‘O Acontecimento’ reflete da forma mais bruta o peso do aborto e de ser mulher ‘O Acontecimento’ reflete da forma mais bruta o peso do aborto e de ser mulher

‘O Acontecimento’ reflete da forma mais bruta o peso do aborto e de ser mulher

Baseado na vida da escritora Annie Ernaux, o filme traz um retrato bruto e angustiante sobre uma mulher que busca interromper a gravidez na França dos anos 1960

8 de julho de 2022 11:19

O Acontecimento‘ é um dos filmes atualmente em cartaz nos cinemas brasileiros, depois de um curto período de exibição na edição 2022 do Festival Varilux de Cinema Francês. Ainda que ofuscado pelo lançamento de ‘Thor: Amor & Trovão’, a produção fala de uma questão que nunca deixa a mídia: o aborto.

Trata-se de uma adaptação da obra de Annie Ernaux, que conta experiência dela com o aborto quando isso ainda era ilegal, na França nos anos 1960. O filme traz uma história que mostra como a sociedade punia (e continua punindo) figuras femininas pelo simples fato de serem mulheres.

Elogiadíssimo no circuito internacional e ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza 2021, ‘O Acontecimento’ tem direção de Audrey Diwan – que foi indicada ao BAFTA e o César por seu belíssimo trabalho.

Anamaria Vartolomei levou o César de Melhor Atriz Revelação em 2021 por sua atuação em ‘O Acontecimento’ (Crédito: Divulgação/Wild Bunch)

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O filme coloca em voga como é difícil ser mulher

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Ser mulher é saber que constantemente vão fazer escolhas por você: o que vestir, estudar, comer, como manter seu corpo, como cortar o cabelo… e a lista só cresce. Desde criança, somos criadas dentro de uma caixinha e demora para criarmos consciência de que temos outras opções além das oferecidas.

Não importa se você nasceu mulher ou se tornou uma, nunca ficará mais fácil. Muito pelo contrário: parece que as coisas só ficam mais difíceis. A trama adaptada por Diwan capta exatamente a sensação de estar inerte perante às próprias vontades. A retórica se faz muito necessária neste texto.

Para nós mulheres passando pela vida adulta, o tópico gravidez tem um peso absurdo, que só aumenta quando penso na ilegalidade do aborto no Brasil. Grande parte das mulheres do meu ciclo social não pensam em ser mães, então é sim um problema não termos o poder de escolha sobre nossos próprios corpos. Apesar de estarmos em 2022, o longa em questão se passa nos anos 1960 e a sensação é que quase nada mudou.

A principal diferença é que a internet pode ser um grande aliado para buscar informações sem se expor e, no caso de ‘O Acontecimento’, é preciso recorrer ao boca-a-boca para conseguir alguma luz sobre como interromper a gravidez sem ser presa.

A sociedade ainda é retrógrada

Recentemente, veio à tona no Brasil um caso de uma menina de 11 anos que foi estuprada e foi impedida de realizar o aborto. A criança em questão sofreu linchamentos nas redes sociais. O mesmo aconteceu com uma atriz, de 21 anos, que deu o filho, fruto de um abuso sexual, para adoção.

Mesmo com dez anos de diferença entre as duas pessoas citadas, a resposta da sociedade foi a mesma. No discurso, é muito fácil defender ideias, mas como é vivenciar essas causas? Toda mulher já passou (vai passar ou tem alguma amiga que passou) um nervoso por estar com suspeita de gravidez, seja incidente sexual, por abuso ou imprudência.

‘O Acontecimento’ é baseado no livro de mesmo nome que relata a experiência da autora Annie Ernaux (Crédito: Divulgação/Wild Bunch)

E, de fato, passa um filme na cabeça com as tantas impossibilidades que nos oferecem e o peso da sociedade quando fugimos dessas opções. Como se isso não fosse o bastante, o sentimento de solidão é muito grande – não apenas pelo julgamento de quem nos rodeia, mas também porque raramente o homem precisa se preocupar com isso.

Em ‘O Acontecimento’, Anne (interpretada por Anamaria Vartolomei, que levou o César de Melhor Atriz Revelação em 2021) enfrenta sozinha a gravidez, a busca por uma forma de abortar e os meios para realizar o procedimento. Enquanto isso, o rapaz que a deixou grávida só consegue pensar na vida dele. É muito revoltante assistir e se colocar no lugar da protagonista.

Verdade seja dita: por mais que a figura masculina ainda se mostre presente, quem vai passar por tudo é a mulher, com seu corpo e seu psicológico. Só estando nessa posição para entender parte do sofrimento de Anne. É muito fácil julgar alguém que interrompeu a gravidez, parece até que a pessoa não terá aquilo em mente (ou a cicatriz) a vida inteira.

Claramente não deve ser uma escolha simples, mas, como já foi dito, não tem nada de fácil na vida de uma mulher – e sabemos que o filme e o livro retratam uma que ainda consegue romper a bolha e ir atrás do que quer. Sabemos que existem mulheres em circunstâncias muito piores.

O filme de Audrey Diwan é bruto, revoltante e necessário – porém causa uma sensação ainda mais angustiante quando se é uma mulher no Brasil, onde a realidade ainda se equipara à França dos anos 1960.

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