É Tudo Verdade 2021: Com ‘Os Arrependidos’ e ‘Presidente’, política se destaca no festival
O festival de documentários É Tudo Verdade divulgou na tarde deste domingo, 18, os vencedores da sua 26ª edição. Na categoria de nacionais, o filme ‘Os Arrependidos’ levou o prêmio do júri ao falar de ex-militantes presos que se tornaram arma de propaganda da ditadura militar. Já o troféu internacional foi para ‘Presidente’, sobre briga política no Zimbábue.
Dessa forma, pode-se dizer que os vencedores são sintomáticos de uma edição recheada de produções com esse foco. Além desses dois filmes, o festival trouxe filmes como ‘Alvorada’, sobre Dilma nos bastidores do impeachment; ‘Mil Cortes’, da tensão política nas Filipinas; ‘Flee’, sobre refugiados; e ‘9 Dias em Raqqa’, sobre esperança política no Oriente Médio.
Isso sem falar das tradicionais produções sobre aspectos culturais de determinadas sociedades, mas que falam muito mais do que o proposto. O excelente ‘Paraíso’, por exemplo, fala sobre idosos que se reuniam no Palácio do Catete para cantar músicas de outros tempos. Já ‘Dois Tempos’ fala sobre Yamandu Costa e ‘Máquina do Desejo’ sobre o Teatro Oficina.
É Tudo Verdade na pandemia
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Mas, apesar da importância e da força das discussões trazidas por esses filmes, é impossível não notar que as produções estão bem mais fracas do que em anos anteriores — apesar de Amir Labaki, idealizador do festival, afirmar que se mantiveram as inscrições. Talvez seja indícios de que a pandemia esteja, enfim, afetando as produções e limitando novos filmes. O próprio ‘Os Arrependidos’, que arrebatou o prêmio do júri, não tem a melhor técnica, nem conta a história da maneira mais interessante — ‘Libelu’, do ano passado, deixa um gosto saudosista. ‘Alvorada’, de Anna Muylaert e Lô Politi, não chega nem perto do que ‘O Processo’ fez antes. Os erros técnicos dão a impressão de que lançaram o filme do jeito que dava. ‘Dois Tempos’, ‘Zimba’, ‘Máquina do Desejo’, ‘Edna’ e o filme de encerramento, ‘A Última Floresta’, são bons, mas nada excepcionais. No cenário de produções internacionais, enquanto isso, tivemos destaques mais interessantes. Com exceção do fraquíssimo ‘MLK/FBI’, os títulos ‘Presidente’, ‘Mil Cortes’, ‘9 Dias em Raqqa’, ‘Gorbachev.Céu’ e ‘Flee’ ganharam boas impressões do público. Este último, principalmente, que foi o filme de abertura, sobre um refugiado afegão homossexual. Mas, ainda assim, nenhum internacional também é daqueles que nunca mais esquecemos. Pode ser um sinal preocupante de que estamos chegando no limite das produções audiovisuais pós-pandemia, quando tudo parou. Ou apenas uma má seleção do festival. Afinal, na categoria de curtas nacionais, passou uma produção de ficção, ‘Review’. Um absurdo.
Para além do prêmio
Desses, três podem ganhar sobrevida ao longo do ano para chegar vivo no Oscar 2022 — como aconteceu ano passado, quando o É Tudo Verdade exibiu ‘Agente Duplo’ e ‘Collective’. São eles: ‘Mil Cortes’, ‘9 Dias em Raqqa’ e ‘Flee’. ‘Gorbachev.Céu’, se não fosse tão enviesado, poderia ter mais espaço. Talvez ‘Presidente’ e ‘Sob Total Controle’ correm por fora. Por fim, vale destacar um dos filmes nacionais que deve ter passado à margem do festival: ‘Paraíso’, de Sérgio Tréfaut. O longa-metragem, conforme já dito acima, conta a história de um grupo de idosos que se reúnem periodicamente no jardim do Palácio do Catete para cantar músicas de outros tempos, de Adoniran Barbosa até Chico Buarque. A força do documentário surge, porém, quando Tréfaut conta que o filme não chegou ao final. Foi interrompido pela pandemia do novo coronavírus, quando esses idosos tiveram que se recolher. Quase sem querer, o cineasta deu cara à alguns mortos da pandemia do novo coronavírus e mostrou como memória afetiva e cultural do país está desaparecendo de uma vez.
Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.