‘Decisão de Partir’ mistura romance e investigação policial em trama inusitada ‘Decisão de Partir’ mistura romance e investigação policial em trama inusitada

‘Decisão de Partir’ mistura romance e investigação policial em trama inusitada

Filme apresenta elementos do cinema de Hollywood, como o noir e Hitchcock, mas não deixa de ser Park Chan-wook em sua essência

Matheus Mans   |  
4 de janeiro de 2023 19:00

Quando sentamos na poltrona do cinema para assistir a um filme de Park Chan-wook, nunca sabemos o que vamos encontrar. Tudo é possível: as reviravoltas recheadas de violência de ‘Oldboy‘, o erotismo incômodo de ‘A Criada’, a bizarrice de ‘Segredos de Sangue’. No entanto, em ‘Decisão de Partir’, o sul-coreano mostra como ele sabe brincar de cinema. Neste filme, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 5, há uma mistura inesperada de dois gêneros.

De um lado, o filme policial. Na trama, um detetive eficiente e meticuloso investiga um possível assassinato em um remoto vilarejo de montanha. Existem, aqui, todos os elementos mais básicos e essenciais de um thriller de investigação: as dores pessoais do investigador, que vive uma vida em conjunto sem muita emoção; o parceiro que parece saído de uma revistinha antiga de cinema policial; um crime instigante; e, é claro, a viúva suspeita.

Cena do filme Decisão de Partir
Jan Hae-joon e Song Seo-rae: um romance proibido, mas carregado de desejos (Crédito: Diamond Films)

É ela, aliás, que liga o detetive Jang Hae-joon (Park Hae-il) ao outro hemisfério da narrativa. Song Seo-rae (Tang Wei) é uma mulher que cativa. Está em sofrimento pela morte inesperada do marido, mas também dá indicativos de que a partida do cônjuge pode ter sido um alívio. A partir disso, é interessante se deixar levar pelo roteiro de Chan-wook, e escrito em parceria com Chung Seo-kyung (de ‘A Criada’), que vai seguindo como uma cobra: silencioso e em ondas.

Filme policial com tons românticos? Ou romance com tons policiais?

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Interessante notar como ‘Decisão de Partir’ brinca, o tempo todo, com a acepção de seu gênero. Se o filme fosse colocado na frente de um espelho, como se veria, afinal? Um filme policial com tons românticos? Um romance com tons policiais? Nada disso? Chan-wook brinca o tempo todo com a compreensão do espectador, que nunca sabe ao certo o que está assistindo. Os estilos de história se misturam, se esbarram, parecem não encontrar uma saída.

Obviamente, isso não é fruto de qualquer erro de direção como acontece aos montes em filmes por aí — pelo contrário. Chan-wook abraça signos de cada um desses gêneros e brinca com eles sem medo de ser feliz. Quando acontece a primeira quebra na narrativa, exatamente no meio de ‘Decisão de Partir’, fica até a sensação de que o cineasta vai seguir por um caminho simples — talvez até mesmo abraçando o drama. Mas não é isso que acontece.

‘Decisão de Partir’, em sua segunda metade, engrandece tudo que estava acontecendo até então. O romance fica ainda mais intenso, a confusão dos personagens se adianta. Jang Hae-joon age como o espectador tentando decifrar a narrativa: confuso, andando de um lado para o outro, tentando compreender se está manipulando ou sendo manipulado. Lembra até mesmo ‘Trama Fantasma‘, quando começa a mostrar sinais de uma dependência tóxica.

Enquanto isso, meio que sem perceber, ‘Decisão de Partir’ também deixa a tensão sexual do filme em uma carga quase nula. Oras, o sul-coreano não quer criar aqui um thriller erótico como ‘A Criada’ e, por isso, abraça o assexual, o plano. Ele quer foco nos sentimentos, nas emoções, na confusão mental. Tudo se agrava. É como se Park Chan-wook pegasse o bolo de referências que o inspiram, das femme fatales ao noir, e tomasse isso como caminho, não apenas inspiração.

‘Decisão de Partir’: o melhor filme de Park Chan-wook?

Arrisco dizer que este filme é o que as pessoas mais podem esperar da direção do sul-coreano — não à toa, levou o prêmio da categoria no Festival de Cannes. É maduro, consciente de suas escolhas e intempestivo, apesar de silencioso. Chan-wook por vezes parece abraçar exageradamente o cinema comercial, que entrou em sua vida desde o polêmico ‘Segredos de Sangue’. Mas, aos poucos, se afasta disso e ‘Decisão de Partir’ até questiona Chan-wook.

O final trágico, sem qualquer relance de beleza ou até mesmo se alívio, mostra que o diretor continua sendo consciente de seus atos. Abraça, aqui, o noir, Hitchcock, as femme fatales, até mesmo a dramédia. E, no final das contas, exibe que nada disso basta para vencer a tragédia. A busca frequente pela ausência de sentimentos não é possível. Quando a assepsia é exagerada, é melhor se segurar: no final, algo vai explodir e deixar tudo mais sujo.

‘Decisão de Partir’ tem seus problemas, como a duração exagerada, repetições e alguns personagens que sobram — o colega policial, por exemplo, não tem razão de ser. Mas tudo bem: o cineasta, aparentemente incomodado com alguns caminhos do cinema, mostra que a tragédia não tem escapatório. O sentimento está sempre lá. Pode tentar esconder, soterrar com configurações de gêneros ou tramas singelas. A força de boas histórias, porém, sempre há de emergir.

Onde assistir a ‘Decisão de Partir’?

‘Decisão de Partir’ estreia exclusivamente nos cinemas brasileiros em 5 de janeiro de 2023. Clique aqui para comprar ingressos.

E confira, logo abaixo, a sinopse oficial do filme:

Na Coreia do Sul, um detetive eficiente e meticuloso é chamado para investigar um possível assassinato que ocorreu em um remoto vilarejo de montanha. No entanto, durante sua investigação, ele acaba se envolvendo amorosamente com a viúva da vítima, considerada a principal suspeita do crime. Vencedor do prêmio de melhor direção no Festival de Cannes 2022.

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