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Festival de Toronto revela as consequências da pandemia no cinema
Maior parte dos filmes em exibição contam com elenco reduzido e poucas locações, sem nunca tocar no tema da pandemia em suas histórias
Matheus Mans | 14/09/2021 às 16:09 - Atualizado em: 16/09/2021 às 11:10
Cinema não é algo de momento. Afinal, é preciso de tempo para um estúdio ou produtora selecionar um projeto, colocá-lo de pé, escolher o elenco, direção, locações, depois fazer pós-produção, distribuição. Ufa. É muita coisa, o que demanda paciência. Por isso, o Festival de Toronto 2021 - que conta com cobertura à distância do Filmelier - é um dos primeiros a mostrar os reais efeitos da pandemia nas gravações.
São mais de 100 títulos em exibição e, chegada a metade do festival, percebe-se uma constante: os filmes estão com elencos enxutos, sem aquela enxurrada de figurantes, e com pouquíssimas locações. A covid-19, afinal, mudou os paradigmas até do cinema hollywoodiano. Não é viável ficar fazendo centenas de testes para uma única cena de um único filme.

Um dos exemplos que mais salta aos olhos é ‘O Culpado’, suspense com Jake Gyllenhaal que chega no catálogo brasileiro da Netflix em 1º de outubro. Remake do ótimo filme dinamarquês ‘Culpa’, o longa-metragem é a cara da pandemia: Gyllenhaal fica quase sozinho em cena, apenas contracenando com atores do outro lado da linha telefônica.
Afinal, ele é um policial que fica no 190 -- para os americanos, no caso, o 911. Aqui, ele é contatado por uma mulher que diz ter sido sequestrada pelo marido. A partir daí, numa espécie de ‘Chamada de Emergência’, acompanhamos o desespero do policial interpretado pelo astro americano em tentar solucionar o caso mesmo sem poder sair da estação de trabalho.
Família reunida, casas como cenário
E apesar de ‘O Culpado’ ser o caso mais emblemático do Festival de Toronto até agora, há uma outra constante: casas. São vários os filmes que, quase sem querer, giram suas tramas em torno de uma casa. Afinal, essa é a saída mais simples (e barata!) para quem queria filmar durante a pandemia. Um ambiente, tudo controlado, sem chance de aglomeração.

‘Montana Story’, por exemplo, teve sua história desenvolvida durante a pandemia do não-mais-tão-novo coronavírus. Na trama, dirigida e roteirizada por Scott McGehee e David Siegel (‘Pelos Olhos de Maisie’), acompanhamos dois irmãos (Haley Lu Richardson e Owen Teague) que precisam lidar com a iminente morte do pai, em como após sofrer um ataque vascular cerebral.
A partir daí, quase toda a interação acontece na casa do patriarca, onde esses dois irmãos -- há tempos separados -- se reencontram. Há algumas cenas externas, claro, mas quase não há contato com outras pessoas. O filme, assim, segue um caminho ainda mais intimista, em que focamos a nossa atenção quase exclusivamente nas emoções desses dois irmãos.
‘All My Puny Sorrows’, aliás, conversa muito com ‘Montana Story’: também fala sobre irmãos, também têm discussões sobre questões do passado e também foi gravado durante a pandemia. A diferença é que este filme, inspirado num best-seller, não fala sobre luto, mas sobre saúde mental. Uma das irmãs quer se matar. Já a outra quer ajudá-la a qualquer custo.
Tirando uma cena de reunião familiar, quase todas as sequências são com três ou quatro atores no máximo -- as duas irmãs, de vez em quando a mãe, às vezes a tia. Além disso, há cenários bem delimitados, como o hospital e a casa da família, nada muito além. E não tinha como fazer de outra maneira: ‘All My Puny Sorrows’ começou a ser gravado em dezembro de 2020.
Criatividade no Festival de Toronto
Apesar dessas boas saídas de filmes norte-americanos, sejam eles canadenses ou dos Estados Unidos, dois longas estrangeiros merecem destaque pela inventividade de suas histórias -- afinal, se valem dos elencos enxutos e da falta de cenários a favor do desenvolvimento do roteiro. É o caso do excepcional ‘Silent Land’, o melhor do TIFF até agora.

Produção tcheca, o longa-metragem conta a história de um casal polonês que vai passar um tempo em uma pousada na Itália. Apesar de uma cena ou outra com a população local, quase todo o filme envolve os dois, um rapaz árabe que limpa a piscina, o dono da pousada e um instrutor de mergulho. E isso trabalha a favor da história, que cria um bom suspense.
Afinal, em determinado momento, a sensação dos dois estarem sozinhos nessa pousada cria todo o clima necessário para a história avançar e torná-la mais tensa dentro desse cenário paradisíaco -- mas com toques de Bergman e de Michelangelo Antonioni dentro da trama. Uma estreia marcante da cineasta Agnieszka Woszczynska em longa-metragem.
Já ‘As In Heaven’ fala sobre uma garota, no meio de uma aldeia no século XIX, que quer alçar novos voos e escapar da solidão e da monotonia daquele lugar -- algo que, com a limitação de figurantes e de espaço, fica ainda mais evidente. Por isso é desesperador quando a saúde da mão fragiliza e não sabemos mais qual será o destino daquela protagonista.
Isso sem falar mais de 'The Daughter', um suspense espanhol todo passado na casa de um homem que dá abrigo para uma órfã grávida; ou ainda 'Inexorable', um thriller erótico francês que fala sobre a relação entre um homem com uma estranha que chega na vida da família. São filmes menores, de qualidade mais duvidosa, mas que seguem o mesmo caminho.
E depois de Toronto?
Conforme esses filmes vão surgindo na tela, com espaços reduzidos e elencos diminutos, não tem como pensar: será que essa redução não é algo que veio para ficar no cinema por algum tempo? Oras, estamos acostumados com produções megalomaníacas, com centenas de figurantes, locações em todo o mundo, produção gastando a rodo.

Chega a dar calafrios pensar em algumas dessas histórias com tantos personagens, tanto esforço de produção. Antoine Fuqua teria perdido toda a essência da história de ‘O Culpado’, calcado na atuação de Gyllenhaal. ‘Silent Land’ não teria a tensão que tem. ‘Montana Story’ não seria tão intimista, tão pessoal, assim como ‘All My Puny Sorrows’ e ‘As In Heaven’.
Talvez seja o momento de Hollywood, e do cinema de outras parte do mundo, perceber que dá para fazer muito com pouco. Claro: produções da Disney, da Marvel e de grandes franquias não vão mudar. Dificilmente teremos um filme de 1h30 do Doutor Estranho papeando numa sala com o Homem-Aranha. Mas talvez seja um aprendizado que há beleza no pouco.
Valorizamos mais a história, os sentimentos, as atuações. Há público para isso, já que ‘O Culpado’ tem tudo para ser um sucesso absoluto na Netflix. E pode ter qualidade acima da média, como ‘Silent Land’ mostrou mesmo vindo de uma cineasta estreante. É preciso usar a criatividade. Agora, se isso vai realmente perdurar em Hollywood, fica para uma outra conversa.

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
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