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'O Homem nas Trevas 2' e a sina do cachorro redentor
No segundo capítulo da franquia, o protagonista de 'O Homem nas Trevas' passa por um processo de redenção a partir da relação dele com um cachorro
Matheus Mans | 13/08/2021 às 15:52 - Atualizado em: 16/08/2021 às 19:27
O thriller ‘O Homem nas Trevas 2’, que chegou aos cinemas na última quinta-feira, 12, é uma diversão bem similar ao que vimos no primeiro longa-metragem. Novamente protagonizado por Stephen Lang (‘Avatar’), a produção é violenta e tensa, com uma atmosfera que consegue deixar qualquer um preocupado com o que vai acontecer na próxima cena.
No entanto, apesar do sangue que espirra na tela e a tensão com a história do homem cego (Lang) protegendo sua filha Phoenix (Madelyn Grace) de invasores em sua casa, há um elemento que salta aos olhos: os cachorros. O filme conta com dois cães aparecendo em momentos distintos: o rottweiler Shadow e um outro pitbull, de propriedade de um dos invasores.
Atenção: o texto a seguir pode conter spoilers sobre a trama de 'O Homem nas Trevas 2'.

Os dois cachorros, ainda que o pitbull também sirva para um propósito narrativo bem específico mais no final do filme, são o que chamamos de “muletas de roteiro”. Eles são elementos narrativos inseridos pelos roteiristas Fede Alvarez e Rodo Sayagues, que também assina a direção, para algo bem específico: provocar a redenção do personagem de Lang.
Afinal, em ‘O Homem nas Trevas’, o público descobre que o homem cego também é um estuprador, tentando em duas oportunidades abusar de duas personagens. Agora, nesta sequência, ele surge como um herói que defende a indefesa Phoenix. E isso é construído justamente pela relação do personagem com os cães, lamentando a morte de um e salvando outro.
Além de ‘O Homem nas Trevas 2’
Isso, obviamente, não é algo exclusivo. Há vários filmes que usam cães como escapes narrativos. Em ‘John Wick’, perdoamos toda a violência cometida pelo personagem de Keanu Reeves por conta da vingança pela morte do animal. Em ‘Eu Sou a Lenda’, aumentamos o vínculo com Will Smith por conta do cachorro da raça pastor-alemão que o acompanha.
Isso sem falar de filmes que se valem do cachorro para emocionar, fazer chorar -- afinal, lamentamos mais a morte de um ser indefeso do que de um ser humano. Um cachorro com seu dono é algo mais sensível do que uma pessoa sozinha. ‘Marley & Eu’, ‘Meu Amigo Enzo’, ‘Sempre ao seu Lado’ e ‘Quatro Vidas de um Cachorro’, por exemplo, miram nesse artifício.
É algo simples, quase instintivo. Tendemos a criar vínculos rapidamente com um animal mais indefeso -- como é o caso do “melhor amigo do homem”. Se um ser humano respeita aquele animal ou também cria novos vínculos com o cachorro, é mais fácil simpatizarmos com ele. Transferimos nosso carinho e preocupação com aquele animal para seu proprietário.
Em ‘O Homem nas Trevas 2’, essa “muleta” vai ao extremo. O personagem de Lang mostra carinho pelo rottweiler e chora copiosamente quando o animal é morto pelos vilões -- que reforçam o antagonismo pelo desrespeito aos cães. Depois, Lang traz de novo esse tom de redenção ao desistir de matar o pitbull, que tenta atacá-lo, e apenas o prende em casa.
São tentativas subsequentes de apagar as decisões e atos do personagem no filme anterior. Afinal, muda totalmente a característica de Lang, ressignificando sua existência dentro desse universo. O cachorro se torna um ponto central dentro da história, servindo como um meio de nos conectarmos com a luta do homem cego, mesmo de passado condenável.
Será que é válido?
Com isso, ‘O Homem nas Trevas 2’ traz uma questão que vai além do que se pode imaginar em um primeiro momento: será que é necessário fazer essa humanização forçada de personagens com desvios de caráter tão claros? Oras, o personagem de Stephen Lang cometeu atos horríveis no filme anterior, que são inclusive relembrados rapidamente na sequência.

Uma simples história dele se arrependendo, por exemplo, não bastaria para o público massivo perdoar seus atos e, ainda por cima, torcer para o que ele estava fazendo. Foi preciso inserir essa “muleta de roteiro” com os dois cachorros, numa dicotomia entre o carinho do cego e a violência aplicada nos animais pelos vilões, para entrarmos nesse embate de forças.
O cinema é um catalisador de ideias, de emoções, de sentimentos. Talvez, no atual momento em que estamos, não faça mais sentido criar redenções artificiais de personagens tão problemáticos. ‘O Homem nas Trevas 2’ seria consideravelmente melhor se tivesse seguido por um caminho em que o personagem de Lang continuasse sendo um vilão difícil de ser atingido.
É hora de deixar os cachorros fazerem o que sabem de melhor nos cinemas: emocionar e nos fazer rir, entre tramas mais leves, como aventuras e comédias, ou dramas intensos. Os vilões podem ter redenções, claro. Mas que sejam coerentes, bem feitas, e não se apoiem no carisma de um indefeso cachorro para conquistar a simpatia do público.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
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