“É uma reelaboração”, conta Thais Fujinaga sobre ‘A Felicidade das Coisas’ “É uma reelaboração”, conta Thais Fujinaga sobre ‘A Felicidade das Coisas’

“É uma reelaboração”, conta Thais Fujinaga sobre ‘A Felicidade das Coisas’

Cineasta faz sua estreia na direção de longas em uma ficção que traz as memórias de sua infância em Caraguatatuba

Matheus Mans   |  
18 de maio de 2022 15:38
- Atualizado em 19 de maio de 2022 13:02

Paula, uma mulher na casa dos 40 anos, tem um sonho: construir uma piscina para os filhos na sua modesta casa de praia. A cidade de Caraguatatuba é o cenário, enquanto os sonhos da família e dessa personagem vivida por Patrícia Saravy são o motor de ‘A Felicidade das Coisas’, filme brasileiro que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 19. 

O filme é dirigido e roteirizado por Thais Fujinaga, que estreia na direção de longas, mas conta com uma carreira consolidada assinando roteiros – é ela uma das responsáveis pelo texto do marcante ‘A Cidade Onde Envelheço’. Aqui, porém, ela se entrega de corpo e alma ao contar uma história que não é sobre sua família, mas que possui fortes inspirações.

Relação da protagonista com os filhos é um dos pontos centrais do filme (Crédito: Divulgação/Embaúba Filmes)

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Na história, acompanhamos Paula, essa mulher que acaba de comprar uma casa de praia para sua família. Mãe de dois e grávida de mais um, ela se decepciona quando não atinge a felicidade pretendida. O processo de separação do marido está se arrastando e sendo doloroso, enquanto o crescimento dos filhos trazem dores inesperadas. É um mix de emoções.

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Para Thais, ‘A Felicidade das Coisas’ é um mosaico. “É uma reelaboração”, conta a cineasta em entrevista ao Filmelier. “É um processo que traz imaginação, memórias e algumas vivências”. Logo abaixo, confira a conversa completa com a diretora, que fala sobre sua experiência na direção de ‘A Felicidade das Coisas’, as maravilhas de Caraguatatuba e o processo de criação do filme.

Filmelier: Primeiro aquela pergunta: de onde veio a ideia de ‘A Felicidade das Coisas’?

Thais Fujinaga: ‘A Felicidade das Coisas’ começou com uma vontade de falar desse lugar, que para mim é muito formador: o bairro Morro do Algodão, em Caraguatatuba. Lá existe essa configuração espacial muito peculiar. É uma periferia da cidade, longe do mar, mas tem um clube de veraneio no centro do bairro que fica dentro de uma pequena ilha fluvial. Quando eu era jovem e frequentava Caraguatatuba, esse clube era de uma classe média que podia pagar a anuidade. Depois, já adulta, quando comecei a pensar em filmes, eu queria voltar para esse lugar para falar da relação dentro e fora do clube, de quem mora ali ou não mora, quem conseguiu construir uma casa de veraneio ali naquele bairro, mas não tem acesso ao clube. Isso é a primeira coisa. 

Mas o filme não se faz de uma ideia só. Comecei a pensar em camadas, quem seriam as personagens e quais seriam os conflitos de cada personagem. Também a relação não só com o espaço, mas com o seu próprio lugar no mundo em relação à protagonista Paula, com dois filhos e grávida de uma terceira criança, vivendo uma crise existencial. Isso acabou sendo o coração do filme, junto com o desejo da personagem em construir a própria piscina e as frustrações e conflitos adensados por esse tal clube.

Filmelier: Achei muito interessante a história se passar em Caraguatatuba, uma região bonita do litoral de São Paulo, mas que atrai pouca atenção. O que a motivou a filmar em Caraguatatuba?

