'Ferrari': verdades e mentiras no filme de Michael Mann

Filme traz detalhes bastante pessoais da vida de Enzo Ferrari, criador de uma das marcas de carro mais desejadas do mundo

Matheus Mans | 20/02/2024 às 21:34 - Atualizado em: 26/02/2024 às 15:01


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Retorno de Michael Mann na direção de um filme oito anos após Hacker, Ferrari é um dos grandes projetos da vida do cineasta, conhecido principalmente por seus trabalhos com Fogo contra Fogo e Miami Vice. Artigos sobre o diretor falam que ele tenta filmar este projeto há mais de 30 anos, cogitando inclusive atores como Robert De Niro e, depois, Christian Bale como Ferrari. Só que o papel acabou ficando com o jovem Adam Driver (História de um Casamento).

Mesmo há tanto tempo em produção, Ferrari mudou pouco em termos narrativos. O filme conta a história que Mann sempre quis contar: a vida de Enzo Ferrari em um dos momentos mais atribulados, quando vivia um casamento de fachada com Laura e a sua empresa não estava indo tão bem -- na verdade, estava prestes a falir. É no meio desse caos que Mann posiciona sua câmera e convida o espectador a conhecer mais a história do poderoso italiano.

Piero Ferrari, hoje vice-presidente da empresa e filho fora do casamento de Enzo, aprovou o filme e disse que tudo que está ali realmente aconteceu -- o que dificulta um pouco achar mentiras para um artigo como este. Segundo ele, o que acontece no filme é “realmente o que aconteceu”, especialmente a forma como capta a motivação de seu pai. “Meu pai era uma pessoa que estava sempre olhando para frente, seguindo em frente, nunca voltando atrás", disse.

As verdades e mentiras sobre a vida de Enzo Ferrari

Enzo Ferrari tinha um casamento conturbado com Laura Garello?

Verdade. Ponto central na trama de Mann, o relacionamento entre Enzo e Laura ficou em frangalhos após a morte do único filho do casal, Dino, que tinha uma saúde fragilizada. Brock Yates, cujo livro de 1991, Enzo Ferrari: O Homem por Trás das Máquinas, inspirou o filme de Mann, conta que os dois viviam apenas um "relacionamento de aparências" no período em que se passa o longa-metragem, já na década de 1950. Lembrando que Laura e Enzo casaram em 1923.

Depois de De Niro e Bale, o papel de Enzo Ferrari ficou com Adam Driver (Crédito: Diamond Films)

"Embora existam inúmeras fotos do casal em várias corridas no início dos anos 1920, ele logo se tornou o tradicional marido italiano, buscando conquistas sexuais não por prazer, mas pela gratificação do ego. Ferrari foi obcecado por sexo durante a maior parte de sua vida, e foi provavelmente em poucos meses que seus votos de casamento foram quebrados. Anos depois ele foi comentar com Romolo Tavoni, um veterano gerente de corridas e associado pessoal próximo, que 'um homem deve sempre ter duas esposas'", explica Yates, em trecho do livro destacado pela Time.

Vale lembrar, também, que o divórcio não era bem visto na Itália nos anos 1950, por isso Laura e Enzo evitaram ao máximo uma separação -- que também poderia causar problemas judiciais, já que Laura detinha parte da Ferrari.

A morte do filho abalou o casal?

Sim. Mas vale dizer: ainda que o filme mostre um ressentimento muito grande por parte de Laura, que não admite a morte de seu único filho, vale lembrar que Enzo já traía a esposa bem no início do casamento, bem antes até mesmo do nascimento de Dino. É claro que a morte do filho foi um agravante, mas não o único fato a agravar o matrimônio.

Certa vez, Ferrari escreveu, já no início dos anos 1960, quando namorava três mulheres ao mesmo tempo e se via desiludido com casamentos e triste pelo filho. “Estou convencido de que quando um homem diz a uma mulher que a ama, ele apenas quer dizer que a deseja e que o único amor perfeito neste mundo é o de um pai para seu filho", disse.

Enzo Ferrari era um homem elegante?

Não era bem assim. Logo que saí da exibição de imprensa, ouvi um comentário atrás de mim, de uma jornalista, destacando como o dono da Ferrari devia ser um homem "bonito e elegante". Sobre ser bonito, cada um fique com seus julgamentos. No entanto, há registros de que Enzo era um homem um tanto quanto desagradável em termos de modos -- por isso, podemos imaginar que a elegância que vemos em Ferrari vem mais da atuação de Driver.

A história da Ferrari é cheia de altos e baixos, assim como a de seu criador (Crédito: Diamond Films)
A história da Ferrari é cheia de altos e baixos, assim como a de seu criador (Crédito: Diamond Films)

Yates explica que Ferrari, implacável em sua busca por “conquistas sexuais”, sempre foi envolvido com “mulheres chamativas e muitas vezes inúteis”. Também era conhecido por ser rude em jantares, coçando a virilha e arrotando alto.

Laura realmente estava envolvida com a administração da Ferrari?

Sim. Principalmente após a morte do filho, Laura começou a entrar de cabeça em decisões comerciais, se valendo de boa parte das ações que tinha em posse. John Nikas, escritor e especialista na história dos carros que fundou o Hall da Fama dos Carros Esportivos Britânicos, explicou também ao Time como Laura participava (e atrapalhava) a Ferrari.

"Após a morte de Dino, em 1956, devido a uma doença misteriosa, Laura tornou-se muito mais envolvida nas operações da empresa Ferrari em Modena , muitas vezes rondando o local e dificultando a vida dos funcionários", diz Nikas. Já Ferrari se jogou nos carros de corrida, tão emocionalmente distante de seus pilotos quanto das mulheres que perseguia. “O único interesse da Ferrari era vencer. Ele realmente não se importava com os motoristas”.

Enzo tinha um filho fora do casamento?

Sim, como já destacamos no começo do texto. Durante seu período com problemas no casamento, diz Yates, Ferrari buscou refúgio em Lina Lardi, mulher que conheceu por volta de 1944, quando ele tinha 46 anos. Ela deu luz à Piero cerca de um ano depois, em 22 de maio de 1945. Depois disso, mesmo não assumindo prontamente, Enzo conviveu com o garoto nas escapadas para a casa que mantinha para a amante -- levando-o até ao túmulo de seu filho morto.

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Matheus Mans
Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

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