‘Faz Sol Lá Sim’ mergulha na tradição musical de Marechal Deodoro, em AL
Foi há alguns anos que o jornalista Claufe Rodrigues, então apresentador do finado programa Globonews Literatura, conheceu a cidade histórica de Marechal Deodoro, em Alagoas. Esta na orla de uma lagoa da região quando uma banda filarmônica apareceu, um tropel de cerca de 40 músicos tocando marchas militares. “Foi um escândalo”, conta Claufe ao Filmelier.
Dessa forma, ele se inteirou sobre a cidade de Marechal Deodoro — berço do primeiro presidente do Brasil republicano. Descobriu que quem lá nasce, ou é pescador ou músico. Tem até uma espécie de costume, quando nascem bebês, de jogar barro na parede. Se ficar, será pescador. Se cair, será músico. Na mecânica daquela região, parece não haver mais possibilidades.
Jovens da cidade de Marechal Deodoro encaram a carreira de músico como uma oportunidade de ir além (Crédito: Divulgação/Lira Filmes)Disso, nasceu a vontade de fazer o documentário ‘Faz Sol Lá Sim‘, que chegou aos cinemas nesta quinta-feira, 29. “Depois de ver aquela banca ali, tocando na orla da lagoa, senti que precisava fazer algo com aquela história. Era algo interessante demais pra ficar só na memória”, conta o cineasta. “Levei a ideia à Globonews e aprovaram em cinco minutos”.
Transformações de ‘Faz Sol Lá Sim’
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O filme que chegou às salas de cinema é um documentário tradicional sobre uma cidade. Claufe, com uma sensibilidade aparente, vai contando as histórias das duas bandas que ali existem — e que já foram motivos de disputa acirrada e até morte. Mostra algumas apresentações. No entanto, a cereja do bolo está nas histórias dos próprios músicos da região alagoana. “Tem toda a história das bandas, que a gente não podia deixar de lado. Tem toda a relação das cidades com esses músicos, com a música. E tem a questão da valorização”, conta Claufe Rodrigues, empolgado com o resultado do longa. “O documentário tem esse papel. É nosso ‘Buena Vista Social Club’. Aqueles músicos mais velhinhos precisam de reconhecimento”.
Apesar desse formato tradicional, um tanto quanto quadrado, Claufe conta que a ideia inicial não era essa. Quando começou o projeto, antes da Operação Lava-Jato da Polícia Federal, havia conseguido o apoio financeiro de uma petroquímica. Ia fazer uma espécie de “road movie” com essas bandas, para uma apresentação final no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. “Só que aí veio a Lava-Jato e as empresas que investiam começaram a se retrair. Perdemos o apoio da Braskem e nós nos vimos obrigados a rever todo o projeto”, conta o diretor. “Assim, no geral, foi um desafio de roteiro. Eu precisei encontrar uma nova maneira de tornar aquela história toda atraente, respeitando a história de cada um e balanceando o que contava”.
Entre a música e os militares
Por conta desses problemas e desvios do percurso, o documentário chega aos cinemas praticamente cinco anos depois dos traçados iniciais e do projeto que começou tudo, lá na orla da praia. Muita coisa aconteceu nesse período: a petroquímica não pode apoiar o projeto, alguns entrevistados morreram, uma presidente sofreu impeachment, outro político foi eleito. Rigor militar com essa predileção pela música na cidade causa confusão em quem vê esses costumes “de fora” (Crédito: Divulgação/Lira Filmes)Questionado sobre as contradições que essa história de Marechal Deodoro carrega, misturando uma aura militar forte com essa carreira musical considerada como natural na região, Claufe Rodrigues concorda que aquela pequena cidade de 50 mil habitantes tem uma aura diferente. Contestatória. Parece ir na contramão do Brasil, que apenas militariza, mas sem cultura. “Nem tinha Bolsonaro na época. Não tinha nada disso. Agora, tem essa contradição tão interessante”, afirma Claufe, que fugiu de abordagem ideológica da cidade. “Mas fico feliz que essas contradições tenham ficado aparentes, ainda mais com seus completos. Música exige muita disciplina, assim como os militares. Essa reflexão pode ser importante para nós”.
Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.