‘A 200 Metros’ traz o olhar humano para o muro que separa famílias na Palestina ‘A 200 Metros’ traz o olhar humano para o muro que separa famílias na Palestina

‘A 200 Metros’ traz o olhar humano para o muro que separa famílias na Palestina

Em entrevista exclusiva, o diretor Ameen Nayfeh conta como usa o cinema para mostrar uma situação que acontece todos os dias na Cisjordânia – e em outros lugares do mundo onde há muros em vez de pontes

21 de setembro de 2021 12:53
- Atualizado em 22 de setembro de 2021 12:11

A situação de Israel e Palestina não é novidade para ninguém. Porém, quando deixamos o conflito territorial de lado e focamos no lado humano, este cenário ganha uma profundida ainda maior. Trata-se de assunto complexo e muitas vezes confuso, mas, de certa forma, o cinema é uma boa forma para conhecer o que foge da nossa realidade.

O drama ‘A 200 Metros’ – que acaba de chegar ao streaming brasileiro, nas plataforma de aluguel e compra – é um ótimo exemplo de como é possível se aproximar de causas que fogem da nossa vivência. O filme foi a escolha da Jordânia para representar o país no Oscar 2021 e mesmo que tenha ficado de fora da lista final de indicados, não perde sua grandeza e foi premiado em diversos festivais pelo mundo.

A história nos apresenta Mustafa (Ali Suliman), um pai que está afastado da família (ainda que sejam apenas 200 metros de distância) devido ao Muro da Cisjordânia, que separa Israel de regiões da Palestina. Quando seu filho sofre um acidente, Mustafa parte de uma jornada para entrar ilegalmente no território israelense e poder encontrar seus entes queridos o quanto antes.

A 200 Metros rodou diversos festivais pelo mundo (Crédito: Divulgação/Synapse Distribution)
‘A 200 Metros’ rodou diversos festivais pelo mundo (Crédito: Divulgação/Synapse Distribution)

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A trama é inspirada na experiência de vida do diretor Ameen Nayfeh, que conversou com o Filmelier sobre seu longa-metragem de estreia. Esse cenário pode parecer bastante absurdo, mas, infelizmente, acontece com muitas pessoas nesta parte do Oriente Médio. (e em outras regiões do mundo, diga-se).

“É minha história, não sou o pai, não estou longe da minha esposa, ou algo assim. Mas o resto da minha família está do outro lado do muro, meus avós, tios, primos. E eu não posso encontrá-los, quando eu era mais novo eu costumava visitá-los, não tinha nenhuma guerra. Quando eu tinha uns 14 anos, começou a guerra e eu não podia ir mais lá, era uma viagem de dez minutos de táxi. De uma hora para outra, eu simplesmente não podia mais encontrá-los. Isso é extremamente doloroso e é a história de milhares de famílias, não só a minha”, contou Nayfen.

A conexão de ‘A 200 Metros’ com a realidade

‘A 200 Metros’ pode causar uma sensação de estranhamento para quem não está habituando com a crise enfrentada na Palestina. O território foi dividido com a criação do Estado de Israel em 1948, com a maior parte passando a ser controlada pela maioria de origem judaica e três porções ficando para os palestinos: Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Chega a ser surreal imaginar uma família que está separada por uma barreira física – e se na ficção é difícil, na realidade fica ainda pior.

“Eu comecei a trabalhar nesta história há oito anos, me senti responsável em contá-la pois é pessoal. Agora que eu já pude compartilhar, eu me sinto livre, dá um alívio”, disse o diretor, que encara em seu primeiro longa-metragem uma narrativa tão importante. “Isso é vida real e era isso que eu queria mostrar para o público ao redor do mundo. Eu só queria que eles refletissem.”

O filme não peca em exageros ou no sentimentalismo. Ameen Nayfeh trouxe um trabalho que consegue ser delicado e focar nas pessoas, não nos conflitos políticos e religiosos. Um dos questionamentos de ‘A 200 Metros’ é mostrar que grande parte dos problemas enfrentados no Oriente Médio são perpetuados pelo preconceito das pessoas, que muitas vezes sequer entendem as motivações que seguem gerando crises geoeconômicas.

