‘Homem Onça’ dá nome e rosto para os reflexos da privatização no Brasil ‘Homem Onça’ dá nome e rosto para os reflexos da privatização no Brasil

‘Homem Onça’ dá nome e rosto para os reflexos da privatização no Brasil

Chico Díaz é a alma do longa-metragem, interpretando um homem prestes a perder seu emprego em uma estatal que acabou de ser privatizada

Matheus Mans   |  
30 de agosto de 2021 17:38
- Atualizado em 31 de agosto de 2021 17:01

O filme ‘Homem Onça’, que chegou aos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 29, atravessa décadas. A história sobre Pedro (Chico Díaz), o funcionário de uma estatal que vê a empresa ser desmanchada após desestatização, é inspirada na vida do próprio pai do cineasta Vinícius Reis.

Ele atravessou a Era das Privatizações no governo de Fernando Henrique Cardoso, no final dos anos 1990. Assim, foi retomado doze anos depois para, enfim, ser lançado no momento em que se discute a privatização dos Correios. “Fui anotando as coisas que meu pai me contava em um caderninho. Depois, em 2009, tinha o primeiro argumento do roteiro”, conta Vinícius, diretor de ‘Homem Onça’, em entrevista ao Filmelier.

‘Homem Onça’ mostra a queda de um personagem que incorpora elementos do brasileiro real (Crédito: Divulgação/Pandora Filmes)

“Isso mostra um pouco como a gente lida com nossos trabalhadores e trabalhadoras, com as nossas soberanias, com as nossas riquezas. A gente despreza isso. Estamos em um momento que está muito forte o desprezo ao Brasil. O filme levou tanto tempo para chegar em um momento em que os trabalhadores são descartados”, finaliza.

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Chico Díaz, ponto alto do longa-metragem em uma das grandes atuações de 2021, acompanhou todo o processo — segundo Vinícius, ele leu os primeiros tratamentos de roteiro e torceu pelo projeto inclusive quando este parecia que nunca ia sair do papel. Hoje, comemora o lançamento. “Somos amigos de longa data”, conta o ator ao Filmelier. “A trajetória do pai dele é um universo muito interessante, muito particular. É algo muito próximo, se não for o que é de mais sagrado, que é fazer essa homenagem ao devido pai”.

História de ‘Homem Onça’

Para contar essa história nas telonas, Vinícius se valeu de uma estrutura de roteiro apoiada em dois tempos diferentes, mas que conversam entre si. De um lado, o Pedro de ontem. Casado, pai de uma filha já na época da faculdade e que ama seu trabalho como gerente de sustentabilidade dessa grande estatal.

No entanto, durante esse período, vemos Pedro ir se deteriorando. Vai ficando preocupado com seu futuro, observa demissões em massa acontecendo. Será que sua equipe vai sobreviver? Será que ele vai manter seu trabalho? Do outro lado, há o que acreditamos ser o presente de Pedro. Ele já não vive com a esposa e a filha, mas com uma namorada. Trata seu antigo emprego na estatal como algo nostálgico, como algo que não é mais real — mas que foi muito bom algum dia.

O álcool foi uma das saídas encontradas pelo antigo gerente de sustentabilidade para passar por essa aposentadoria forçada. O tempo todo ele encontra uma liberdade exagerada, mostrada em belas cenas de motos e paisagens abertas. Mas será que era isso mesmo que ele queria?

“É um filme fundamentado em uma história real, apesar de ser uma fábula, falando de questões tão importantes como desemprego, mas também sobre família, afeto, a criação de uma filha, sobre futuro, ecologia, pequenos gestos que nos mantém unidos”, diz. “O arco do personagem é muito bem descrito, esse ser humano buscando entendimento sendo já maduro, já tendo uma noção de significado laboral, e que perde tudo isso. Nem precisaria ser uma estatal. Essa coisa da queda, da perda é um arquétipo muito profundo”.

E para isso, Chico Díaz é fundamental. Contracenando com sua então esposa, Silvia Buarque, ele mostra na tela uma figura que pode ser eu, você, meu pai, seu avô.

“Chico Díaz soube entender esse homem comum, esse homem médio. Ele entendeu a poética desse brasileiro”, diz o diretor. “A classe média brasileira sempre foi retratada com uma pegada que passa por uma caricatura, que passa pelo deboche. A gente ri desse homem comum, dessa forma de se espantar com o mundo. Isso sempre me incomodou”.

Para além da caricatura

Como resultado, assim, temos o filme nacional mais interessante de 2021 até agora — apesar de uma injusta esnobada no Festival de Gramado. Além desse personagem real e natural, também encontramos debates importantes na história. Tem a metáfora de Chico com a tal onça sem perder a sensibilidade (ainda que tenha certo exagero no didatismo). Tem o desenvolvimento desse personagem, sobretudo, mas também algum olhar sobre a família desse personagem. Ainda fala de alcoolismo, solidão e, é claro, desemprego.

Homem Onça
Filme alterna entre momentos distintos na vida de Pedro, personagem de Chico Díaz (Crédito: Divulgação/Pandora)

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“Quando você tem um gatilho e uma ideia interessante, as outras camadas não estão claras no início. Você puxa o fio e outras camadas vão aparecendo. A questão da volta à terra natal, por exemplo, é uma viagem muito comum. Aconteceu com o pai do Vinícius, comigo, com um monte de gente. As pessoas precisam voltar para algo que as acolha”, diz o protagonista. “Sempre há a busca pelo corpo que acolhe. Perdi alguém da família, quem vai me acolher? É uma estrutura arquetípica que não pensamos no roteiro, mas que está lá”.

Por fim, Chico Diaz sentencia: há algo de triste em ‘Homem Onça’, claro. Mas é mais do que isso. “É importante a gente falar que tem essa história triste, mas tem uma história de alta sensibilidade, de alto afeto, de resistência. Eu acho que é um filme otimista, apesar da curva do Pedro. É um filme-anúncio, é um filme-trincheira. Não é para baixar a autoestima de ninguém, mas para mostrar como nós fomos, como nós somos e como nós podemos ser. Ele chega em uma época fundamental, quando olhamos pra trás para olhar pra frente”.

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