Thais: Caraguá fica no litoral norte de São Paulo, que é muito exuberante. Mas Caraguatatuba não é a menina dos olhos, mas sim o patinho feio. Ubatuba tem praias mais lindas, um litoral mais recortado. Caraguá é uma grande orla. Basicamente, é uma grande extensão de areia com mar e que cria essa impressão de uma orla sem fim. Mas aconteceu da minha família ter construído uma casinha nesse bairro de Caraguatatuba, principalmente por conta desse clube que a gente frequentava. Era a praia que a gente tinha acesso. Como passava muito tempo lá durante as minhas férias, eu sinto que muito da minha formação vem de lá. A vontade de voltar pra lá tem a ver com a memória afetiva, a vontade de reencontrar espaços e pessoas. Além disso, tem esse dado de que Caraguá poderia entrar no mapa do cinema nacional. Tem praias bonitas, mais selvagens e escondidas, e um quê de cidade interiorana com comércios bem específicos, com lugares que merecem ser descobertos. É um resgate.

Filmelier: As personagens femininas do longa são fortíssimas, são a força-motriz por trás da história. Paula é um acontecimento. Como foi para desenvolver essas personagens?

Thais: Isso foi aos poucos. O mote do filme é uma mulher, uma mãe que vai passar férias no litoral pela primeira vez, logo após comprar a casa. Mas isso não é suficiente para encontrar essa felicidade nas coisas, que ela acredita que vai ser plena. Isso tudo surgiu logo no início, pensando também em trazer à tona questões sobre a intimidade e dinâmica dela com a família, seja como mãe, como esposa ou até mesmo como filha.

Depois disso, fui pensando junto história e personagem. Como uma coisa revela a outra? A Paula, então, foi pensada como essa personagem que carrega muita coisa. Ela está grávida e de férias, mas está sempre fazendo coisas. É como eu vejo a maioria das mães e donas de casa. Em Caraguatatuba mesmo, passava boa parte das férias com as minhas tias. Eram umas cinco tias e era uma loucura: todo mundo cozinhando o tempo todo para um monte de gente, limpando a casa… Isso ficou na minha cabeça: como é para essa pessoa, que faz isso tão naturalmente por conta da sociedade que naturaliza isso, chegar em um momento que chega? Que não quer mais? A partir disso que se deu a construção da Paula.

Filmelier: Então tem algo de você em ‘A Felicidade das Coisas’, né? É um processo difícil esse? Se colocar em um filme dessa maneira?

Thais: É uma reelaboração. Todo o núcleo ao redor do Gustavo e dos meninos que ele conhece é baseado em coisas que vivi e ouvi dizer que eram feitas. A minha família era sócia do clube, mas meu pai quis construir uma casa lá para não pagar hospedagem do clube. Por conta disso, por estar dentro e fora do clube, eu e meus irmãos ficamos amigos das pessoas que moravam lá, dos garotos e garotas locais. Era com eles que a gente empreendia pequenas aventuras. Eles levavam a gente pra conhecer essa Caraguá que, como turista, não conheceríamos. Essa coisa de entrar pelo fundo do clube, por exemplo, eu fazia mesmo sendo sócia de lá pelo risco. Era uma coisa de juventude, de adolescência. A coisa de ir pra praia à noite pra “caçar lagarto”, que era o jeito pra procurar gente pelada transando, eu nunca fiz, já que só os meninos faziam. Mas isso ficou no meu imaginário. E isso está no filme: a filha menina era sempre barrada pelo filho homem. Eu sempre imaginei como seria ir pra praia à noite. Como seria isso? Eu até pensava que era “baleia branca”, pela relação com uma bunda branca. Foi só depois que soube que era “lagarto branco”. Mas quis deixar “baleia” no filme: a bunda é como uma baleia que aparece e, logo depois, submerge.

Ou seja: tem a ver comigo mais essas questões com os jovens. Já a parte dos adultos não é nada que aconteceu na minha vida, mas brota de uma vivência e percepção do mundo das relações familiares, de mãe e filhos. A avó Antônia, no filme, tem muito a ver com a minha mãe. Temos até histórias de família, como o tio que quase foi jogado no lixo ou a minha irmã que acha que apanhava de vara, apesar da minha mãe negar. Isso tudo é inspirado em coisas, em dinâmicas que aconteciam na minha vida, mas é um processo que traz imaginação, memórias e algumas vivências.

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