‘Amor, Sublime Amor’: Uma história do West Side que se repete todos os dias, em todas as cidades ‘Amor, Sublime Amor’: Uma história do West Side que se repete todos os dias, em todas as cidades

‘Amor, Sublime Amor’: Uma história do West Side que se repete todos os dias, em todas as cidades

A nova versão musical, dirigida por Steven Spielberg, é uma grande homenagem à adaptação original ao mesmo tempo em que eleva a história a um outro patamar

9 de dezembro de 2021 17:39
- Atualizado em 10 de dezembro de 2021 20:15

Na história do cinema há um rol com musicais que ficaram eternizados no imaginário popular – como ‘Cantando na Chuva‘, ‘A Noviça Rebelde‘ e, claro, ‘Amor, Sublime Amor‘. Esse último, originalmente lançado em 1961 e baseado no musical ‘West Side Story’ dos anos 1950, consegue equilibrar romance, crítica social e muito drama. Com um final que embrulha o estômago, venceu nada menos que 11 Oscars, sendo dez competitivos e um honorário. Um feito para poucos na história de Hollywood.

Passados exatos 60 anos, é ninguém menos que o aclamado diretor Steven Spielberg que recebe uma missão que, para qualquer outro, seria um fardo: adaptar novamente a obra para os cinemas. O resultado desse desafio está em cartaz nos cinemas de todo o Brasil a partir de hoje, 9 de dezembro.

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Após assistir ao longa-metragem, fica a sensação de que o cineasta não só cumpriu bem a sua função e entregou uma grande produção, como conseguiu também um feito raro: um remake que funciona por si só, e que pode ter – no mínimo – a dimensão do filme original, só que para uma nova geração.

Os Jets e os Sharks voltam a se enfrentar no novo 'Amor, Sublime Amor' (crédito: divulgação / 20th Century Studios)
Os Jets e os Sharks voltam a se enfrentar no novo ‘Amor, Sublime Amor’ (crédito: divulgação / 20th Century Studios)

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De volta para o passado

Encenado pela primeira vez em 1957, ‘West Side Story’ foi criado por Jerome Robbins, Leonard Bernstein, Stephen Sondheim e Arthur Laurents com forte inspiração na peça ‘Romeu e Julieta’, de William Shakespeare. Como poucos na história da humanidade, o dramaturgo britânico conseguiu resumir em suas obras os grandes dilemas da humanidade, fazendo de suas peças atemporais – e o clássico amor de Montéquio por uma Capuleto não é exceção.

O que os criadores do musical fizeram foi reimaginar aquela história dentro do espírito de sua época. E era um momento de grandes transformações para Manhattan, em Nova York: muitos dos descendentes dos imigrantes europeus do país haviam encontrado a prosperidade no pós-guerra, mas outros tantos ainda sofriam com a falta de oportunidade. Ao mesmo tempo, Porto Rico – região não incorporada dos EUA, com certa autonomia política – vivia tempos difíceis, com os seus habitantes (cidadão americanos, lembre-se) procurando o tal do sonho americano na cidade.

No contexto de efervescência social, a latina Maria e o “polaco” Tony se apaixonam, ficando em meio ao conflito das gangues Jets (dos descendentes de imigrantes europeus) e dos Sharks (dos porto-riquenhos). O conflito – e a cantoria – se desenham a partir daí. Sonhos, dramas, conflitos e amores são oferecidos ao público, nos apresentando hora de forma lúdica, hora com muita dor, a realidade das ruas de Upper West Side, um bairro de Manhattan, em meados dos anos 1950.

