociedades e realidades para falar sobre algo universal: as maravilhas e as dores de se viver. Com a experiência, surgem rugas e as rusgas — seja com amigos, conhecidos ou familiares.
Curiosamente, é uma história com intersecção na própria vida de Marieta. Ela, no final dos anos 1960, se exilou com o ex-marido Chico Buarque na Itália – até por isso, aliás, já sabia falar italiano antes das gravações. “Aprendi a falar no desespero. A língua me coloca de novo nessa jovem. Toca na minha história. Foi impossível não voltar pra minha vida”, diz ao Filmelier.
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A seguir, confira a conversa completa com Marieta sobre vida e ‘Duetto’.
Filmelier: Marieta, ‘Duetto’ cruza um pouco com a sua história, já que você se exilou na Itália durante a Ditadura Militar. Como foi a experiência de viver Lúcia? O que levou da sua vida pra personagem?
Marieta Severo: ‘Duetto’ é um filme de resgate de histórias. Ao perguntar o cruzamento com a minha, seria quase impossível não terem se cruzado, se tocado. [Eu era] a jovem de 22 anos que, por causa da Ditadura Militar, saiu daqui grávida de sete meses e, vinte dias depois, voltou. Mas acabou tendo a filha lá na Itália sem falar italiano. Agora, as nossas histórias, como atores, servem para alimentar os personagens. Seja no consciente, no subconsciente e tal. Você vai alimentando seus personagens com a sua história, com o que você viveu. É impossível as coisas não se misturarem. Eu fui, com a minha história, tentando encostar na história dela. A história da personagem é de reconstrução. Ela tem um passado, um segredo, e a morte do filho, que é a pior coisa que pode acontecer na vida de alguém, a coloca diante da grande questão da vida dela. Tudo isso tentando ajudar a neta a construir a própria vida com histórias verdadeiras. Ela quer recolocar, para essa neta, a possibilidade de viver a própria história.
Filmelier: A senhora tem várias passagens do filme em que fala em italiano. É mais desafiador? Ou está acostumada com a língua?
Marieta: Aprendi a falar no desespero. A língua me coloca de novo nessa jovem. Toca na minha história. Foi impossível não voltar pra minha vida.
Filmelier: Este é seu segundo lançamento nos cinemas em 2022 e tem mais um filme para estrear no Festival do Rio. Como vê esse momento do cinema nacional?
Marieta: É inusitado e muito bonito, muito significativo. Eu me sinto premiada à medida que a gente tem um governo que impossibilitou a nossa criação cultural e artística. Na criação cinematográfica, colocaram todos os empecilhos que puderam. Três filmes em um ano só é bonito, é animador. Estamos em um momento de retomar alegrias e esperanças. Tem um significado muito grande. Acompanhei a dificuldade de ‘Medida Provisória’, de ‘Marighella’. Todos os empecilhos. As dificuldades de ‘Aos Nossos Filhos’. A Laura e a Maria Medeiros são heroínas. Todos obstáculos foram criados para impedir que esse filme fosse lançado. Mas a vida é misteriosa: o filme foi lançado no ano em que estamos combatendo a ditadura. Foi perfeito. Perfeito. A gente pode falar desse tema quando nós podemos escolher não refazer o pior período da história do Brasil. É muito emocionante. Muito, muito, muito. É significativo, é compensador e tem a sensação de que nada nos detém. Nada detém a força da ficção, da nossa criação, da nossa imaginação, a força do que a gente é. Nada detém isso. Não irão deter a primavera.