‘Playmobil’: a magia do cinema e dos contos de fadas ‘Playmobil’: a magia do cinema e dos contos de fadas

‘Playmobil’: a magia do cinema e dos contos de fadas

Entrevistamos o diretor Lino DiSalvo, que contou os detalhes do processo de transformação de uma antiga linha de brinquedos em uma animação para os cinemas

24 de dezembro de 2019 10:17
- Atualizado em 26 de dezembro de 2019 11:33

Quem tem entre 30 e 45 anos certamente brincou – ou ouviu falar – da Playmobil. Criada em 1974 pelo alemão Hans Beck, a linha de brinquedos aportou no Brasil pouco tempo depois – fabricados pela Trol e, depois, pela Estrela. Depois de mais de quatro décadas, a marca seguiu o exemplo do concorrente mais famoso (a Lego) e virou um longa-metragem animado: ‘Playmobil: O Filme’, que está em cartaz nos cinemas brasileiros.

Como foi o processo para transformar uma propriedade preexistente, com seus fãs, em um longa para a tela grande? Para entender esse processo, conversamos em duas oportunidades com o diretor do filme, Lino DiSalvo, que veio ao Brasil no começo de dezembro para promover o lançamento durante a CCXP.

Como ele nos contou, é uma história que começou muitos anos antes do convite para ser o diretor de ‘Playmobil’. 

O filme procurou trazer para a tela as mais diversas versões da linha Playmobil (Divulgação)

“Eu nasci em Nova York, mas costumava ir todo verão para a Itália, e foi onde eu achei o Playmobil, porque meus primos na Itália tinham”, contou o diretor em uma coletiva para a imprensa brasileira, em São Paulo. “Quando criança, eu me apaixonei, ficava contando histórias com os brinquedos. Para mim, parte do apelo em fazer este filme é…. Quando pensamos em Lego, eu amo Lego – minha casa é meio Lego, meio Playmobil. Eu tenho dois filhos. A diversão que eu tenho com a minha família brincando de Lego é a construção. É juntar as coisas. A diversão que eu tenho com a minha família brincando com Playmobil é contar histórias”. 

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Esse envolvimento emocional foi o ponto de partida para o projeto – e o segundo ponto foi encontrar quem tinha brincado com aqueles bonecos, veículos e cenários, em busca do significado da linha de brinquedos para essas pessoas. 

“Playmobil é uma
página em branco”

“Algo que todos eles trouxeram durante as conversas foram as ideias de narrativa e de interpretação”, contou DiSalvo já no papo exclusivo com o Filmelier. “É por isso que eles amam Playmobil. Playmobil é uma página em branco, e eu gosto disso. Então decidimos bem no começo que o filme seria… que a estrutura do filme honraria o assunto com o qual estávamos lidando: seria sobre uma personagem que é a heroína de sua própria história, ela brincaria de encenar para encontrar o irmão e voltar a ser humana novamente. Ela teria que pensar do mesmo jeito que fazia quando era criança. Foi muito divertido”.

A protagonista do filme é vivida por Anya Taylor-Joy, que você deve reconhecer de filmes de terror como ‘A Bruxa’ e ‘Fragmentado’. Após perder os pais em acidente de carro, quando ainda era adolescente, a personagem dela – chamada Marla – se viu obrigada a cuidar da casa e do irmão mais novo, Charlie (Gabriel Bateman, de ‘Brinquedo Assassino’), e abandonou o sonho de viajar pelo mundo. 

“Pensamos em algo como ‘vamos fazer uma protagonista interessante, com problemas reais, com problema honesto, com algo que todos nós torcemos para ela conseguir: a antiga vida de volta e o irmão’. Algo bem simples e familiar – e esses são meus filmes favoritos, aqueles nos quais as famílias se unem”, explicou DiSalvo sobre a ideia inicial para o roteiro. “Sim, nós estamos lidando com uma propriedade intelectual que já existe, mas vamos fazer também um filme muito bom”.

Para o início dessa história, o diretor e os produtores escolheram um caminho atípico: começar o filme com atores reais, para aí sim fazer a transição para a animação em computação gráfica. Por isso, nas primeiras cenas vemos Anya Taylor-Joy e Gabriel Bateman de carne e osso.

Marla e Charlie de carne e osso, no começo do filme (Divulgação)

“Em vários contos de fadas tem esse livro de histórias, ‘era uma vez…’, e isso não parecia correto para o nosso filme. Isso do livro de histórias não era específico de Playmobil. Então usamos live-action, porque sabíamos que eles precisavam se transformar em brinquedos. Poderíamos ter feito isso em animação, ter no começo computação gráfica ou em animação tradicional, como ‘Toy Story’, mas então eles se transformarem em brinquedos não seria algo contrastante. Para mim, o maior contraste seria ter pessoas reais indo por este portal mágico e se transformando em pequenos brinquedos”. 

E é assim que começa a história.

Entra a magia do cinema

Já no mundo de Playmobil, Charlie vira o grande boneco viking com o qual brincava – enquanto Marla se transforma, digamos assim, em uma versão dela mesma, só que em forma de boneco. Juntos, eles entram em um lugar que não se parece, de forma simplória, em um tabuleiro de Playmobil – é algo maior.

“Em filmes com brinquedos, eles se parecem com o que vemos, sempre de plástico”, explicou o diretor. “Mas, como há magia, achei que seria estranho ter tudo isso e ainda se parecer com o que eu vejo na vida real. Então queríamos que se parecesse com Playmobil, mas com mais 20% de magia”.