Tony (Richard Beymer) e Maria (Natalie Wood) na versão de 1961 de 'Amor Sublime Amor' (crédito: divulgação / UA/MGM)
Tony (Richard Beymer) e Maria (Natalie Wood) na versão de 1961 de ‘Amor Sublime Amor’ (crédito: divulgação / UA/MGM)

Assinada por Robert Wise (justamente de ‘A Noviça Rebelde’) e por Jerome Robbins, a adaptação cinematográfica de 1961 é extremamente clássica e correta em formato para o gênero, ao mesmo tempo que traz toda essa carga da obra original. Tem, claro, particularidades da época que, finalmente, estão ficando para trás, além de um ritmo completamente diferente do que estamos acostumados hoje. Porém, nada disso tira o brilho de um vencedor de 11 Oscars.

O ‘Amor, Sublime Amor’ de Spielberg

Dito isso, é realmente fácil imaginar que um dos grandes cineastas de nossa época se colocou em uma complicada situação ao querer dirigir uma nova versão de uma obra como essa.

Porém, uma das grandes vantagens de ser Steven Spielberg é, definitivamente, ser Steven Spielberg. O cineasta de ‘E.T.’ e ‘Indiana Jones’ absolutamente não precisa de nenhum de nós dizendo o que ele deve ou não fazer. Ele simplesmente sabe o que faz, ponto.

Por isso, é chover no molhada falar que ele acertou novamente em ‘Amor, Sublime Amor’. Toda a sua linguagem cinematográfica característica está lá, enriquecendo a obra em diversos momentos. Se o estilo de Wise se confunde com o que esperamos dos musicais da Era de Ouro de Hollywood – afinal, ele ajudou a criá-los -, o característico modo de Spielberg dá toda uma nova camada para a narrativa, além de destacar o desempenho de atores em cena.

Até porque, em grande parte, o cineasta é fiel ao material original, apenas melhorando-o para o formato. Nesse sentido, uma das boas novidades é que o diretor deixa de lado o excesso de fantasia dos conflitos da adaptação original – que, nesse quesito, é extremamente teatral. As brigas agora estão mais reais, mais verdadeiras.

Angel Elgort e Racher Zegler são os novos Tony e Maria da versão de Spielberg (crédito: divulgação / 20th Century Studios)
Angel Elgort e Racher Zegler são os novos Tony e Maria da versão de Spielberg (crédito: divulgação / 20th Century Studios)

Porém, o novo ‘Amor, Sublime Amor’ cresce e se expande justamente nas pontuais inovações do remake.

A gentrificação do Upper West Side

O “West Side” onde se passa essa história é o distrito de Upper West Side, parte do borough de Manhattan – um cinco dos que formam a cidade de Nova York.

Adjacente ao Central Park, o bairro ficou conhecido por, no começo do século XX, concentrar minorias importantes, como os afro-americanos, e também a classe trabalhadora de imigrantes (e seus descendentes) da Europa. Era uma região de enclaves étnicos, por assim dizer – e, por isso, acabou sendo escolhida como lar pelos imigrantes porto-riquenhos, que ganharam a cidadania americana a partir da década de 1910.

Porém, em meados do século, Manhattan começava a viver o seu boom de crescimento imobiliário. O metrô chegou à região, que, com a melhora do transporte público em toda a cidade, se tornou bem conectada e acessível. O mercado imobiliário viu ali a oportunidade perfeita: um bairro que poderia ser comprado de seus atuais donos por mixaria, ser “revitalizado” e valorizado com a especulação imobiliária. Um plano perfeito, que rende muito dinheiro e se repetiu em diversas cidades pelo mundo – inclusive aqui no Brasil. É a chamada gentrificação.

Quando o ‘Amor, Sublime Amor’ original foi filmado, na virada de 1960 para 1961, esse processo estava a todo vapor em Upper West Side: a demolição dos cortiços característicos do bairro, feita pelo mercado imobiliário, foi interrompida apenas para que Wise e Robbins pudessem rodar o longa-metragem – que, vamos lembrar, se passa alguns anos antes. Quando as câmeras pararam de rodar, tudo foi abaixo.

