Entenda como funciona o Globo de Ouro, prêmio mais polêmico de Hollywood Entenda como funciona o Globo de Ouro, prêmio mais polêmico de Hollywood

Entenda como funciona o Globo de Ouro, prêmio mais polêmico de Hollywood

Cerca de conflitos éticos e falta de transparência, premiação do Globo de Ouro tem sistema de votação mais simples do que o Oscar

Matheus Mans   |  
24 de fevereiro de 2021 10:45
- Atualizado em 9 de maio de 2021 19:51

Para muitos, o “termômetro do Oscar”. Para outros, apenas uma premiação sem qualquer tipo de ética ou transparência. Mas, independente das opiniões, uma coisa é certa: o Globo de Ouro é, foi e continuará sendo por algum tempo um dos momentos mais aguardados pelo público na temporada de premiações do cinema e da TV. É o pontapé inicial das entregas de estatuetas.

Mas, afinal, o que faz com que o Globo de Ouro seja colocado em dúvida de maneira tão frequente e contundente? Bem, a resposta está justamente na forma como a premiação funciona. Enquanto o Oscar tem toda uma complexidade na escolha dos indicados e dos vencedores, como já falamos aqui no Filmelier, o Globo de Ouro peca por sua extrema simplificação.

Estatueta do Globo de Ouro.
Apesar de cobiçado por estúdios, prêmio do Globo de Ouro é selecionado de maneira simples (Foto: Divulgação / HFPA)

Organizado pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA, na sigla em inglês), os indicados e os vencedores do Globo de Ouro são escolhidos por 87 jornalistas estrangeiros e que residem em Hollywood. Isso mesmo: enquanto milhares votam no Oscar, menos de uma centena escolhem os agraciados com a estatueta no Globo de Ouro.

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Assim, é muito simples. Esses 87 membros do Globo de Ouro votam nos indicados. Os cinco mais votados de cada categoria são selecionados e, depois, passam por mais uma votação. E ao contrário do Critic’s Choice Awards, por exemplo, não há muito cuidado nas escolhas desses membros. Muitos deles possuem currículos estranhos e atuação fraca na mídia.

Para piorar, é extremamente difícil que a HFPA aceite novos membros, ainda que utilize critérios obscuros na admissão. Entre as exigências, eles aceitam no máximo apenas cinco novos jornalistas por ano, é necessário ser residente do Sul da Califórnia e estar na lista de profissionais da Motion Picture Association of America (MPAA).

Além disso, as novas aplicações precisam ser aprovadas pela associação – e, nesse sentido, há muito lobby de membros contra desafetos ou para não dividir o status que possuem em seu país de origem.

Por isso, em 2020, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood admitiu apenas três novos membros. No mesmo ano, outros dois morreram.

Entre os quase 90 jornalistas, nenhum é negro, informa o Los Angeles Times.

Troca de favores

Com isso, o grande problema é que fica muito mais fácil corromper (e ser corrompido) na corrida pelo Globo de Ouro. Afinal, quando uma premiação conta com 5 mil membros, fica mais difícil de estúdios e produtoras realizarem lobby. Ele existe, claro, mas é menos intenso, mais discreto e sem muito impacto no resultado final, ainda que gastem milhões com isso.

Agora, é muito mais simples “ganhar” esses 87 jornalistas. Vira e mexe, surgem acusações de estúdios e produtoras que pagaram viagens para o exterior para esses votantes, com tudo pago e cheio de mordomias. O caso mais recente foi revelado pelo mesmo LA Times, que publicou que a série ‘Emily in Paris’ foi considerada no prêmio após uma viagem de 30 membros da HFPA para uma visita ao set da série na França.

Normalmente, tais visitas são comuns entre jornalistas de veículos relevantes – no entanto, essa viagem da série da Netflix teria contato com estadia em quartos de hotel com um custo de US$ 1.400 a diária, entre outras regalias.

Animais Noturnos entrou em polêmicas no Globo de Ouro.
‘Animais Noturnos’ entrou em polêmica no Globo de Ouro por conta de lobby do diretor Tom Ford (Foto: Divulgação / Universal Pictures)

Tom Ford, por seu ‘Animais Noturnos’, também fez barulho ao ser indicado ao Globo de Ouro. O motivo? Distribuiu duas garrafas de um perfume de sua marca para todos os membros da HFPA na época. Virou um escândalo na mídia local. E o que fizeram? Devolveram uma das garrafas, ficaram com outra e indicaram Ford. Leia o artigo de Pablo Villaça para ver mais histórias.

