Crítica: 'Fiéis', da Netflix, fala sobre traição e mentiras em trama instigante

Suspense holandês da Netflix é uma das boas (e raras) surpresas de filmes originais da plataforma

Matheus Mans | 17/05/2023 às 13:43 - Atualizado em: 17/05/2023 às 21:24


Bodil (Bracha van Doesburgh) e Isabel (Elise Schaap) são duas amigas, já na casa dos 40 anos, que decidem fazer uma viagem juntas para a Bélgica. Seria Fiéis, estreia da Netflix desta quarta-feira, 17, uma comédia leve e despretensiosa como Quatro Amigas e um Jeans Viajante, Viagem das Garotas ou até Do Jeito que Elas Querem 2? Nada disso: a dupla se separa logo que chegam de viagem. As duas, cada uma do seu jeito, parte para um final de semana de traições.

Bodil, por exemplo, tem um romance proibido com um palestrante, escritor e coach que faz sucesso na região -- os maridos das duas, inclusive, pensam que elas foram para lá para um evento com esse rapaz. É algo mais "contido". Já Isabel, que é casada com um escritor depressivo, aproveita a noite belga: sai em baladas liberais em busca de alguém. E é nessa busca de a mulher aparece morta em casa, com o pescoço cortado. E aí começa a trama de Fiéis.

Fiéis é uma história batida sobre traições...

Longa-metragem dirigido por André van Duren (de A Fúria e A Gangue de Oss), Fiéis tem um objetivo claro: investigar os efeitos da morte e das traições na vida das pessoas que optam (ou precisam?) seguir por esse caminho. Isso fica claro desde o primeiro frame do filme, quando Duren coloca uma frase célebre de George Bernard Shaw para provocar a audiência: "o castigo do mentiroso não é o fato de ninguém acreditar nele, mas sim dele não acreditar em ninguém".

Cena de Fiéis com a personagem Bodil
Bodil é a personagem que precisa resolver a situação (Crédito: Netflix)

Por esse lado, pensando na abordagem da traição e da mentira, van Duren trata tudo com um certo conservadorismo -- não que a traição tenha que ser algo visto como positivo, obviamente, mas até pela forma que a trama condena as duas personagens logo de cara. Demora, mais do que deveria, para dar o contexto dessas duas personagens nesse ambiente. Algo, aliás, que acontece com bastante frequência no ambiente machista e patriarcal do cinema mundial.

A forma negativa que Isabel é retratada, por exemplo, não avança para outra discussão em momento algum. Quando há uma revelação final, até que a trama de Fiéis se aproxima de um tipo de redenção da personagem, mas ainda com um quê de vilanização. É algo que hoje, em pleno 2023, incomoda -- ainda mais com o contexto da personagem.

...mas com bons elementos de suspense

O que mais chama a atenção aqui, e que funciona com tranquilidade, é a investigação envolvendo o assassinato de Isabel. Com os maridos entrando em cena, Duren, que assina o roteiro ao lado de Elisabeth Lodeizen e Paul Jan Nelissen, traz elementos do suspense para sustentar a narrativa. A realidade vai se abatendo na vida de Bodil, que parece presa em uma trama de acusações e decisões erradas pelo caminho. A situação logo se torna desesperadora.

Bodil e Isabel: duas amigas em uma viagem regada a traições (Crédito: Netflix)

Van Doesburgh tem uma atuação contida como a protagonista -- me lembrou, em vários momentos, a atuação de Carice van Houten no ótimo thriller sexual Instinto. É uma atuação que demora a se conectar com a audiência, principalmente pela maneira fria que a personagem lida com várias situações, mas que logo vai revelando cada vez mais humanidade em seus sentimentos. Parece uma atuação fácil, mas guarda algumas boas complexidades.

E o final é satisfatório: ainda que seja um tanto quanto decifrável, sendo possível matar tudo o que aconteceu quando ainda estão faltando uns 30 minutos para o longa-metragem acabar, Fiéis consegue manter o público preso na trama sobre traições, mentiras e assassinatos. Perto de muita coisa ruim que a Netflix está entregando nos últimos tempos, ver um suspense interessante, mesmo com suas falhas básicas de roteiro e condução, é no mínimo gratificante.

Confira o trailer de Fiéis:

Clique aqui para assistir a Fiéis na Netflix.

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Matheus Mans
Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

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