‘Meu Pai’: Alzheimer e memória são protagonistas ao lado de Anthony Hopkins ‘Meu Pai’: Alzheimer e memória são protagonistas ao lado de Anthony Hopkins

‘Meu Pai’: Alzheimer e memória são protagonistas ao lado de Anthony Hopkins

Neuropsiquiatra e psicóloga comentam detalhes do longa-metragem, que foi indicado em seis categorias do Oscar 2021

Matheus Mans   |  
8 de abril de 2021 10:52
- Atualizado em 14 de abril de 2021 13:06

A Doença de Alzheimer, mal degenerativo que faz a pessoa perder memórias e traz outros problemas neurais, já foi amplamente retratado nos cinemas. ‘Para Sempre Alice’ tratou de falar sobre a doença em pacientes mais jovens, com uma atuação de gala de Julianne Moore. Em ‘Ella e John’, temos Donald Sutherland enfrentando a doença ao lado da esposa. Em ‘Amor’, Michael Haneke adotou um tom glacial para falar da condição.

Dessa forma, nenhum chegou perto do retrato do Alzheimer como ‘Meu Pai’. Longa-metragem protagonizado brilhantemente por Anthony Hopkins e que estreou nesta semana para compra online na Apple TV, Google Play e YouTube. Na trama, vemos a degeneração da memória desse protagonista a partir de seu próprio olhar, de sua própria dor, de seus sentimentos e emoções. Compartilhamos da confusão do personagem Anthony e da aflição da filha (Olivia Colman).

Não à toa, o longa recebeu seis indicações ao Oscar: melhor filme, design de produção, ator, edição, roteiro adaptado e atriz coadjuvante para Colman.

Publicidade

Afinal, mais do que tratar a condição de Anthony como algo distante, o diretor Florian Zeller adaptou sua peça homônima para que haja a imersão. Pode-se dizer que a edição de Yorgos Lamprinos (‘Um Divã na Tunísia’) compartilha boa parte dos créditos de direção. Ficamos desorientados conforme o filme vai mostrando uma sucessão de acontecimentos que não se encaixam – onde Anthony mora? Quem é o genro? E a cuidadora?

Anthony Hopkins é o protagonista de Meu Pai, filme sobre degeneração da memória (Crédito: Divulgação/Califórnia Filmes)
Anthony Hopkins é o protagonista de ‘Meu Pai’, filme sobre degeneração da memória (Crédito: Divulgação/Califórnia Filmes)

“Geralmente, filmes colocam a pessoa que sofre de Alzheimer quase como um objeto distante de observação. Acho que se assemelha à experiência do zoológico. O personagem com a condição fica distante e vemos sua degeneração apenas de longe”, afirma o neuropsiquiatra Edson Nogueira, que já assistiu a ‘Meu Pai’. “Agora, neste filme, finalmente entendemos o que se passa com essa pessoa. É um mergulho potente e doloroso”.

Imersão em ‘Meu Pai’

Mas, antes de prosseguirmos, vamos falar sobre o trabalho de edição. E nesta fatia de texto, vale dizer, falaremos de aspectos um pouco mais sensíveis da trama. Ainda que ‘Meu Pai’ não seja um filme essencialmente calcado em sua história, mas sim em suas sensações, pode ser uma boa oportunidade de você pausar o texto e correr atrás do filme para assistir. Mas, se não ligar muito para revelações da trama (os famosos spoilers), pode continuar sem problema algum.

Logo em uma das primeiras cenas de ‘Meu Pai’, o personagem de Hopkins está em casa quando a filha chega e avisa que vai morar em Paris, com seu marido. Este é, basicamente, o fio condutor de toda a confusão que se abate na cabeça do idoso. Ele não sabe mais se ela realmente vai para Paris, onde ele está morando nessa transição, quem é o homem que está provocando essa mudança, nem mesmo qual é sua condição dentro desse contexto.

“A pessoa se apega
à lembranças específicas”

“A pessoa com Alzheimer, na maioria das vezes, se apega às lembranças específicas, do passado e presente, e mistura essas sensações, ideias e memórias”, explica a psicóloga Júlia Medeiros. “Enquanto isso, pequenas coisas do cotidiano também passam a ser alvo da confusão mental. O paciente esconde uma colher achando que o genro vai roubá-la. Depois, não encontra mais a colher e passa a ter certeza de que foi roubada”.

Além disso, o diretor sabe brincar com as emoções do público o tempo todo. A troca de personagens, entre Colman e Olivia Williams, atiça ainda mais nossa curiosidade sobre o que está acontecendo na tela – ao mesmo tempo que sentimos a dor sincera dos problemas do personagem. “É extremamente normal, no Mal de Alzheimer, que a pessoa confunda as pessoas, principalmente com mães, tios e avós já falecidos”, diz Júlia.

Por fim, é Hopkins quem coloca a cereja do bolo nessa imersão sensorial que é ‘Meu Pai’. No seu melhor papel desde ‘O Silêncio dos Inocentes’, o ator sabe interpretar a condição desse idoso confuso, por vezes amargurado e triste. “Além das memórias, em estágios mais avanços, o paciente começa a confundir sentimentos e emoções também. Tem acessos de raiva, de tristeza. E, muitas vezes, não sabe explicar o porquê”, afirma o médico.

“O paciente começa a
confundir sentimentos
e emoções”

Questionado se faltou alguma coisa na história, Nogueira diz que o filme se ateve no que era sua responsabilidade. “Pesquisas indicam que a genética é a principal ‘culpada’ por trás do Alzheimer. Fiquei preocupado, em determinado momento, que fossem levar alguma questão ou preocupação precoce para a personagem da filha. Mas felizmente a história acaba antes de qualquer coisa desse tipo”, diz. “É um filme fiel e ainda responsável”.

Novos olhares

A única sensação ruim que fica quando sobem os créditos é a percepção de que não há saída. O personagem de Hopkins está fadado a perder a memória, enquanto a filha parece atingir um esforço em vão. “Infelizmente, hoje em dia, temos mais tratamentos experimentais e algumas drogas que ajudam a retardar o avanço do Alzheimer”, diz o neuropsicólogo. “Mas não podemos dizer que há uma solução que poderia estar no filme”.

Hopkins mostra as diferentes fases de uma pessoa com Mal de Alzheimer (Crédito: Divulgação/Califórnia Filmes)

Questionados sobre outras histórias que abordam o Mal de Alzheimer de maneira responsável, respostas parecidas. Ambos logo falaram do já citado ‘Para Sempre, Alice’, protagonizado por Julianne Moore, e que mostra a doença em uma mulher mais jovem – algo raro, já que o Alzheimer surge, principalmente, após os 75 anos. A psicóloga Júlia Medeiros indicou ‘Viver Duas Vezes’, na Netflix. “É um filme singelo, mas muito bonito”, diz.

Já Nogueira lembrou de ‘Nebraska’, longa indicado ao Oscar com Bruce Dern no papel de um homem perdendo lembranças. “É um filme bonito, até esteticamente, e que traz um olhar para a família, para as pessoas queridas. Ninguém quer esquecer, mesmo que por um momento, o rosto do filho, do pai, do neto”, diz. “Por isso, inclusive, ‘Meu Pai’ é tão poderoso. Mais do que termos uma ideia, sentimos. E é uma sensação forte demais”.

Siga o Filmelier no FacebookTwitterInstagram e TikTok.