Como a violência policial deu um novo significado para ‘A Lenda de Candyman’ Como a violência policial deu um novo significado para ‘A Lenda de Candyman’

Como a violência policial deu um novo significado para ‘A Lenda de Candyman’

Candyman ganha um novo filme, com a diretora Nia DaCosta, indo além do que é visto na história de terror de 1992

Matheus Mans   |  
26 de agosto de 2021 18:45
- Atualizado em 27 de agosto de 2021 17:36

Em 1992, comendo poeira no movimento do cinema de slasher, o filme ‘O Mistério de Candyman’ chegou com uma proposta sem invencionice. Era uma assombração (Tony Todd) que surgia após a vítima falar seu nome cinco vezes na frente do espelho — tal qual a Loira do Banheiro. Depois, matava todos pela frente com um gancho tomando o lugar da mão direita.

Agora, nesta quinta-feira, 26, a história volta como ‘A Lenda de Candyman’. Já não corre atrás de outros movimentos cinematográficos. Pelo contrário: acompanha de perto o sucesso de ‘O Homem Invisível’, colocando comentários sociais em cima de personagens que, antes, serviam apenas para assustar. Cria mais camadas na história e consegue surpreender.

Yahya Abdul-Mateen II é o protagonista do novo ‘A Lenda de Candyman’ (Crédito: Divulgação/Universal Pictures)

Mas, para falarmos mais sobre as mudanças, precisamos voltar para 1992.

‘O Mistério de Candyman’

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Dirigido por Bernard Rose, um cineasta ligeiramente conhecido na época por conta de ‘A Casa dos Sonhos’, o primeiro longa-metragem de Candyman chegou aos cinemas como uma aposta no escuro da TriStar Pictures. Adaptação de um conto de Clive Baker, ‘The Forbidden’, buscava surfar no sucesso já passageiro de ‘Sexta-Feira 13’ ou ‘A Hora do Pesadelo’.

Na trama, acompanhamos uma pesquisadora (Virginia Madsen, no auge da carreira), com foco em lendas e folclores urbanos, que descobre a “maldição de Candyman”. Para entender melhor o que é essa assombração, ela começa a visitar um conjunto habitacional, na periferia dos Estados Unidos, onde esse tal Candyman surge com seu gancho.

Não há desenvolvimento na história. Por 100 minutos, acompanhamos essa personagem de Virginia Madsen indo de lá pra cá tentando solucionar mistérios e se vendo cada vez mais afogada em problemas — afinal, Candyman acaba jogando suas atitudes em cima da personagem. Tentam dar uma história para o vilão, mas é algo apenas comentado.

No filme de 1992, Tony Todd encarna o papel do assustador Candyman (Crédito: Divulgação/MGM)

Nos bastidores, vale dizer que a experiência coletiva não foi tão positiva. Bernard Rose queria usar, de qualquer forma, abelhas reais nas cenas com Candyman. Todd foi picado quase 30 vezes (ganhando uma “reparação” de US$ 1 mil por cada picada) e Virginia Madsen viveu um terror: tinha alergia à picada, mas o diretor a rebateu e não quis considerar o problema da atriz.

Além disso, era um filme majoritariamente feito por pessoas brancas. Apesar de Candyman ter um passado inclusive com antepassados sofrendo com a escravidão nos Estados Unidos, vemos essa história pelos olhos de uma pesquisadora branca — é por meio dela que conhecemos a assombração, seus atos, seus desejos. E com um diretor homem branco nos bastidores.  

Depois do mistério, a lenda

Agora, tudo isso muda. Jordan Peele, conhecido por seus filmes ‘Corra!’ e ‘Nós’, pegou o projeto para si e, ao lado do produtor Win Rosenfeld (‘Infiltrado na Klan’), deu a primeira cara para o novo Candyman. Peele colocou a trama dessa figura para dentro da cultura negra americana. Deixou pra lá o desnecessário “whitewashing”.

Depois, ainda chegou uma mulher negra na direção e como roteirista em novos tratamentos da história: Nia DaCosta, do elogiado ‘Passando dos Limites’ e do vindouro ‘Capitã Marvel 2’. Com esse trio (DaCosta, Peele e Rosenfeld), a história de Candyman finalmente ganhou protagonismo. Ele deixa de ser apenas uma assombração para, enfim, ter sua própria história.

Na história, afinal, acompanhamos um artista plástico (Yahya Abdul-Mateen II) que vive uma crise criativa. Não sabe mais para qual lado correr, o que fazer com sua arte. Até que tenta tomar como inspiração a gentrificação do bairro. É aí que a trama de 1992 se interliga com a de 2021: a periferia de 30 anos atrás se tornou reduto de pessoas mais ricas agora. 

Puxando esse fio da gentrificação, do encarecimento de uma região e a expulsão dos pobres, o filme fala de violência policial, racismo e, acima de tudo, passa o sentimento que o Black Lives Matter vem traçando nos últimos tempos. É como se ‘A Lenda de Candyman’ fosse uma profusão dessas pautas, ainda com uma pitada dos conceitos de Malcolm X. 

Os acontecimentos observados nos últimos anos em todo o mundo, mas com foco nos EUA, deram ao Candyman a possibilidade de trazer novos olhares, leituras e possibilidades. Deixou de ser um assassino com um gancho na mão para ser algo com consistência. Dá medo ainda, claro. Mas não mais como antes: hoje, afinal, o medo está nas ruas. É de carne e osso.

DaCosta soube traduzir isso em cenas que não se furtam de cutucar a ferida. ‘A Lenda de Candyman’ é o reboot ideal, afinal homenageia o anterior (sem nunca esquecer de sua história), mas colocando significados para aqueles que chegam agora nessa franquia. A cena final é um grito, uma libertação que a fantasia pode criar para se espalhar por aí.

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