“É Playmobil,
mas com mais
20% de magia”

Há, claro, uma curiosidade nesse processo: Playmobils não possuem articulações no meio das pernas e braços – o personagem da Marla até brinca com isso nas primeiras cenas animadas, mas, depois, os bonecos passam a se movimentar todos normalmente. Porém, há um interessante jogo de câmera para esconder isso, colocando não só a magia do filme em ação, mas também a magia do próprio cinema. 

“Eu animei o Olaf em ‘Frozen’, e o truque que fizemos naquele filme foi que, se você olhar bem, Olaf não dobra os braços. Mas em closes, eu coloquei as mãos onde precisavam, então tem muita ‘trapaça’, mas você nunca as vê ‘uaaaa’ [enquanto faz o som, o diretor dobra os braços]. Então eu fiz a mesma coisa com ‘Playmobil’. Eu tento usar os cortes para esconder as dobras, então você nunca vê de verdade os braços dobrando”.

Charlie e Marla em suas versões Playmobil (Divulgação)

Pouco depois de passarem pelo portal mágico e chegarem ao mundo de Playmobil, Charlie e Marla são separados – e a irmã mais velha parte em busca do irmãozinho por um universo que, na realidade, é uma colagem de vários jogos temáticos da linha de brinquedos, envolvendo mundos como Roma Antiga, a cidade e muitos mais. Na prática, cada um desses mundos funciona como uma grande homenagem ao cinema. 

“Para mim, o caminho para contar a história do filme é que criamos essa espécie de ‘pula-pula de gêneros’”, explicou DiSalvo. “Enquanto Marla procura o Charlie, nós vamos exagerando os diferentes gêneros de filmes. Você vai do conjunto espacial, para os vikings, contos de fadas, coliseu… A forma como a câmera se comporta, e mesmo a atuação dos personagens, é específica para aquele gênero. Então percebemos que seria divertido fazer o filme sobre atravessar os diferentes mundos e fazer deles algo cinematográfico”. 

Ainda assim, mais do que vender brinquedos ou fazer homenagens, esses cenários contribuem para a história que está sendo contada no longa.

“Todos os mundos que estão no filme são ou para desafiar a protagonista ou para dialogar com a história. Então quando ela precisa daquele empurrãozinho, há uma razão para estar no [mundo de] conto de fadas. Quando ela precisa sair em uma aventura, há uma razão para estar na terra dos espiões. Quando era a terra dos vikings, era quando eu precisava que ela estivesse com mais medo, é por isso que começamos por lá”. 

O clímax da carreira

Como em um filme, podemos dizer que ‘Playmobil’ é, de alguma forma, o clímax da carreira de Lino DiSalvo. O americano trabalhou por anos na Disney, esteve envolvido em grandes sucessos e saiu da empresa em busca do caminho da direção. 

“Eu estive na Disney por quase 17 anos, eu trabalhei em ‘O Galinho Chicken Little’, ‘Bolt: O Supercão’, ‘Enrolados’, fui chefe de animação de ‘Frozen’…”, explicou DiSalvo durante o nosso papo. “Por estar na Disney por tanto tempo e por ‘Frozen’ ser um sucesso tão grande, se eu não dirigisse agora, eu nunca sairia da Disney”.

Em ‘Playmobil: O Filme’, o agora diretor usou toda essa experiência – mas garantiu que ainda não sabe tudo. “Peguei tudo que aprendi e coloquei nos meus filmes. Eu estou aprendendo diariamente. Eu sei que tenho muito a aprender, mas como artista é uma grande aventura”.

DiSalvo apresentando o filme para o público da CCXP (Divulgação/CCXP)

Agora, não se engane: fazer um longa-metragem animado com computação gráfica não é um trabalho fácil, nem rápido. No caso do ‘Playmobil’, o projeto durou três anos. “Foi na média”, explicou. “Em ‘Enrolados’ eu me envolvi por três anos e meio. Em ‘Frozen’, três anos. É bom gostar do que você faz, porque é um tempo muito longo”.

Ainda que com o filme entregue e, naquele momento, prestes a estrear no Brasil, o envolvimento de DiSalvo não tinha acabado. Ele trabalhou diretamente no processo de divulgação do longa – foi por isso que ele veio ao nosso país dar entrevistas e participar de um painel na Comic Con Experience.

“A atmosfera da Comic Con na América do Norte é incrível. A de Los Angeles [na realidade, San Diego, 200 km mais ao sul] é enorme. E eu ouvi que a do Brasil também é muito legal. Então estou muito animado”, afirmou o animador durante a entrevista – o painel na CCXP estava marcado para o dia seguinte, uma sexta-feira. Lá, o americano apresentou o filme (inclusive os bastidores do trabalho) para uma plateia de cerca de 3 mil pessoas.

Tudo isso sempre com um sorriso no rosto e brincalhão, mesmo que em meio a uma enorme maratona de divulgação. 

“Eu estou orgulhoso
do filme”

“Eu estou realmente orgulhoso, e espero que todos no Brasil dêem uma chance, indo assistir com a família e amigos. É muito divertido e tem uma grande mensagem para as crianças”, disse DiSalvo, finalizando a entrevista. 

‘Playmobil: O Filme’ está em exibição nos cinemas – clique aqui para ver o trailer, sinopse e motivos para assistir. No streaming, o longa será lançado no primeiro trimestre de 2020.