‘M8: Quando a Morte Socorre a Vida’ expõe abusos do racismo estrutural
Jeferson De é um dos cineastas mais interessantes em atividade no Brasil, depois de chamar a atenção com filmes como ‘Bróder’ e ‘Correndo Atrás’. Não é à toa que seu novo filme, ‘M8: Quando a Morte Socorre a Vida’, era um dos lançamentos nacionais mais esperados de 2020, ao lado de ‘Casa de Antiguidades’ e ‘Marighella’. E a expectativa se confirma com o lançamento do longa-metragem nesta quinta-feira, 3, nas salas de cinema.
‘M8: Quando a Morte Socorre a Vida’ conta uma história extremamente atual e urgente: a trajetória de Maurício (Juan Paiva), um estudante negro de medicina que precisa atravessar um grave processo de invisibilidade social e racial em um ambiente altamente elitista. Apenas eles e os funcionários da faculdade são negros. Isso sem falar dos corpos da aula de anatomia, sem nenhuma identificação. Quem são aquelas pessoas?
A partir daí, Maurício começa a questionar esse ambiente e toda a opressão de um sistema elitista. É um filme sobre o genocídio negro, mas também sobre a invisibilidade dessas comunidades e o apagamento da memória social. “É uma covardia o que fazem com a gente, preto e favelado. A gente tem que fazer tudo em dobro, buscando sempre o melhor. Ainda tem gente que boicota a gente”, diz Juan Paiva, em coletiva.
Estreia de ‘M8: Quando a Morte Socorre a Vida’
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Essa trama potente sobre racismo estrutural e invisibilização chega em um momento em que o assunto está entrando cada vez mais em pauta. Dessa forma, curiosamente, o atraso no lançamento do filme no começo de 2020 por conta da pandemia acabou beneficiando a potência da trama. “Muitos momentos no filme parecem cópias da realidade”, diz Jeferson De, na mesma coletiva de imprensa. “O que estamos vendo hoje é cruel demais”. A partir disso, em ‘M8: Quando a Morte Socorre a Vida’, o cineasta flerta com o “cinema de gênero”. Afinal, ao invés de apenas contar a história de Maurício enfrentando os desafios do dia a dia, o diretor e roteirista coloca uma pitada de ficção. O estudante negro de medicina acaba criando uma dinâmica própria com um dos corpos negros da aula de anatomia, como se fosse seu farol para um mundo cercado de preconceito e racismo. Jeferson De conta ainda que essa história surge de maneira natural, de maneira fluída com a filmografia. “A construção da narrativa é decorrente de projetos anteriores, como ‘Bróder’, que já estava nesse contexto de periferia, depois ‘Amuleto’, que flerta com o suspense e o terror e que fiz muitas experimentações técnicas. Me inspiro muito em Spike Lee e Martin Scorsese, que sempre revisitam a mesma história com um olhar diferente”. Por fim, apesar do tom sombrio do longa-metragem, o cineasta ressalta como algumas coisas estão mudando nas bastidores de produções importantes, sejam elas nacionais ou internacionais. “É preciso ver ações de como o antirracismo está sendo colocado em prática, principalmente atrás das telas”, diz Jeferson De, analisando o cenário. “O cinema parece um lugar de disputa e de poder. Ainda falta muito nessa caminhada”.
Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.