'Por Que Você Não Chora?' é "sobre a vontade de viver e de morrer", diz diretora

    Com responsabilidade, o filme - que acaba de estrear nos cinemas - pinta um retrato honesto sobre saúde mental

    Raíssa Basílio | 09/09/2021 às 12:22 - Atualizado em: 10/09/2021 às 16:48


    Estamos em setembro, mês escolhido para a campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015 - isso porque o dia 10 é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio. Por isso, não tinha data melhor para o lançamento de 'Por Que Você Não Chora?', drama sobre saúde mental que chega hoje, 9, aos cinemas brasileiros e às plataformas de streaming.

    O filme, vencedor do prêmio do Júri no 48º Festival de Cinema de Gramado, é o segundo longa-metragem de Cibele Amaral, que conversou com o Filmelier sobre o seu mais recente trabalho.

    Carolina Monte Rosa em Por Que Você Não Chora? (Crédito: Divulgação/O2)
    Carolina Monte Rosa em 'Por Que Você Não Chora?' (Crédito: Divulgação/O2)

    Na trama, Jéssica (Carolina Monte Rosa), uma estudante de psicologia, passa a atender Bárbara (Bárbara Paz), diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline, durante o estágio na faculdade. Enquanto a paciente melhora, ganha confiança para recuperar sua vida, Jéssica começa a se perder.

    'Por Que Você Não Chora?' aborda o suicídio de uma forma abstrata, com uma certa delicadeza - longe de romantizar e sim, mostrando um zelo ao tratar do tema.

    Nos últimos anos, a popular série da Netflix '13 Reasons Why' foi severamente criticada por mostrar uma adolescente se suicidando. Por mais que tenham alertas disso, é uma cena chocante - em um programa voltado para adolescentes. Sabemos que a ideia é conscientização, mas existem outras formas de se fazer isso.

    A diretora Cibele Amaral, cursou psicologia, e com esse conhecimento conseguiu trazer à tela uma abordagem de saúde mental que diverge de outros longas.

    "Minha família tem uma história complicada de saúde mental e eu comecei a fazer terapia muito cedo e nunca parei. Na faculdade, eu finalmente encontrei muitas respostas e a vontade de dividir tudo isso foi crescendo. Por ser uma cineasta, o meu olhar era sempre atraído para muitas histórias que vivia ali na faculdade e nos estágios. Atendi mulheres com ideação suicida no Instituto de Saúde Mental de Brasília e isso me tocou muito", contou ela ao Filmelier.

    "Minha família tem
    uma história complicada
    de saúde mental"

    Com um ótimo elenco, ela disse que ficou muito feliz de trabalhar com Bárbara Paz, que já conhecia, e que Carolina Monte Rosa estava no projeto desde o começo. "Tive também a honra de ter Elisa Lucinda, Cristiana Oliveira, Maria Paula e Priscila Camargo. São mulheres fortes, brilhantes. Trouxeram uma densidade para o trabalho que fez toda a diferença", completou.

    Em meio a pandemia de coronavírus, um dos grandes problemas - além da própria covid-19 - é como as pessoas estão lidando com isso, psicologicamente falando. Então, 'Por Que Você Não Chora?' consegue traçar um paralelo acerca da dificuldade que estamos vivendo e de alerta, para evitarmos empurrar nossas preocupações para baixo do tapete.

    Com o foco em uma das personagens de que tem Transtorno de Personalidade Borderline, a diretora tenta desmistificar os estereótipos que esses tipos de condições costumam ter.

    Carolina Monte Rosa e Bárbara Paz (Crédito: Divulgação/O2)
    Carolina Monte Rosa e Bárbara Paz (Crédito: Divulgação/O2)

    "Existe muita desinformação sobre esse transtorno. Uma vez li num livro, de uma famosa psiquiatra, algo que me chocou: ela dizia que sair com uma pessoa Border, se divertir, ok, mas ser amigo, ter um relacionamento, não era aconselhável. Imagina uma pessoa que sofre com esse transtorno, procurando um livro sobre o assunto e lendo isso? Além dessa experiência, também fiquei desapontada com o que encontrei no audiovisual. Alguns filmes que não davam nenhuma esperança. Mostravam as pessoas em seus piores momentos, mas nunca mostravam as pessoas se tratando e melhorando", disse Cibele.

