Dizem que Deus é uma mulher e o filme ‘Mulher’ sintetiza bem esse sentimento Dizem que Deus é uma mulher e o filme ‘Mulher’ sintetiza bem esse sentimento

Dizem que Deus é uma mulher e o filme ‘Mulher’ sintetiza bem esse sentimento

Foram entrevistadas 2 mil mulheres, de diferentes culturas, nacionalidades e idades que compartilharam os ônus e bônus de ser mulher

17 de julho de 2020 16:11
- Atualizado em 21 de julho de 2020 12:30

‘Mulher’ é um documentário dirigido pela dupla de cineastas Yann Arthus-Bertrand e Anastasia Mikova, que levou o prêmio Sfera 1932 – que promove a melhoria de qualidade de vida humana – no Festival de Veneza, em 2019. Como o título entrega, o filme é a versão feminina de ‘Humano: Uma Viagem Pela Vida’, lançado em 2015. Dessa vez, Arthus-Bertrand e Anastasia, que também trabalharam juntos na direção de ‘Humanos‘, optaram por dar voz às mulheres.

Ao todo, foram entrevistadas 2 mil mulheres, segundo a diretora Anastasia Mikova, que conversou com o Filmelier sobre o projeto, e cada uma tem uma história importante para ser contada – ou melhor para ser ouvida.

Posso não ser a maior entusiasta de documentários – digo isso com certo pesar, pois sei que é um gênero de muita importância e reconheço isso – o que torna difícil a tarefa de assistir a um. De antemão, adianto que isso não aconteceu com ‘Mulher’. O filme me pegou nos primeiros cinco minutos, fiquei emocionada e comecei a chorar antes mesmo que a primeira entrevistada terminasse seu depoimento – que é sobre como a sociedade cala a voz feminina.

Em ‘Mulher’, apenas elas têm lugar

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O documentário não se limita, existem todos os tipos de figuras femininas que você possa imaginar. De diversos países, culturas, idades e todas compartilham a mesma coisa: o orgulho de ser mulher. É muito poderoso assistir a uma produção onde não aparece em nenhum momento um homem. Já assisti a muito filmes (e documentários também) sem personagens femininas e isso sempre me incomodou, já o contrário me fez bem. Talvez seja um sentimento tão internalizado de como é comum a figura masculina em tudo que consumimos que não ver uma causa um estranhamento, que julgo positivo.

Diferentes mulheres que compõem o documentário (Crédito: Reprodução / Imovision)

Ainda assim, a figura do homem se faz presente nos depoimentos das entrevistadas, das piores formas possíveis. Enquanto algumas contam como são amadas por seus parceiros, outras relatam duras experiências de abuso, violência, estupro, humilhação e todo tipo de opressão que infelizmente mulheres passam todos os dias e em todos os lugares do mundo.

E não é só a presença masculina que oprime, é também a religião, a política, outras mulheres, o conservadorismo e a sociedade machista. Mas não pense que é um filme triste. Muito pelo contrário. Ele mostra o quão incrível as mulheres são, pois mesmo passando por situações horríveis nós conseguimos nos levantar ainda mais fortes. Essa foi umas das mensagens que o documentário me transmitiu.

‘Mulher’ discute temas sensíveis e pouco falados na mídia

Outro assunto que ‘Mulher’ discute é a mutilação genital feminina (MGF) – que acontece em 27 países africanos, e também na Indonésia, Iémen e no Curdistão iraquiano, e em outros locais na Ásia, no Oriente Médio. Os depoimentos de mulheres que passaram por isso foram os mais fortes para mim em todo o filme. Por meio dos relatos é possível sentir uma parcela da dor que elas descrevem. Digo parcela, pois a cerimônia – dita ritualista – de remoção de parte ou de todos os órgãos sexuais externos femininos costuma ser realizada sem anestesia. Esse tópico é bem sensível e move campanhas ao redor do mundo para se deixe de acontecer.

Segundo dados das Nações Unidas, de 2019, cerca de 200 milhões mulheres já foram submetidas a esse procedimento em todo o mundo. Se a prática não for interrompida, as pesquisas projetam que 68 milhões de meninas e mulheres poderão ser mutiladas até 2030. É muito importante um documentário premiado abordar a mutilação genital feminina pois não é um assunto que vemos na mídia e muita gente desconhece.

A obra se faz necessária para homens e mulheres

Por mais que seja doloroso ver situações de abuso sexual e violência em filmes, séries e novelas, ouvir relatos reais sobre esses temas são ainda mais difíceis. Por conta disso, o documentário ganha ainda mais força e torna-se ainda mais relevante – e não só para mulheres. Acredito que seja uma obra necessária para homens também.

Afinal, em contraponto às partes tristes, vale ressaltar o quanto o filme consegue enaltecer a figura feminina. ‘Mulher’ conseguiu sintetizar em menos de 2 horas muitos assuntos que abrangem o que é ser uma mulher – com toda a dor e a delícia de ser quem somos. Numa das frases que encerra o filme, que foi também a que mais me marcou, uma das entrevistadas diz “Posso está sendo subversiva, mas digo que Deus deve ser uma mulher”.

De fato, essa colocação para causar subversão, mas só sendo uma mulher para entender o quanto ouvir isso é poderoso – e ouso dizer que faz muito sentido.