Na 45ª Mostra, dose dupla de Hong Sang-soo exibe encontros do cineasta Na 45ª Mostra, dose dupla de Hong Sang-soo exibe encontros do cineasta

Na 45ª Mostra, dose dupla de Hong Sang-soo exibe encontros do cineasta

Diretor sul-coreano está na programação do festival paulistano com ‘A Mulher que Fugiu’ e ‘Encontros’

Matheus Mans   |  
26 de outubro de 2021 12:58

Se há algum diretor que gosta de falar sobre a arte do encontro é o sul-coreano Hong Sang-soo. Prolífico, dificilmente fica mais do que um ano sem colocar algo nos festivais. Agora, na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que acontece até o dia 3 de novembro, chega em dose dupla: ‘A Mulher que Fugiu’, do ano passado e que teve o lançamento represado no Brasil, e o novo ‘Encontros’.

Os dois filmes, cada um à sua maneira, falam justamente sobre os encontros da vida — assim como seus desencontros, que surgem da maneira mais natural possível dentro dessas narrativas. É uma temática que, ainda que não contamine a obra de Sang-soo como os triângulos amorosos contaminaram as histórias de Woody Allen, predomina na sua filmografia.

Cena de A Mulher que Fugiu de Hong Sang-soo
Cena de ‘A Mulher que Fugiu’, que mostra essa jovem tentando respirar fora de um relacionamento (Crédito: Divulgação/Pandora Filmes)

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‘Certo Agora, Errado Antes’, um dos filmes mais conhecidos do coreano, fala sobre um  diretor de arte que, no tempo livre, conhece uma jovem artista. Já o celebrado ‘Na Praia à Noite Sozinha’ é mais direto ao mostrar a necessidade do reencontro na solidão da protagonista. O recente ‘O Hotel às Margens do Rio’, enquanto isso, vai pro encontro forçado versus o casual.

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É uma temática que está polvilhada por toda a obra de Sang-soo, com maior ou menor intensidade, mas que serve à narrativa das mais diferentes maneiras. Pode ser apenas para movimentar os personagens em um cenário (‘A Câmera de Claire’), para criar clímax (‘Certo Agora, Errado Antes’) ou até para provocar reação (‘O Hotel às Margens do Rio’). 

Novo e velho Hong Sang-soo

Agora, nessas duas novas produções do coreano, Sang-soo traz diferentes perspectivas. ‘A Mulher que Fugiu’, que saiu vencedor do Festival de Berlim, acompanha três atos de uma mesma mulher, interpretada pela atriz e musa de longa data do cineasta, Kim Min-hee. Ela parece estar sufocada em seu relacionamento e, nesses três momentos, busca escapar.

Como? Oras, pelos encontros. Primeiramente, visita uma amiga que se separou e que, agora, vive com outra mulher. Depois, ainda visita uma outra amiga solitária em um apartamento. Por fim, tem um encontro casual com uma conhecida num cinema — encontro, aliás, que diz muito sobre a relação do cineasta coreano com a atriz também fora das câmeras.

Já em ‘Encontros’, essa narrativa similar da obra de Sang-soo já fica evidente no título em português. Por aqui, o foco é Young-ho (Seok-ho Shin). Primeiro, tenta encontrar o pai, um médico acupunturista, mas é deixado esperando. Depois, vai de encontro à sua namorada na Alemanha. Pra fechar, encontra sua mãe em um almoço repleto de altos e baixos.

Há poesia, assim, na exibição desses dois filmes em um mesmo festival. A personagem de Kim Min-hee vê nos encontros uma possibilidade de escapar da realidade. Ela ainda não fugiu, como o título sugere, mas deseja escapar de tudo. Já Young-ho encontra os problemas a partir dos encontros: é o pai ausente, a namorada longe e o almoço complicado.

Vida de Hong Sang-soo

E o que faz dos encontros e desencontros uma obsessão de Hong Sang-soo? Apesar de ser um elemento que existe desde os primeiros filmes do cineasta, a temática ganhou corpo nos últimos anos — se pararmos para ver, ‘Hahaha’ (2010), ‘Como Você Sabe Tudo’ (2009), ‘O Filme de Oki’ (2010) e ‘Noite e Dia’ (2008) falam mais sobre relacionamentos.

O que mudou na vida de Sang-soo de lá pra cá foi um escândalo que tomou grandes proporções na mídia coreana. Em 2015, estourou um escândalo: o cineasta, casado com a mesma mulher desde os anos 1980, estava tendo um caso com Kim Min-hee. E como o adultério é crime na Coreia do Sul, começou a partir daí uma verdadeira peregrinação judicial.

O cineasta Hong Sang-soo viu sua vida entrar em um turbilhão desde a traição em 2015 (Crédito: Reprodução/Hong Sang-soo)

Primeiramente, o diretor tentou forçar a separação. Mas a esposa, com quem ele se casou em 1985, recusou-se a aceitar um acordo. Com isso, foi o próprio cineasta que abriu o pedido de divórcio. Só que, em 2019, um tribunal decidiu que o homem adúltero — no caso o próprio Hong Sang-soo — não poderia entrar com o pedido de divórcio do casamento.

Foi nesse período caótico da vida de Sang-soo que nasceu essa predileção pelos encontros e desencontros, sejam eles bons ou ruins. Além disso, desde ‘Certo Agora, Errado Antes’, de 2015 , Kim estrelou ou participou como coadjuvante dos filmes de Hong, com exceção de ‘Você e os Seus’, de 2016. Em todos, ela está em uma situação extrema ou embaraçosa. 

Transformação

O que mudou de 2015 para cá é a forma que a personagem de Kim lida com essas situações. ‘Certo Agora, Errado Antes’ fala sobre uma mulher que se envolve romanticamente com um diretor de cinema, enquanto ‘Na Praia à Noite Sozinha’ mergulha na história de uma atriz desempregada que ainda está em vias de colocar um ponto final no caso com um diretor. 

Hoje, as personagens (ou seria apenas personagem, no singular?) é diferente, parece estar tomando controle da situação — ainda que os homens atrapalhem o seu caminho. Em ‘O Hotel às Margens do Rio’, por exemplo, ela tem um amante que nunca aparece na tela e toma sua própria narrativa para si. Não é sequestrada por tramas de terceiros.

Cena de ‘A Mulher que Fugiu’, longa-metragem com Kim Mim-hee (Crédito: Divulgação/Pandora Filmes)

Mas ‘A Mulher que Fugiu’ talvez seja a apoteose de Kim sob essa ótica de Sang-soo: ela começa a fugir de um relacionamento de cinco anos em que nunca conseguiu ficar longe de seu marido — lembrando que o relacionamento com o diretor começou em 2015, cinco anos antes deste filme. Homens ainda atrapalham os seus desabafos, trazendo complicadores narrativos. Mas a liberdade, que também é vista rapidamente em ‘Encontros’, ganha mais corpo e vida.

Será que Hong Sang-soo finalmente está deixando essa narrativa pessoal e autobiográfica ir por novos caminhos? Faz sentido, já que é um cinema tão autoral, tão pessoal e que caminha conforme os sentimentos do cineasta sul-coreano. Talvez seja hora dos encontros ficarem no passado, assim como mágoas e traições, para descobrirmos um novo Hong Sang-soo.

Clique aqui para conferir a programação completa da 45ª Mostra.

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