    "Minha família tem traços Border. Eu, inclusive. Queria mostrar para outras pessoas que é possível melhorar, e muito. Perdi um irmão em 2020, não teve esse diagnóstico fechado, mas ele tinha muitos traços. A Bárbara, personagem vivida pela Bárbara Paz, é alguém que busca um jeito melhor de funcionar. Busca tratamento, ajuda. Ela quer cuidar do filho dela, quer trabalhar e ter uma casa. E nada disso é fácil para ela, mas é possível", completou.

    Ao ver o filme, é notável que Cibele Amaral foi até didática com o conteúdo, o que é ótimo para conscientizar quem está assistindo. Afinal, sabemos que a sociedade e a mídia acaba enviesada de preconceitos e clichês ao tratar de diversos temas e com saúde mental não é diferente.

    "Pensei em fazer um filme sobre o transtorno Borderline e acabei fazendo um filme que fala muito mais sobre a vontade de viver e de morrer também. É um trabalho que me gratifica. Poder falar abertamente sobre o sofrimento que tira a vontade de viver das pessoas. Ninguém quer morrer, quer parar de sofrer, essa é a verdade. Uma parte da pessoa precisa morrer para que outra viva plenamente. Acho que a pessoa que apresenta ideação suicida precisa muito ser ouvida", contou Cibele Amaral.

    "A pessoa que apresenta
    ideação suicida precisa
    muito ser ouvida"

    Em 'Por Que Você Não Chora?' é um pouco confuso entender o que de fato a protagonista está passando - em certos momentos compreende-se que ela sofreu alienação parental, mas nada é muito claro. A diretora explicou um pouco o motivo disso ao contar que escolheu a abordagem "humanista" na hora de escrever o filme.

    "Tratar com respeito a saúde mental, colocá-la em destaque, protagonizar esse aspecto da vida tão negligenciado na atualidade. Tratar com respeito a pessoa que tem ideação suicida, tratar com respeito às pessoas que são diferentes da norma. E também busquei trazer imagens simbólicas, que dialogassem com o inconsciente das pessoas. Eu quis fazer um filme de 'inconsciente para inconsciente', quase uma terapia. Tem uma mancha na parede da protagonista que vai mudando de forma", explicou.

    "É uma tela projetiva, as pessoas vão ver ali o que está no inconsciente delas. Tem muitos momentos assim no filme, esse é só um exemplo. A trilha traz isso também. É uma trilha belíssima do Patrick de Jongh, ele trouxe elementos muito subjetivos, como órgão, metrônomo, relógio, respiração, água, tem muita coisa nessa trilha pra dialogar também com o inconsciente das pessoas".

    Inclusive, uma das partes mais abstratas é o final, extremamente poético e uma das melhores cenas do filme, ela fez uso da tela projetiva, citada acima. "Há uma subjetividade proposital mesmo. Não com a intenção de glamourizar nada, porque é um final seco, mas com a intenção de não deixar nada explícito, até por recomendação da OMS. Eu mudei o final do filme depois de participar de palestras com grandes especialistas no assunto da prevenção ao suicídio - e fiquei muito feliz com a mudança."

    Não só com o desfecho, o cuidado de Cibele Amaral com todas a produção é um dos pontos fortes de 'Por Que Você Não Chora?'. Já que estamos falando de um assunto tão relevante e sensível, a diretora deixa uma mensagem sobre saúde mental.

    "É fundamental
    que as pessoas
    busquem ajuda"

    "É fundamental que as pessoas busquem ajuda. Hoje em dia, felizmente, temos um acesso mais democrático a tratamentos para a saúde mental. O CVV no número 188 é uma grande ajuda, institutos de psicologia em todo país oferecem valores populares e muitas clínicas dentro das Universidades de psicologia oferecem atendimento gratuito ou com preços mais acessíveis."

    'Por Que Você Não Chora?' chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 9. Para saber mais informações do filme ou onde assistir online, é só clicar aqui.

    Abaixo, veja o trailer:

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    Raíssa BasílioRaíssa Basílio

    Jornalista de cultura e entretenimento. Já passou pelo Papelpop e UOL, escrevendo sobre cinema, música e TV, e também trabalhou com produção na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Foi redatora do Filmelier.

    Raíssa Basílio
    Raíssa Basílio

    Jornalista de cultura e entretenimento. Já passou pelo Papelpop e UOL, escrevendo sobre cinema, música e TV, e também trabalhou com produção na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Foi redatora do Filmelier.

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