Crítica: ‘As Marvels’ é bom filme, apesar de inconsistências Crítica: ‘As Marvels’ é bom filme, apesar de inconsistências

Crítica: ‘As Marvels’ é bom filme, apesar de inconsistências

Há bons elementos espalhados por ‘As Marvels’, que parecem estragados por tentativas de mudar o rumo da história e apagar o estilo da diretora

Matheus Mans   |  
9 de novembro de 2023 09:11

Nos últimos meses, o filme As Marvels, que estreia nesta quinta-feira, 9, passou por uma avalanche de comentários nas redes sociais acerca de sua qualidade e de seu possível fracasso nas bilheterias. A maioria desses comentários está cercada de ódio gratuito e machismo contra um produto dirigido e estrelado por mulheres — algo infelizmente ainda muito comum no mundo dos quadrinhos. Outros comentários, enquanto isso, acreditam que o filme será a última pá de cal no Universo Cinematográfico Marvel, que não está em boa fase depois dos eventos de Vingadores: Ultimato.

O fato é que é injusto colocar toda essa culpa, como muitos estão querendo fazer, contra esse filme de Nia DaCosta (do excepcional A Lenda de Candyman). As Marvels, afinal, é um bom filme. Divertido, o longa-metragem consegue ter bons momentos ao contar a história de como Capitã Marvel (Brie Larson), Ms. Marvel (Iman Vellani) e Monica Rambeau (Teyonah Parris) se uniram em um momento em que mais uma ameaça intergaláctica dos Kree ronda a galáxia.

Publicidade

Desta vez, Dar-Benn (Zawe Ashton), essa alienígena que quer sugar a energia vital de outros mundos para fazer com que seu planeta consiga enfim sobreviver. As três, então, precisam se defender enquanto defendem outros planetas.

As Marvels é um bom filme?

Com essa história bobinha e um tanto quanto genérica, mesma escrita a seis mãos (DaCosta, Megan McDonnell e Elissa Karasik), a cineasta consegue entregar um filme essencialmente divertido e que consegue se afastar, ao mesmo tempo, da seriedade e do humor exaustivo da “fórmula Marvel”. Ainda que tenham momentos que fariam Taika Waititi (de Thor: Amor e Trovão) dar gargalhadas e se orgulhar, As Marvels parece que se assume como um filme da Disney e transforma essa jornada em uma aventura espacial em algo mais leve e divertido do que poderia ser.

Muito disso nasce da química entre as três protagonistas. Larson (oscarizada por O Quarto de Jack) tem sua presença diluída com a chegada dessas outras duas personagens e muito da aspereza da Capitã Marvel, tão criticada no filme anterior da personagem, some. Elas funcionam bem em conjunto quando estão na telona e quase nunca saem de sintonia. Você pode até não torcer individualmente para cada uma delas, mas torce pelo coletivo, com cada uma delas mostrando personalidades bem distintas, mas que trazem coesão para o todo quando juntas. Dá vontade de ver mais.

 Iman Vellani como Ms. Marvel é um dos principais pontos positivos de As Marvels (Crédito: Marvel Studios)
Iman Vellani como Ms. Marvel é um dos principais pontos positivos de As Marvels (Crédito: Marvel Studios)

Além disso, Nia DaCosta filma as cenas de ação maravilhosamente bem — as melhores desde Ultimato. Ainda que tenha problemas evidentes de efeitos especiais, algo que a Marvel está penando desde Viúva Negra, Nia conta com uma fluidez de câmera que deixa essas sequências mais empolgantes, salvas pelas boas coreografias. Uma sacada de fazer com que as personagens se alterem no espaço-tempo faz, também, com que As Marvels fique mais leve.

Também há relances e indícios de ousadia em As Marvels — nada muito grandioso perto do que o cinema pode nos proporcionar, mas certamente um apontamento inesperado para o que a Marvel tem feito nos últimos anos. Há uma cena musical, por exemplo, que até causa certa vergonha alheia, e que deve ir muito mal com os fãs mais sisudos (e machistas, é claro) do estúdio, mas que é inesperadamente fresca e divertida apesar do figurino péssimo. Há, também, cenas dramáticas envolvendo luto, perda e família que ajudam a dar uma dimensão humana à narrativa.

Uma pena que a vilã seja tão ruim. Talvez, aliás, a pior coisa de todo o filme. Ashton entregar complexidade à essa Kree que quer se vingar da Capitã Marvel, ficando no mesmo papel de sempre: a destruidora de mundos e de sociedades.

As Marvels e a mão do produtor

Apesar desses pontos positivos, o filme conta com alguns problemas estruturais que dão uma sensação de que algum produtor se meteu no meio da história. Algo que fica ainda mais evidente quando a própria DaCosta confirma que a Marvel adiou o filme interminavelmente. No final, quando estavam regravando mais cenas, a cineasta não podia estar presente no set e teve que dirigir à distância. “Mudaram a data do filme quatro vezes. Ao invés de ser um processo de dois anos, com o qual eu estava profundamente comprometida, tornou-se um trabalho de três anos e meio”, disse.

Assim, depois disso, há uma sensação generalizada de que a Marvel Studios mexeu muito na história – o filme não se decide tão bem entre a aventura intergaláctica e o humor escrachado, beirando, às vezes, ao que Taika Waititi fez com Thor. Além disso, há boas cenas de drama soterradas aqui, principalmente essas falando sobre luto, solidão e perdas. Parece que alguém quis seguir com um filme mais maduro, mas outra pessoa insistiu em seguir a manada. Ficou assim.

Muito da aspereza de Brie Larson como Capitã Marvel some aqui com a chegada das novas integrantes (Crédito: Marvel Studios)

Difícil saber exatamente o que Nia DaCosta queria, como criadora, mas arrisco dizer que ficaria mais para o drama, com pitadas de aventura cósmica — principalmente olhando para seus outros trabalhos, A Lenda de Candyman e o emocionante Passando dos Limites. Acredito que se a Marvel Studios tivesse dado liberdade para a cineasta criar de verdade (como foi com Sam Raimi em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura) poderíamos ter um filme muito bom.

Outro ponto que é preciso ser discutido é a conclusão da história. A cena pós-crédito e a última cena do filme. Não vamos dar spoilers, mas é preciso mostrar como são dois caminhos para a Marvel Studios seguir: um olhando para o futuro, com personagens e atores mais jovens; e outros olhando para o passado, tentando ressuscitar a empolgação do público com aparições de personagens que já causam nostalgia. Infelizmente, conforme as coisas vão mal com essas novas escalações, fica a sensação de que esse segundo caminho será trilhado com cada vez mais certeza.

E assim, enquanto Martin Scorsese gargalha em casa, a Marvel Studios parece estar em uma crise cada vez mais grave, mais existencial. Não só não empolgaram grande parcela do público, como também parecem estar se metendo no processo de cineastas — mesmo tão talentosos, como DaCosta. É o modo desespero. E quando isso acontece em uma empresa, até mesmo uma grande produtora de filmes, o futuro se torna mais sombrio, estranho e incerto. A ver.

Assista a filmes online grátis completos agora mesmo com o Play Surpresa do Filmelier

Siga o Filmelier no FacebookTwitterInstagram e TikTok.