Spielberg traz a demolição do velho Upper West Side para a frente das câmeras (crédito: divulgação / 20th Century Studios)
Spielberg traz a demolição do velho Upper West Side para a frente das câmeras (crédito: divulgação / 20th Century Studios)

É aí que entra a genialidade de Spielberg e do novo roteirista, Tony Kushner (‘Lincoln’): ele coloca o processo de gentrificação em primeiro plano. O Upper West Side no novo filme está em processo de destruição, com as bolas de demolição, tijolos quebrados e pregos enferrujados tendo quase que o mesmo tempo de tela que Maria e Tony. O que foi escondido antes agora está bem claro.

Não que os problemas sociais não tivessem, por trás das cortinas, grande relevância na obra original, mas Spielberg os tira das sombras – inclusive em novos diálogos e situações, deixando claro que é a tal da economia e a política que querem ver aqueles jovens destruindo uns aos outros.

Nesse sentido, o personagem do tenente Schrank (agora vivido por Corey Stoll) antes claramente queria beneficiar os Jets por uma afinidade étnica, agora ele age mesmo como ferramenta do sistema.

Uma salva de palmas a Ariana DeBose e Rita Moreno

O elenco do novo ‘Amor, Sublime Amor’ foi escolhido à dedo – mérito da diretora de casting, Cindy Tolan (de ‘Se a Rua Beale Falasse’). É por meio dos atores e atrizes que a briga de gangues ganha vida.

A jovem Rachel Zegler, que despontou cantando no YouTube, é realmente uma grande descoberta, alternando força e leveza. Porém, quem rouba mesmo a cena é Ariana DeBose: a intérprete de Anita, cunhada de Maria, é uma verdadeira força da natureza em cena. Não por menos, David Alvarez, escalado no papel do marido dela – e líder dos Jets, Bernardo -, se dá bem com essa energia das duas, entregando uma ótima atuação.

Ressalta-se que a interprete da Anita de 1961, Rita Moreno, está de volta em uma bela homenagem, com a sua personagem encaixada na história como uma das maiores inovações do roteiro. A personagem dela, Valentina, agrega um olhar maternal para Tony, algo que não existia.

Para elevar ainda mais esse elenco, há muitos diálogos em espanhol – o que dá mais autenticidade e um certo sentimento de orgulho latino para a obra.

A Anita de Ariana DeBose é um dos grandes destaques da nova adaptação (crédito: divulgação / 20th Century Studios)
A Anita de Ariana DeBose é um dos grandes destaques da nova adaptação (crédito: divulgação / 20th Century Studios)

Porém, com as mulheres roubando a cena, Ansel Elgort (o protagonista Tony) e Mike Faist (líder dos Jets) ficam um pouco ofuscados, mas nada que tire o brilho geral da trama.

Vale ressaltar que, diferentemente da adaptação da Era de Ouro, o novo filme traz todos os atores cantando com as suas vozes – o que eleva a dificuldade do desafio. Musicas essas, aliás, que estão extremamente fiéis à obra da Broadway.

Se é para apontar um probleminha nesse quesito, é na localização em português: as legendas do filme trazem a versão adaptada das músicas para o teatro, respeitando a métrica da canção – mas acabam destoando muitas vezes do que é dito ou visto na tela.

Todos os dias, em todas as cidades

Por tudo isso, ‘Amor, Sublime Amor’ constrói uma história poderosa e envolvente – que, em um momento, canta “o mais belo som que já ouvi: Maria”, e em outro diz “livre-se do seu sotaque”, “fecham as portas na nossa cara” e “quando nos veem cobram o dobro”.

Afinal, essa é a nossa vida. Todos os dias nos apaixonamos, vivemos, morremos. Somos engrenagens de poderes muito maiores, que muitas vezes nos manipulam em prol de interesses que desconhecemos. Somos ferramentas, armas, marionetes.

Neste exato momento, há perto de você uma Maria se apaixonando por um Tony. Também há dois jovens que, se qualquer motivo, tem o ódio alimentado um pelo outro – e que vão acabar um tirando a vida do outro.

É uma história de West Side, mas pode chamar de uma história de qualquer grande cidade do mundo.

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