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‘Licorice Pizza’ nos revela que, às vezes, é melhor deixar a nostalgia no passado
O novo filme de Paul Thomas Anderson é uma bela comédia romântica nostálgica sobre amadurecimento, mas que perpetua alguns problemas
Paul Thomas Anderson é um dos diretores mais elogiados no cinema contemporâneo. Desde sua estreia com ‘Jogada de Risco’ (1996), o currículo dele tem excelentes títulos como ‘Magnólia’ (1999), ‘Sangue Negro’ (2007), ‘O Mestre’ (2012) e ‘Trama Fantasma’ (2017). O mais recente trabalho de Anderson, ‘Licorice Pizza’, chegou aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, dia 17. O longa foi indicado ao Oscar em três categorias – Melhor Roteiro Original, Direção e Filme.
A produção marca o retorno do cineasta ao mundo das comédias românticas, após ‘Embriagado de Amor’ (2002), e traz uma história de amadurecimento (os populares “coming of age”).
‘Licorice Pizza’ é estrelado por Alana Haim e Cooper Hoffman, ambos fazem sua estreia no cinema. Ela vem do mundo da música, faz parte da banda Haim; ele, é filho do ator Philip Seymour Hoffman, que morreu em 2014. A ambientação é nos anos 1970, com uma história embalada por uma trilha sonora incrível, com hits de Nina Simone, David Bowie, Paul McCartney.
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Mais do que isso: a produção tem uma estética impecável – o que é típico da assinatura de Anderson.
A fotografia é linda, assim como todo o trabalho de cor, que deixa tudo mais bonito e dá a impressão de que as coisas pareciam mais simples naquela época. Aqui, Paul Thomas Anderson traz uma produção bem diferente do que havia apresentado em toda sua filmografia.
O que é licorice pizza ?
O nome ‘Licorice Pizza’ é uma referência a uma famosa lojas de disco que existia na Califórnia nas décadas de 1970 e 1980. O termo é também uma gíria para discos de vinil, que têm a aparência de um alcaçuz preto, brilhante e do tamanho de uma pizza. Toda a nostalgia que Paul Thomas Anderson traz ao filme é linda. O longa faz uma reprodução das memórias do realizador e do seu amigo Gary Goetzman, que insirpou o protagonista desta história, Gary Valentine (Cooper Hoffman). Ele não é o único personagem com um pé na realidade. A obra faz pequenas homenagens ao cinema de Hollywood nos anos 1970, trazendo também o produtor Jon Peters (interpretado pelo Bradley Cooper), o ator Jack Holden (Sean Penn), o político Joel Wachs (Benny Safdie) e a agente de atores mirins Mary Grady (Harriet Samson Harris). Na verdade, todas as figuras do longa foram inspirados em alguma celebridade. Porém, em alguns casos elas tiveram seus nomes alterados – como no caso de Gary e também da atriz Lucille Ball, que é Lucy Doolittle (Christine Ebersole) na história. E, claro, a protagonista Alana foi feita para Alana Haim – assim como suas irmãs, Daniella e Este, que também estão em ‘Licorice Pizza’, além dos pais delas, Mordechai e Donna. Todos da família são músicos e moraram em San Fernando Valley, onde o filme é ambientado.
Não há (mais) espaço para anacronismo desnecessário
Como vemos, Paul Thomas Anderson trouxe um trabalho repleto de referências – que nem sempre agregam à narrativa. Os surtos de Jon Peters com Jack Holden são divertidos. No entanto, esse lado cômico pesa no caso de Jerry Frick, um dono de restaurante japonês que acaba sendo protagonista de piadas racistas. Pode ser um anacronismo, mas esse tipo de abordagem ficou datada e, hoje em dia, não funciona mais para trazer humor. É um erro assumir que algum dia foi engraçado fazer piadas com diferentes etnias e é pior ainda continuar contribuindo com isso. Não é à toa que a Media Action Network for Asian Americans (MANAA) foi contra o sucesso de ‘Licorice Pizza’ e o seu reconhecimento em premiações. As cenas problemáticas são completamente gratuitas e a narrativa andaria bem sem elas. Como a própria associação definiu, elas só reforçam o racismo asiático em nome da arte. Independentemente do público estar rindo com ou de Jerry Frick, é difícil não se sentir desconfortável cada vez que ele fala. O “sotaque” que o personagem força é muito semelhante ao tom usado para zombar de japoneses, chineses e outros asiáticos em todo o mundo.
