‘Bad Luck Banging or Loony Porn’ é o retrato do mundo conservador ‘Bad Luck Banging or Loony Porn’ é o retrato do mundo conservador

‘Bad Luck Banging or Loony Porn’ é o retrato do mundo conservador

Longa-metragem, que está na programação da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, fala sobre hipocrisia generalizada

Matheus Mans   |  
19 de outubro de 2021 13:14
- Atualizado em 20 de outubro de 2021 10:48

A primeira cena de ‘Bad Luck Banging or Loony Porn’ (“Má Sorte Trepando ou Pornografia Maluca”, em tradução livre) já dá uma clara indicação do que vem por aí. Por três minutos, o longa-metragem, que levou o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2021 e que está na programação oficial da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, traz um casal fazendo sexo. Sem pudor, sem filtro, sem armação. É uma fita pornográfica amadora, de um casal se gravando como uma fantasia.

Logo depois, o filme, que ainda não tem título final em português ou data oficial para chegar aos cinemas brasileiros pela Imovision, traz três capítulos — todos intimamente ligados aos primeiros minutos. No primeiro, vemos Emilia (Katia Pascariu), a mulher nessa relação inicial, andando pelas ruas da Romênia. A fita, que assistimos logo de cara, vazou. Está na internet, está na mão das pessoas. A protagonista parece acuada e acusada pela própria cidade em que vive.

Cena de Bad Luck Banging or Loony Porn
‘Bad Luck Banging or Loony Porn’ se passa durante a pandemia do novo coronavírus (Crédito: Divulgação/Mostra)

Depois, dois capítulos experimentais. No meio, um glossário, em que o diretor e roteirista Radu Jude (‘Uppercase Print’) traz explicações centrais sobre o que está sendo contado e até mesmo detalhes sobre a própria sociedade romena — o termo mais buscado no dicionário virtual do país, por exemplo. Depois, pra terminar, de novo Emilia. Ela, que é professora, precisa encarar os pais de alunos em uma reunião que beira o absurdo. 

A genialidade de ‘Bad Luck Banging or Loony Porn

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E como isso fala sobre hipocrisia e sociedade conservadora, como falamos lá no título? Oras, justamente pelo sexo. Jude traz ao longa-metragem três camadas sobre a hipocrisia, divididas nesses capítulos mencionados: pela cidade, pela sociedade e pelas pessoas. A protagonista, afinal, está só mantendo uma relação com seu marido. Ainda assim, é julgada e precisa se justificar o tempo todo, como se tivesse cometido um verdadeiro crime.

Na cidade, arquitetura em formato fálico, a propaganda com sugestões sexuais e as estátuas nuas mostram que o sexo está por todo lado, sugestionado. No glossário, mostra como há um interesse das pessoas — talvez na intimidade, entre quatro paredes — em saber mais sobre sexualidade. Por fim, com o espectador já sabendo desse contexto urbano e social, enfrentamos de vez a sociedade nessa reunião do absurdo.

Jude cria um espetáculo tragicômico para expor esse cidadão médio, tão pequeno e contraditório. Com um tom farsesco, que fica ainda menos natural por conta da própria farsa de nossa sociedade, ‘Bad Luck Banging or Loony Porn’ mostra esses cidadãos acusando a professora de estar causando desconforto na família e com seus filhos ao invés de se preocuparem com o acesso quase sem limites de crianças à pornografia. 

Aos poucos, o cineasta aumenta o tom, deixando claro o absoluto cansaço dessa hipocrisia. O assunto, no terceiro ato, evolui a tal ponto que outras teorias malucas de conservadores vão surgindo — “é uma gripezinha”, “Hitler era judeu” e coisas do tipo. Isso sem falar de toda a criação cênica de Jude, pensada justamente para nos mostrar como essas pessoas são ignorantes: a forma como falam, a pretensa sabedoria, máscara no queixo.

Rapidamente, percebe-se como essa Romênia retratada nas telas por Jude parece uma espécie de epidemia global de conservadorismo ignorante. O personagem com a máscara no queixo o tempo todo pode ser encontrado em qualquer esquina de São Paulo. As falas ditas pelos romenos também estão na boca dos brasileiros, americanos, húngaros e por aí vai. É um “basta” do diretor, cansado dessa baboseira, da hipocrisia que se vê por aí. 

E qual a solução para isso? A cena final de ‘Bad Luck Banging or Loony Porn’, já histórica, mostra que às vezes precisamos usar nossas armas da maneira que for.

Cansaço no cinema

Vale ressaltar que, apesar de ser um filme muito político, acusatório e até mesmo com um certo bom humor na maneira que termina, percebe-se um cansaço de Jude. Ele, falando em bom português, está de saco cheio do blá-blá-blá dos conservadores. Em determinado momento, parece que o cineasta vai aparecer na tela e gritar: “será que vocês, acusando essa professora, não transam? Será que nunca fizeram o que mostra no vídeo?”.

Esse sentimento, que mistura uma revolta com um cansaço, é algo evidente no cinema de 2020 e 2021. O divertido ‘A Caçada’, por exemplo, é sobre essas contradições absurdas que existem na política, em que nenhum dos lados — pensando nessa sociedade polarizada que vivemos. Vemos o “ativista de Twitter”, por exemplo: mata pessoas, mas fica bravo se usam um termo errado ou se matam um rinoceronte na África. Bem típico.

Ainda que temporal demais, ‘2020 Nunca Mais’ ajuda a entender essa questão abordada superficialmente em ‘Bad Luck Banging or Loony Porn’: a hipocrisia social vista na pandemia, inclusive com os fortes efeitos políticos. Já ‘Yes, God, Yes’ mostra uma garota sendo reprimida sexualmente em uma colônia de férias da igreja, mas que ainda percebe como as pessoas que tentam reprimi-la não fazem o mesmo.

Ainda não dá para dizer que existe um movimento sobre o tema — ao contrário das histórias sobre caos social, por exemplo –, mas já dá para notar como é algo que está começando a ganhar espaço e atenção. Não podemos esperar que venha alguma resposta desses filmes sobre como lidar com tanta hipocrisia (ainda que a solução de Jude dê uma boa ideia). Mas é uma maneira de vermos como esse cansaço não é individual.

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