Por que ‘Benedetta’ é um dos filmes mais polêmicos de Cannes?

O Festival de Cannes costuma ser um dos mais interessantes do ano. Além de ser palco de protestos, também traz filmes polêmicos. Em 2021, o choque da vez veio com ‘Benedetta’. O novo trabalho de Paul Verhoeven – que nos trouxe ‘Elle’, ‘Instinto Selvagem’ e ‘RoboCop’ – conseguiu agradar e desagradar o público presente na estreia.

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Em ‘Benedetta’ acompanhamos a história, baseada em fatos reais, da freira Benedetta Carlini que teve um comportamento dito de “obsessão diabólica” após se envolver com uma outra noviça e alegar ter visões com Jesus Cristo. O acontecimento, que se passou no século XVII, é tido como o romance lésbico mais antigo do Ocidente.

A produção está sendo comparada ao nunspoitation – subgênero popular entre as décadas de 1970 e 1980 que explorava culpa religiosa, lesbianismo e pervesão em conventos.

Cenas de sexo excessivas

“Não é um filme inovador, mas apenas mais uma entrada de mau gosto no gênero nunspoitation”, definiu o crítico da Variety, Peter Debruge. Ele ainda achou um ultraje que o Festival de Cannes rejeitou ‘Maus Hábitos’, de Pedro Almodóvar, nos anos 1980, que faz uma sátira da Igreja Católica ao falar de freiras alcoólatras e lésbicas, mas aceitou exibir ‘Benedetta’.

“Sexualidade é um assunto interessante. Não há muitos diretores que saibam como filmá-lo. Paul Verhoeven sabe fazer isso desde o começo e é alguém que lida com este tópico importante de uma forma incrível. A nudez não tem interesse quando não é retratada de uma maneira bonita, não é isso que Paul faz. Tudo foi fluiu muito bem quando tiramos nossas roupas”, esclareceu a protagonista Virginie Efira durante a coletiva da produção em Cannes [via Deadline]

Imagem da Virgem Maria como objeto sexual

A grande polêmica que causou burburinho entre os críticos – no quesito religioso – é uma cena de sexo que envolve uma estátua da Virgem Maria sendo usada como dildo. O cinema de Paul Verhoeven é provocador, isso não é nenhuma novidade, no entanto essa foi a primeira vez que ele trabalhou com figuras eclesiásticas.

“Verhoeven talvez tenha que sussurar seus arrependimentos no confessionário depois deste filme”, disse Peter Bradshaw do The Guardian. ‘Benedetta’ está sendo considerado uma blasfêmia, mas o diretor já estava munido para esse tipo de crítica.

“Eu realmente não entendo como você pode blasfemar sobre algo que aconteceu… É um fato de que você não pode mudar a história. Você pode dizer que aquilo era errado ou não, mas não pode mudar a história. Acho que a palavra blasfêmia para mim, neste caso, é estúpida”, disse Paul Verhoeven em Cannes.

A narrativa é baseada no livro  ‘Atos Impuros – A Vida de Uma Freira Lésbica na Itália da Renascença (Soeur Benedetta, entre sainte et lesbienne)’, da historiadora Judith C. Brown, de 1987.

Brown realizou um estudo sobre o julgamento da freira pela Igreja Católica, sua obra é puramente acadêmica. Benedetta chegou a ser ameaçada de morte, na fogueira, por conta de seu comportamento.

Apesar da polêmica, ‘Benedetta’ também foi muito elogiado

Ainda que o filme tenha recebido crítica negativas, a maior parte das avaliações são positivas. “‘Benedetta’ é um drama substancial, sofisticado, ainda que tenha ritmo acelerado consegue entreteter o tempo todo. Com o equilíbrio de cenas calmas com uma certa astúcia política e momentos sinistros de uma selvagem loucura religiosa”, essa foi a definição de Nicholas Barber da BBC.

“Em tempos de problematizações polêmicas, é aplaudiada aqui a figura que contribui justamente com o contrário, que ri de uma realidade cada vez mais etérea e insignificante. Cannes explode de alegria ao longo de uma alta dose de violência, humor ácido, nudez e zombaria da religião (no caso cristão)”, escreveu Mariona Borrull Zapata do revista espanhola El antepenúltimo mohicano. “É, sem dúvida, um grande filme…seus ecos ressoam fortemente em um contexto contemporâneo”, completou.

Zapata acredita que o Verhoeven trava uma luta contra o cinema comercial ao fazer um filme como esse, no entanto peca ao usar fórmulas e propostas ultrapassadas.

Claramente, a ideia do diretor deve ter sido causar choque – e até mesmo, desconforto nos espectadores. De qualquer forma, como toda arte, geralmente o próposito é causar uma reação em quem a consome e Verhoeven, sem dúvida, cumpriu sua função.

‘Benedetta’ concorre à Palma de Ouro na 74º edição de Cannes. O filme, mesmo com todas as polêmicas, foi ovacionado pelo público na estreia por cinco minutos. Com a produção, essa é a terceira vez que o Paul Verhoeven disputa o prêmio mais desejado do festival francês.

O filme de Verhoeven ainda não tem data de lançamento no Brasil. Já o Festival de Cannes acontece até sábado, dia 16 de julho.

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