Isso sem falar das mordomias que os estúdios promovem ao longo de todo o ano para esses 87 integrantes. Jantares com grandes nomes da indústria, viagens privadas com atores e atrizes famosos e entrevistas com mordomias. Uma matéria do Judão, de 2015, mostrou bem como funcionava o “cuidado” acentuado de empresas com membros da HFPA.

“Temos mais tempo com as estrelas. Todas entrevistas duram pelo menos 45 minutos. E os estúdios não precisam mais me indicar, o que significa que toda entrevista é garantida”, disse Kristien Morato na época da entrevista. Isso pode parecer algo banal, mas imagine que você é jornalista de um grande jornal e tem um quinto do tempo que os membros da Associação do prêmio.

Outro filme que fez barulho com polêmicas foi ‘Perdido em Marte’ (Foto: Divulgação / 20th Century Studios)

Ou seja: nos bastidores do Globo de Ouro, há menos discussões sobre a qualidade dos filmes e mais sobre o que pode ser ganho com determinada indicação — ou até mesmo formas de tornar a cerimônia mais atrativa. Há quem acuse, por exemplo, que ‘Perdido em Marte’ ganhou uma vaga em melhor filme de comédia justamente para garantir a presença de Matt Damon no prêmio.

E qual o futuro do Globo de Ouro?

Vira e mexe, surgem matérias mostrando absurdos da premiação. A já citada reportagem do LA Times sobre o lobby dos bastidores é uma das mais fortes dos últimos tempos. No entanto, a sensação é de que as revelações ainda são mínimas para minar a confiança do Globo de Ouro. Ao redor da premiação, foi criada uma estrutura financeira imbatível.

Veja só: os membros se alimentam dos ganhos financeiros da premiação criando comitês internos para gerir o Globo de Ouro e a HFPA. Ainda que existam jornalistas sérios dentro da organização, como a brasileira Ana Maria Bahiana, a grande maioria parece não estar interessada em mudar os ganhos financeiros que surgem a partir de seus votos no Golden Globes.

Além disso, é preciso pensar além e entender a indústria ao redor do prêmio. O texto do LA Times cita que consultores cobram US$ 45 mil para trabalhar em cima do lobby de um filme com esses 87 membros votantes. Eles ainda receberiam um bônus de US$ 20 mil se o filme recebesse uma indicação de melhor filme e US$ 30 mil se ganhasse.

Gary Oldman já reclamou do Globo de Ouro, mas aceitou o prêmio por ‘O Destino de Uma Nação’ (Foto: Divulgação / Universal Pictures)

E a indústria do cinema? Oras, obviamente todos sabem disso. Mas o marketing de ganhar um Globo de Ouro é muito mais interessante do que lutar contra a premiação ou trabalhar em cima de outro prêmio. Gary Oldman já falou mal da HFPA publicamente. Mas, na época de ‘O Destino de Uma Nação’, baixou a cabeça e fez campanha entre esses quase 90 membros.

Ao Los Angeles Times, um membro reformista afirmou que é preciso mudar. Pra ontem. “Eu diria que um pequeno grupo de nós percebe que precisamos mudar para sobreviver”, disse um dos votantes do Globo de Ouro, sem revelar sua identidade ao jornal americano. “É sobre nos levarmos a sério, para que possamos ser levados a sério em Hollywood”.

Um exemplo recente é o da campanha #OscarsSoWhite, que começou entre o público e fez com que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas passasse a se preocupar com a diversidade de seus novos membros, que votam no Oscar.

Mas, enfim, pode ser que a saída seja apenas abraçar a piada. Ser a “festa da firma”. Ricky Gervais, na apresentação do prêmio da HFPA, comparou o Oscar com o Globo de Ouro como “o que Kim Kardashian é para Kate Middleton”. E mais: disse que o prêmio é “um pouco de metal que alguns jornalistas confusos e simpáticos queriam dar a você pessoalmente para que pudessem conhecê-los e tirar uma selfie”. Não mentiu. 

A edição 2021 do Globo de Ouro acontece no próximo domingo, 28.

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