“Queríamos contar histórias singulares”, diz diretora de ‘Mulher’ “Queríamos contar histórias singulares”, diz diretora de ‘Mulher’

“Queríamos contar histórias singulares”, diz diretora de ‘Mulher’

Em ‘Mulher’, os cineastas Yann Arthus-Bertrand e Anastasia Mikova falaram sobre temas universais e particulares que envolvem a mulher contemporânea

Matheus Mans   |  
16 de julho de 2020 10:57
- Atualizado em 21 de julho de 2020 12:30

Quando estava gravando o documentário ‘Humano: Uma Viagem pela Vida’, em parceria com Yann Arthus-Bertrand, a cineasta ucraniana Anastasia Mikova percebeu que havia algo de diferente nas entrevistas com mulheres. Elas ficavam desconfiadas, perguntavam o motivo do projeto, achavam estranho. Mas depois, na frente das câmeras, se abriam como nunca antes.

Assim, Mikova notou que havia algo de especial a ser contado. Mais do que entrevistar adultos e crianças, talvez fosse o momento de colocar um foco. Uma lupa social. Afinal, apesar da desconfiança inicial, havia muito a ser dito e compartilhado. Parecia que essas mulheres, ao redor do mundo, precisavam ser ouvidas. Foi aí, então, que nasceu o projeto ‘Mulher’.

Arthus-Bertrand e Mikova, diretores de ‘Mulher’ (Crédito: Peter Lidnbergh/Divulgação)

Estreia do streaming no Brasil desta quinta-feira, 16, ‘Mulher’ é novamente dirigido pela cineasta ucraniana e por Yann Arthus-Bertrand. Com mais de 2 mil entrevistas feitas com mulheres ao redor de todo o mundo, o documentário tenta fazer um retrato plural, mas singular em sua essência, sobre o que é ser mulher hoje. Seja em Paris, no Congo, no Brasil ou EUA.

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“Durante a gravação de ‘Humano: Uma Viagem pela Vida’, senti que era vital para aquelas mulheres serem ouvidas. Percebemos que algo estava acontecendo com elas. As mulheres estão prontas para falar”, disse Mikova, em entrevista por telefone ao Filmelier, que está trabalhando no filme desde 2016. “A partir daí, vimos que queríamos contar histórias singulares”.

Por trás de ‘Mulher’

Logo de cara, já fica evidente que a produção de ‘Mulher’ não foi simples. Foram duas mil entrevistadas, em dezenas de países. Um esforço de produção inimaginável de tão complexo. Além disso, Mikova e Arthus-Bertrand seguiam algumas regrinhas. Primeiramente, apenas mulheres entrevistavam mulheres. Nada de homens fazendo perguntas no filme.

Além disso, havia uma preparação. “A gente levava cinco ou seis semanas até encontrar a mulher ideal daquela região”, conta a diretora. “Quando achávamos, a gente explicava a importância de participar do projeto e o motivo de fazer perguntas íntimas. Não é simples falar sobre seu primeiro orgasmo com apenas com 15 minutos de conversa. Isso leva tempo”.

Depois disso, Mikova ficava entre duas ou três horas conversando com a mulher em questão. Era o tempo necessário para criar confianças e, também, para diversificar os temas. “A gente precisava disso para ter um equilíbrio de temas. Desde assuntos universais, como maternidade, emancipação e sexualidade, e tópicos mais específicos, como abuso sexual”.

Entrevistas eram longas e sempre conduzidas por mulheres (Crédito: Divulgação/Imovision)

Dessa forma, foram cerca de quatro anos da produção do filme viajando ao redor do mundo, colhendo depoimentos e histórias que inspirassem.

Por isso, ela diz que ficou um pouco frustrada pelo pouco tempo do filme nos cinemas. Afinal, o longa foi lançado em mais de 30 países no dia 8 de março, uma semana antes de grande parte dos cinemas no mundo fecharem por conta do coronavírus. Mas, agora, ela está feliz. “O filme está sendo resgatado pelas plataformas digitais. Isso é o futuro da mídia”, diz.

Formato

Outra coisa que chama a atenção em ‘Mulher’ é a semelhança em forma com ‘Humano: Uma Viagem pela Vida’. Ainda que seja consideravelmente mais curto do que o outro longa-metragem, o filme comandado por Anastasia se vale dos mesmos tipos de enquadramento, mesmo sequência lógica narrativa e um tipo de entrevista que prioriza a mulher em cena.

“‘Mulher’ é uma espécie de continuação de ‘Humano'”, confirma Mikova. “Nós até testamos outros formatos de entrevista, mas percebemos que não há nada mais forte do que ter uma pessoa ali, na frente da câmera, olhando nos seus olhos e nos contando histórias em primeira pessoa. Além disso, ‘Mulher’ é um mais íntimo do que ‘Humano’. Precisava dessa abordagem”.

Mulheres foram retratas como são e onde vivem (Crédito: Divulgação/Imovision)

Agora, Mikova e Yann Arthus-Bertrand já estão pensando no terceiro filme. “Em todo lugar que exibimos ‘Mulher’, as pessoas vinham perguntar se a gente faria um filme sobre homens”, conta. “Agora, estamos cogitando fazer um filme sobre isso. Entende o papel do homem no mundo de hoje. Mas vai ser complicado, afinal eles se abrem menos em tópicos mais íntimos”.

Transformação após ‘Mulher’

Na entrevista com Anastasia Mikova, ficou claro que ela tinha orgulho do projeto. Falou com alegria e empolgação sobre os desafios de produção, sobre o surgimento de ideias, sobre as entrevistas. E isso ficou ainda mais evidente quando questionada sobre como ela, como mulher, saiu transformada. O que mudou em sua vida? Passou a ver coisas diferentes?

“A maior lição que aprendi foi a resiliência”, disse. “Passei um mês no Congo, filmando mulheres que sofreram coisas terríveis. Mas continuam de pé, compartilhando suas histórias. Eu me perguntava como isso era possível. E percebi que elas não queriam ser vistas como vítimas. Elas usaram esses momentos horrorosos para se revelarem. No futuro, coisas incríveis vão acontecer se as pessoas aprenderem com essas mulheres”.

Por fim, ela conclui contando que adicionou uma palavra ao seu vocabulário. “Antes de gravar ‘Mulher’, não sabia o que era sororidade. Mas depois entendi”, conta. “Todas essas mulheres estão intimamente conectadas. Inclusive comigo, que não tenho nada a ver com a grande maioria. Somos singulares. Mas também somos maior do que nós mesmas”.