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‘Ataque dos Cães’ e ‘Vingança & Castigo’ mostram que este é o ano dos faroestes na Netflix
Cada um de sua maneira, filmes mostram diferentes olhares sobre o gênero, mudando a linguagem e a estética
Um dos filmes mais aguardados de 2021, ‘Ataque dos Cães’ chegou ao catálogo da Netflix na última quarta-feira, 1º. Premiada no Festival de Veneza, a cineasta Jane Campion (de ‘O Piano’) colocou sua própria visão na história de dois irmãos, donos de uma fazenda de gado, que passam por uma transformação em suas vidas após o casamento inesperado de um deles.
É um faroeste às avessas, ao contrário do que esperamos em uma trama do tipo. Sem bang-bang, sem tipos masculinos óbvios. Há profundidade na história e sensibilidade na forma que é conduzida. Uma quebra no gênero. Algo que, curiosamente, a Netflix já havia feito neste mesmo ano, menos de um mês antes, com o estiloso, elegante e forte ‘Vingança & Castigo’.
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Neste, ao contrário de ‘Ataque dos Cães’, há violência. No entanto, o diretor Jeymes Samuel bebe da fonte de Quentin Tarantino para colocar uma estilização moderna e colorida no faroeste, deixando para trás as histórias só formadas por madeira, areia e couro. São mudanças, à sua maneira, que confirmam a força e criatividade do faroeste no cinema contemporâneo.
A narrativa de ‘Ataque dos Cães’
Primeiramente, vamos falar mais sobre ‘Ataque dos Cães’. Campion conta a história de quatro personagens: Phil (Benedict Cumberbatch), George (Jesse Plemons), Rose (Kirsten Dunst) e, enfim, Peter (Kodi Smit-McPhee). Phil e George são irmãos, donos de uma fazenda de gado e conectados com suas raízes. A vida dos dois, porém, muda quando George se casa com Rose, viúva e mãe de Peter — este, por sua vez, um rapaz de gestos delicados e sensibilidade aguçada. Primeiramente, Phil não quer saber de mãe e filho. Mas, aos poucos, essa relação vai se transformando, mudando No cenário, e na fotografia brilhante de Ari Wegner (‘Lady Macbeth’), há um tom de opressão. As colinas ao redor da casa de Phil e George deixam os personagens presos ali, naquele ambiente. Algumas cenas, enquanto isso, dão a impressão de que o cenário está engolindo, sufocando a família. Ainda que haja certa inventividade nessa ambientação, porém, o mais chamativo de ‘Ataque dos Cães’ vem da história. Adaptação de um romance de Thomas Savage, nome forte nas histórias de faroeste, o longa não tem violência, não tem tiroteio, tampouco bang-bang. O faroeste está na ambientação, no cenário, mas não na ação e personagens. Ao contrário da masculinidade tóxica vista em filmes clássicos do gênero, como ‘Por um Punhado de Dólares’ ou as produções com John Wayne, o longa-metragem da Netflix inverte a perspectiva. Phil começa como um bruto e explosivo personagem, mas aos poucos, com a atuação de gala de Cumberbatch, ganha camadas: há muito escondido em suas ideias. Os personagens não são fixos dentro de suas influências na história, assim como também não há aquela velha dicotomia de bons e maus. O vilão está escondido nos detalhes, não no óbvio. Rose, interpretada por Kirsten Dunst (olha o Oscar da Mary Jane vindo aí!), por exemplo, é uma personagem que vai sendo desconstruída pelo olhar, pelo que não é dito, por gestos, vazios. ‘Ataque dos Cães’, assim como é ‘O Piano’, outra grande obra de Campion, deixa muita coisa subentendida — como deveria ser, sendo um filme passado no coração do Oeste americano no século XIX. Silêncios e gestos dizem muito. Não é à toa, por exemplo, que a diretora usa muita imagem no detalhe, focada nas mãos, na pele. Isso, aqui, diz mais do que palavras. No final, temos um filme que não fala sobre vingança, sobre bang-bang, sobre conflitos entre homens nas areias e sob o sol dos Estados Unidos. É um filme que remete ao gênero do faroeste, por conta de sua ambientação, mas que usa os seus personagens como motor para assuntos muito mais profundos: o ser humano, sua vida e os seus desejos.
A estética de ‘Vingança & Castigo’
Outro faroeste que desconstrói o gênero, como já citado, é o inesperado ‘Vingança & Castigo’. Filme que chegou ao catálogo sem barulho ou qualquer grande divulgação, a produção assinada por Jeymes Samuel traz uma inspiração “tarantinesca” para o faroeste, com toques de ‘Django Livre’. Afinal, ainda que haja a violência e o bang-bang, nada mais é usual. Tudo é colorido, estilizado, provocativo. Afinal, Samuel não pinta as casas de uma vila no Oeste dos EUA à toa. Tudo é um comentário — desde o começo, quando o diretor avisa que aqueles acontecimentos são fictícios, mas que aqueles personagens existiram naquela época, até o fato de que atores e profissionais negros foram maioria na frente e atrás da tela. ‘Vingança & Castigo’, dessa forma, se consolida como um forte sinal, uma mensagem audiovisual contra o apagamento das pessoas negras nas histórias de faroeste. O visual, enquanto isso, complementa a experiência com algumas sacadas realmente boas — a “cidade branca”, formada apenas por pessoas brancas, é um momento de frescor, por exemplo. Ou seja: Samuel se vale da estrutura tradicional do faroeste para, enfim, tecer um comentário sobre o próprio gênero. É um cinema de contestação e que, de maneira ousada, abraça o formato do gênero para implodir tudo por dentro. Atuações marcantes, como a de Idris Elba, Jonathan Majors, Zazie Beetz, Edi Gathegi e Delroy Lindo complementam mais a história.
Um novo faroeste?
Vale dizer, para fim de conversa, que esta brincadeira com o faroeste, e os comentários sociais e políticos que surgem a partir disso, não são coisa de agora, de hoje. Se nos tempos áureos do gênero já era possível encontrar comentários sociais, nos últimos anos o faroeste ressurgiu com esse frescor. Títulos marcantes como ‘A Qualquer Custo’, ‘Django Livre’, ‘Rastro de Maldade’ e ‘Oeste sem Lei’ são bons exemplos. Percebe-se, assim, que histórias áridas de homens e mulheres sem rumo, ou em um momento de vazio emocional, dizem muito sobre a vida das pessoas hoje. O faroeste, como forma de comunicação pelo cinema, fala da aridez da vida, dos sentimentos, das emoções — ainda que os personagens, como mostra ‘Ataque dos Cães’, possam estar escondendo essas coisas. Agora, a gente deve ficar de olho na consagração do gênero com um caminho de possíveis vitórias na temporada de premiações, incluindo no Oscar. ‘A Qualquer Custo’ e ‘Django Livre’ passaram perto da grande consagração, mas ‘Ataque dos Cães’ é o caso mais concreto de possível sucesso absoluto nas premiações, principalmente após as vitórias de Jane Campion em Veneza. Assim, pode esperar ainda mais faroestes vindo por aí.