Naturalizando relacionamentos tóxicos
Deixando de lado o contexto o histórico de ‘Licorice Pizza’, a produção dá também uma deslizada na relação amorosa dos protagonistas. Gary tem apenas 15 anos, enquanto Alana tem 25 anos. São dez anos de diferença. Esse fato é bastante intragável, mas parece que é perfeitamente aceitável se estamos falando de um adolescente homem se envolvendo com uma mulher mais velha. Muito provavelmente se a situação fosse inversa, a problemática seria o grande foco da narrativa. Mas, como vivemos em uma sociedade que “fetichiza” esse tipo relacionamento – partindo do ponto de visto masculino -, parece que grande parte dos críticos de cinema concordaram com a ideia de Paul Thomas Anderson. Além do mais, a forma como o menino de 15 anos é construído é muito mais dominante do que a da personagem feminina, que é, como vimos, mais velha. Como mulher, considerei bastante ofensivo a forma como Alana é retratada, Ela parece mais imatura que o adolescente. Claro que é completamente normal ter 25 anos e estar confusa na vida. No entanto, a narrativa te faz achar Gary mais maduro – muito por conta de sua preocupação com o futuro, por cuidar dos negócios da família com a mãe e devido também a sua ambição. Em alguns momentos, até mesmo a forma como ele trata seu interesse amoroso por Alana beira a algo “mais adulto”. Entretanto, tem também o lado imaturo da situação: ele não sabe o que quer já que é apenas um garoto descobrindo a vida, as garotas e tudo mais. O grande problema disso é a abordagem de Alana, que é, claramente, seduzida por ele desde o começo – por mais que eles sejam amigos antes de qualquer coisa. O tempo todo Alana é desrespeitada (por um menino de 15 anos), e o jeito dela lidar com isso é se igualando a ele. Por mais que o roteiro queria mostrar que a moça está também em uma fase de descobertas, é um pouco difícil acreditar que uma mulher de 25 anos genuinamente fosse entrar no jogo de um garoto. Cada espectador pode interpretar isso de um jeito, mas a diferença de idade dos personagens não interfere na trama. Gary poderia ter 18 e Alana uns 23 que a história funcionaria do mesmo jeito e seria uma relação menos problemática. Há, claro, a carta de que a história é ambientada na década de 1970, onde onde era normalizado esse tipo de envolvimento. Fica, no entanto, a questão: a nostalgia é desculpa para perpetuar comportamentos absurdos? Quem acompanha a carreira de Paul Thomas Anderson sabe que não é a primeira vez que o cineasta fala sobre relacionamentos tão complicados – que beiram ao tóxico – de uma forma romantizada. O mesmo acontece em ‘Embriagado de Amor’, ‘Trama Fantasma’ e outras produções.
‘Licorice Pizza’ no Oscar
Como mencionado, ‘Licorice Pizza’ está indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original no Oscar 2022. É um pouco preocupante pensar que um filme com todos os problemas supracitados seja considerada para um dos melhores roteiros do ano. Mas, no fundo, sabemos que esse não é o único problema dos Academy Awards. Este é um reflexo de como Hollywood ainda enaltece filmes que reforçam machismo e preconceitos. Novamente, é importante citar que deixando de lado esses problemas, não tem como não reconhecer a habilidade de Paul Thomas Anderson como realizador. Ele trouxe um frescor às comédias românticas e poderia ser ainda melhor se as questões já citadas fossem tratadas de outra forma.