Ali Suliman e Lana Zreik em A 200 Metros (Crédito: Divulgação/Synapse Distribution)
Ali Suliman e Lana Zreik em ‘A 200 Metros’ (Crédito: Divulgação/Synapse Distribution)

“Quando eu comecei a pensar no filme, o título era ‘A 200 metros’ e nunca mudei. Eu já sabia que a história seria sobre um pai indo atrás do filho, mas não sabia como mostrar isso, como tornar em um road movie [filme de estrada]. Quando eu comecei a escrever, eu estava estudando cinema e meu professor constantemente falava ‘se você quer que o público veja seu filme precisa pensar no entretenimento’. Então eu me perguntava em como contar essa história e envolver os espectadores, partindo disso pensei na ideia de filme de estrada.”

O cineasta continua: “Com isso em mente, os primeiros roteiros são bem técnicos, sobre o desenvolvimento do pai com a família e eu demorei um tempo para conseguir entender do que de fato a história se tratava. É sobre a jornada? Sobre a família?”, explica Nayfeh que conseguiu mesclar ação e drama usando o Muro da Cisjordânia como pano de fundo.

Cinema como libertação

Ameen Nayfeh começou a estudar cinema com o propósito de mostrar ao mundo a realidade da sua região, que é a Cisjordânia. Seu interesse pelo tema surgiu de uma forma bem improvável: o diretor era criança quando estourou uma revolta civil dos palestinos contra a política, abusos e a ocupação israelense na região da Palestina.  

“Você já ouviu falar da Segunda Intifada? Essa foi a minha infância. A Segunda Intifada começou nos anos 2000 e durou uns cinco, seis anos. A gente não ia para escola e era muito perigoso nos arredores, por conta dos bombardeios, coisas assim. E eu era uma criança e ficava pensando ‘por que isso está acontecendo com a gente? por que ninguém é como eu?’. Ninguém queria nos ajudar, sabe? Quando eu era mais novo, tínhamos tantos toques de recolher que ficávamos semanas em casa e eu ficava assistindo a filmes com meu irmão. Ele começou a baixar os 100 melhores filmes da história do cinema e começamos a ver produções diferentes de Hollywood, então eu descobri que queria fazer isso. Eu queria contar histórias”, compartilhou o realizador.

A 200 Metros está disponível nas plataformas de streaming brasileiras (Crédito: Divulgação/Synapse)
‘A 200 Metros’ está disponível nas plataformas de streaming brasileiras (Crédito: Divulgação/Synapse Distribution)

Um momento importantíssimo para a vida de Ameen Nayfeh foi quando Hollywood descobriu o cinema do Oriente Médio e a projeção cinematográfica da região ganhou o mundo. O cineasta tem como referências os diretores Hany Abu-Assad (‘Paradise Now’), Asghar Farhadi (‘A Separação‘) e Irmãos Dardenne (‘Dois Dias, Uma Noite’).

“O primeiro filme palestino que eu vi chama ‘Paradise Now’, foi indicado ao Oscar em 2005. Foi uma grande transformação na minha vida, primeiro filme palestino no Oscar. E o protagonista do meu filme, Ali Suliman, está em ‘Paradise Now’. Desde então, eu quero trabalhar com ele, é um ótimo”, contou ele.

Eis que 15 anos depois de assistir à produção de Haby Abu-Assad, Ameen Nayfeh não só trabalha com Suliman como também foi a escolha do seu país para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Nayfeh contou que sua produtora conhecia Ali Suliman e fez a conexão. O ator gostou do história e o resultado podemos ver em ‘A 200 metros’.

“Quando contei que escrevi o roteiro para ele, Ali ficou claramente muito feliz, lisonjeado. Sobre trabalhar com ele, pra ser sincero, eu estava com medo, não tenho metade das experiências dele. Ali já trabalhou em Hollywood e em projetos grandes. Ele foi como um irmão mais velho para mim, me apoio muito”, disse o diretor.

Com o cinema, Ameen Nayfeh encontrou uma forma de mostrar a realidade de seu país e ‘A 200 Metros’ é o só começo desta jornada. O realizador contou ao Filmelier que seu próximo trabalho também será ambientado na região da Palestina e o foco será futebol, que é também uma paixão nacional por lá.

‘A 200 Metros’ está disponível nas principais plataformas de streaming para aluguel e compra. Saiba mais sobre o longa, incluindo onde assistir, clicando aqui.

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