Plataformas digitais ganham força durante a crise dos cinemas Plataformas digitais ganham força durante a crise dos cinemas

Plataformas digitais ganham força durante a crise dos cinemas

Estúdios e distribuidoras independentes começam a adiantar estreias e a lançar filmes direto no streaming

Matheus Mans   |  
7 de abril de 2020 15:35

Nos últimos anos, plataformas digitais foram encaradas como competidoras dos cinemas tradicionais. Não é à toa que há uma janela de lançamentos específica para o mídia, onde estúdios e exibidores firmam acordos para que um filme seja lançado digitalmente apenas três meses após a estreia no circuito tradicional.

No entanto, com a crise causada pelo novo coronavírus e a suspensão de atividades dos exibidores, há uma mudança de comportamento. Estúdios e distribuidoras passaram a olhar com mais atenção para a opção do streaming. Afinal, essa se torna a oportunidade de manter as atividades.

Nos Estados Unidos e na Europa, grandes estúdios já anunciaram lançamentos inéditos ou recentes diretamente no digital. No Brasil, enquanto isso, distribuidoras começam a romper o paradigma das janelas para adiantar estreias em VOD e até lançar filmes inéditos em streaming.

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“Nessa situação, temos de separar os estúdios das distribuidoras”, explica Fabio Lima, diretor executivo da Sofa Digital, agregadora de conteúdo em video on demand que faz parte do mesmo grupo do Filmelier. “Estúdios contam com lançamentos globais. Distribuidoras são de um mercado mais descentralizado e com variáveis”.

Independentes digitais

As distribuidoras de filmes independentes ou de médio alcance estão buscando diferentes saídas nessa situação. São empresas com uma margem de lucros apertada e que não podem ficar muito tempo paradas. Afinal, a distribuidora detém apenas direitos locais e precisa arcar com custos.

A Pandora Filmes, por exemplo, estava com todo seu calendário de lançamentos configurado para 2020. Agora, tudo foi por água abaixo. André Sturm, diretor da distribuidora e também do cinema Petra Belas Artes, começa a pensar em soluções que possam beneficiar todos envolvidos no mercado.

Assim, a empresa fez um movimento inédito: vai lançar ‘O Pai’, filme da Bulgária que deveria ter estreado em março, direto no serviço de streaming À La Carte, do Belas Artes. É uma decisão que, dessa forma, beneficia o serviço do exibidor, enquanto desafoga a fila de lançamentos da Pandora.

‘O Pai’ irá direto para o À La Carte (Crédito: Divulgação/Pandora Filmes)

“É uma situação absolutamente nova. Mas, se houver uma permanência desse cenário, é inevitável que a gente recorra mais ao digital”, diz Sturm. “As pessoas estão em suas casas, com vontade de ver cinema. Querendo se entreter. Vamos ter que dar um jeito, agora, do cinema ir até a pessoa”.

Já a Califórnia Filmes viu um de seus principais lançamentos do ano ser prejudicado pela covid-19. ‘O Oficial e o Espião‘, de Roman Polanski, estreou na quinta-feira anterior ao início de fechamento de cinemas. A empresa não conseguiu compensar o investimento com o filme, premiado no César.

“Antecipamos a
estreia digital para
reduzir os danos”

Agora, a distribuidora adiantou o lançamento para plataformas digitais, com opção de aluguel ou compra. “É um processo longo de preparação para estrear nos cinemas. Levamos até dois anos entre a compra de direitos e o lançamento”, explica Euzébio Munhoz Junior, diretor da Califórnia. “Pensamos em esperar para voltar aos cinemas, mas não dá. Antecipamos a estreia digital para diminuir os danos”.

E este é um movimento que está crescendo nas plataformas digitais. Além de ‘O Oficial e o Espião’, a Califórnia também anunciou o lançamento em VOD do inédito ‘Zombi Child’. Já a Vitrine adiantou o lançamento de ‘Você Não Estava Aqui‘, filme de Ken Loach prejudicado no cinema pela covid-19.

Longas com grandes astros também começam a perder suas janelas nos cinemas tradicionais. ‘Line of Duty’, com Aaron Eckhart, e ‘Running With The Devil’, estrelado por Nicolas Cage, foram direcionados para o VOD. Apenas a Sofa Digital, que é uma das maiores agregadoras da América Latina e presta serviços a diversos distribuidores, está adiantando os lançamentos ou pulando a janela de cinema de 13 títulos na região nos próximos dois meses — sendo sete no Brasil.

Cenário global

Enquanto isso, grandes estúdios internacionais olham com cautela para a opção digital. A Universal Pictures quebrou a janela de lançamentos de ‘The Hunt’ e ‘Emma’, filmes que estrearam nos cinemas americanos pouco antes da covid-19, e optou por lançar o inédito ‘Trolls 2’ direto no VOD americano.

No entanto, vale ressaltar, a filial brasileira decidiu manter o filme nos cinemas. O objetivo é lançar a sequência de animação em outubro de 2020. ‘The Hunt’ e ‘Emma’ permanecem sem uma data de estreia oficial no País.

Já a Disney reposicionou ‘Artemis Fowl’, um filme de baixo impacto e com várias complicações de produção para seu serviço de streaming, o Disney+ – plataforma que tem lançamento previsto no Brasil para novembro.

Ainda inédito, ‘Artemis Fowl’ vai direto pro Disney+ (Crédito: Divulgação/Disney)

Por fim, outros grandes estúdios, como Warner, Paramount e Sony não fizeram grandes movimentos em direção ao digital. Apenas quebraram a janela traidicional com produções como ‘Aves de Rapina‘ e ‘Bloodshot‘, que sofreram impactos negativos nas receitas por conta da pandemia.

A grande pedra no caminho para os estúdios expandirem esses lançamentos digitais é que cada mercado se comporta de uma maneira. Por isso, é preciso de uma estratégia global e de maior penetração. Nos EUA, por exemplo, há a cultura de pagar um pouco mais caro por filmes no digital.

“A luta é para formar uma cultura de consumo on demand. Nos Estados Unidos, o aluguel premium é uma ideia que foi resgatada e colocada em prática por grandes estúdios”, afirma o pesquisador e professor de cinema, Waldemar Dalenogare. “Distribuidoras devem seguir esse caminho e posicionar estreias direto no digital para minimizar o impacto financeiro”.

Futuro das plataformas digitais

Ainda existem muitas incertezas sobre como o mercado deverá se comportar no futuro. Afinal, não se sabe quanto tempo essa situação irá durar, nem como cinemas irão reagir na “retomada”. A aproximação com o digital já deu seus primeiros passos, mas muito mais deve ser construído.

“A gente só vai saber do potencial do VOD quando estúdios fizeram grandes lançamentos no digital. Com investimento, divulgação”, afirma Fabio Lima, da Sofa Digital. “Não deve ter resultados de cinema, mas será algo positivo. Afinal, nem é preciso fazer investimento de logística, de cópias, de pôster”.

“O VOD era que nem
o que era delivery
para restaurantes”

Jean-Thomas Bernardini, fundador da distribuidora Imovision e do cinema Reserva Cultural, vê esse caminho com certa resistência. Gosta da tela escura, do clima do cinema. Apenas recentemente que a distribuidora passou a levar filmes para plataformas digitais como Globoplay ou Telecine.

Agora Bernardini acredita que o video on demand irá ajudar na sobrevivência do setor. “Cada centavo conta”, afirma o fundador da Imovision, que também está voltando a vender DVDs. “O VOD era que nem delivery para restaurantes. Não era a principal renda, mas a partir de agora será determinante”, compara o o executivo – que também possui um restaurante anexo ao cinema.