‘Argentina, 1985’: o cinema que evoca a memória histórica ‘Argentina, 1985’: o cinema que evoca a memória histórica

‘Argentina, 1985’: o cinema que evoca a memória histórica

Estrelado por Ricardo Darín e Peter Lanzani, ‘Argentina, 1985’ é uma crônica do julgamento civil da ditadura militar

Lalo Ortega   |  
21 de outubro de 2022 10:25
- Atualizado em 24 de outubro de 2022 09:53

Qual é o charme dos filmes “baseados em fatos reais”? Há definitivamente uma certa morbidade quando se trata de temas com consequências dolorosas. Mas também é verdade que há uma busca de inspiração nos atos de luta, superação ou mesmo heroísmo representados na tela. ‘Argentina, 1985‘, filme que estreia hoje (21) no Prime Video, de certa forma tem um pouco dos dois.

Mas o filme dirigido por Santiago Mitre não se baseia em nenhum acontecimento real, mas no que talvez seja um dos acontecimentos-chave para a existência da democracia na nação sul-americana. Trata-se do julgamento civil das Juntas Militares, órgão supremo da ditadura militar, acusada de brutal repressão ilegal entre 1973 e 1983.

Argentina, 1985: A equipe jurídica enfrentando a ditadura (Crédito: divulgação / Tulip Pictures / Prime Video)
A equipe jurídica enfrentando a ditadura (Crédito: divulgação / Tulip Pictures / Prime Video)

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O caso foi tratado pelo veterano promotor Julio Strassera (interpretado aqui pelo impecável Ricardo Darín) e seu jovem vice, Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani). Contra o relógio, sob constantes ameaças e com a ajuda somente de uma equipe de jovens juristas, eles devem colher testemunhos e evidências de que a repressão era o modus operandi do regime e, assim, processar os chefes militares da ditadura.

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Essa sinopse é suficiente para colocarmos ‘Argentina, 1985’ firmemente no campo do drama de tribunal (com elementos também de um thriller), em seu sentido mais convencionalmente hollywoodiano. Os protagonistas se deparam com um desafio quase impossível de superar; No tribunal, testemunhamos os testemunhos dolorosos das vítimas; Os interesses políticos se movem, a sombra da violência paira sobre Strassera e Ocampo; Os heróis duvidam, sempre questionam.

Os elementos citados acima fazem desta uma narrativa previsível, cujo desfecho – mesmo para quem não conhece a história ou a Wikipedia – pode ser visto praticamente desde o início do filme, com uma sequência que nos apresenta montagens de jovens otimistas coletando provas por toda a Argentina, em contraponto aos vilões que são apenas maus, sem um pingo de complexidade que, pelo menos, os torne distinguíveis uns dos outros (embora não seja que mereçam uma representação mais rica, muito menos justificativa para os seus atos).

Argentina, 1985 recria o depoimento de Adriana Calvo de Laborde, um dos mais brutais do julgamento (Crédito: divulgação / Tulip Pictures / Prime Video)
O filme recria o depoimento de Adriana Calvo de Laborde, um dos mais brutais do julgamento (Crédito: divulgação / Tulip Pictures / Prime Video)

‘Argentina, 1985’ é, portanto, o tipo de filme feito para mexer com as emoções: close-ups expressivos são corretamente intercalados com planos panorâmicos de rostos consternados no tribunal, combinados com música dramática no momento certo. É quase manipulador, mas ao encontrar uma causa na memória histórica, torna-se também didático.

‘Argentina, 1985’ e a problemática sobre a existência de herois

Um dos elementos mais interessantes do roteiro, escrito por Mitre e Mariano Llinás, é que não nos apresenta um protagonista movido por um idealismo implacável, tampouco por um cinismo descarado ou uma fome de redenção.

É escrito (e brilhantemente interpretado por Darín) como um homem entorpecido por essa apatia alimentada pelo medo. Um homem de família que, temendo pelos filhos e pela esposa, permaneceu à margem durante a ditadura. “A história não foi feita por caras como eu”, diz ele quase apavorado quando é confirmado que ele terá que liderar o processo mais importante da história da Argentina.

O personagem de Darín é o do cidadão comum e falível que é chamado a enfrentar uma situação extraordinária, apesar de seus medos e erros do passado. Até certo ponto, é como Moreno Ocampo/Lanzani, advogado de uma família militar rica de classe média, que o despreza por se envolver no caso. Sua própria mãe, ele teme, nunca se convencerá de que ele está fazendo a coisa certa.

Peter Lanzani interpreta Luis Moreno Ocampo (Crédito: divulgação / Tulip Pictures / Prime Video)
Peter Lanzani interpreta Luis Moreno Ocampo (Crédito: divulgação / Tulip Pictures / Prime Video)

Não é que ‘Argentina, 1985’ tente convencer alguém, mas sua didática formal procura ser um lembrete: coisas terríveis aconteceram em um passado cada vez mais distante (que nunca deve ser esquecido) e que os mais jovens não vivenciaram em primeira mão; e que é possível fazer a coisa certa. Apesar do medo, ou impunidade.

Existem, para isso, várias licenças dramáticas. Como aponta Marianela Scocco para a Página 12, há elementos-chave para a ascensão da democracia e o prosseguimento da ditadura, como a mobilização social, que são omitidos do filme.

O objetivo, obviamente, é conseguir uma narrativa mais barata, e o próprio roteiro parece reconhecer isso. Na sequência em que Strassera trabalha em seu argumento final, seus amigos apontam que deveria ser menos técnico, mais emocional.

Para criar memória histórica entre o grande público, o cinema também deve ser menos técnico e mais emocional. Para este objetivo fundamentalmente político, ‘Argentina, 1985’ cumpre a tarefa essencial de lembrar o apelo com que o país se organizou em seu repúdio coletivo ao terrorismo de Estado: “Nunca mais”.

‘Argentina, 1985’ está disponível no Amazon Prime Video. Clique aqui para saber mais sobre o longa, encontrar o trailer e o link para assistir online.

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