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'O Último Duelo': uma história sobre machismo no século XIV que ainda é atual
O novo filme de Ridley Scott, baseado em uma história real, fala sobre uma mulher que foi estuprada e seu agressor se declarou inocente da acusação
Raíssa Basílio | 20/10/2021 às 14:22 - Atualizado em: 21/10/2021 às 17:29
Na última semana chegou aos cinemas brasileiros o mais recente filme do cineasta Ridley Scott ('Gladiador'), o épico 'O Último Duelo' - que traz Jodie Comer, Matt Damon e Adam Driver no elenco. O filme se passa no século XIV e narra os fatos - de uma história verídica - de uma mulher, Marguerite de Carrouges (Comer), que foi estuprada por Jacques Le Gris (Driver), que é um amigo de seu marido, Jean de Carrouges (Damon), o que resulta em um duelo mortal entre os dois homens.
Como vemos, é uma história sobre o machismo estrutural da sociedade - que, por mais que ocorra no passado, ainda soa bastante atual.
Inspirado no livro homônimo de Eric Jager, o longa-metragem mostra três versões do ocorrido a partir do ponto de vista dos envolvidos - assim como na obra de Jager. O roteiro, escrito por Nicole Holofcener, Ben Affleck e Matt Damon, recria os acontecimentos sob o olhar de Jacques, Jean e por último, Marguerite, que é dita como a dona da verdade na história.

Efeito Rashomon
'O Último Duelo' tem uma construção semelhante a do clássico de Akira Kurosawa, 'Rashomon' (1950), que também envolve uma mulher que sofreu um estupro e apresenta diferentes relatos do mesmo fato. O filme foi tão marcante que originou estudos sobre esse tipo de narrativa. O conceito, chamado Efeito Rashomon, só existe devido à obra de Kurasawa, que se resume em diferentes perspectivas de um mesmo assunto para chegar a uma conclusão - ou não.
A capacidade de Scott em adaptar uma narrativa tão complexa sem cair no tédio é surpreendente, até porque a produção tem quase três de duração. A personagem de Jodie Comer - que está impecável no filme - faz a denúncia do estupro ao marido, Jean de Carrouges, e ele leva ao tribunal, onde Jacques Le Gris se declara inocente da acusação. O foco disso tudo se resume aos dois homens, pois a mulher claramente não tem voz neste cenário.
“Realmente me impressionou como houve esse grande evento histórico em que os homens foram glorificados e havia tanto escrito sobre eles e essa mulher no centro de tudo, que foi aquela que passou por essa provação, teve tão pouco espaço. Ela simplesmente não estava presente ”, disse Comer à Variety enquanto promovia o filme.
Se atualmente é difícil incriminar um homem por estupro, imagina em 1396? Pegando um retrato mais próximo, que é o do Brasil, é comum depararmos com casos de mulheres - que mesmo com provas - não conseguem justiça e os agressores seguem em liberdade. No filme, o diretor discute bem a forma como Marguerite é vista perante seu marido, sogra, abusador, igreja e a sociedade como um todo.
A jovem é apenas um produto, que é facilmente colocado ao abate quando Jean de Carrouges decide que o único julgamento que pode provar o que realmente aconteceu é o de Deus.

Como se não bastasse o menosprezo a mulher, o acusado, Jacques Le Gris, era muito bem relacionado: ex-clérigo e tinha o apoio do nobre conde Pierre d'Alençon, que comandava a região em que eles moravam. Le Gris tinha tudo a seu favor, exceto a inocência.
Por conta disso é que Jean de Carrouges exige que o caso seja resolvido em um duelo, prática que já era pouco usual na época por ser tão arcaica.
“Eles, com razão, queriam fazer dela o herói. Eles queriam dar a ela o espaço e a oportunidade de falar sua verdade”, explicou Comer sobre a escolha dos roteiristas. "Ela queria lutar por justiça... Era quem ela era, o que é notável quando você pensa que sua vida estava em jogo, mas acho que é no que ela acreditava e lutava, o que é tão poderoso."
O último duelo, entre Jean e Jacques, consiste em uma luta até que um deles morra. Se Jean morresse, provaria que Jacques é inocente e Marguerite seria executada. Agora, se Jacques morresse, perante a justiça de Deus, seria culpado e a sociedade teria a prova de que Marguerite estava falando a verdade.
Em suma, Jean de Carrouges pensou no próprio orgulho, ignorando que a vida de sua mulher estava em jogo se por ventura não vencesse o duelo. E essa reflexão é muito bem inserida na trama, envolvendo também religião. Será que alguém arriscaria a própria vida para provar a verdade?
Um filme sobre representação feminina deveria ter mais mulheres em cena?
Talvez um dos deméritos de Ridley Scott tenha sido trazer uma história que foca tanto em mulheres e acabar dando mais destaque para os homens. A própria Jodie Comer chegou a citar que este evento histórico deixou Marguerite em segundo plano e 'O Último Duelo' passa essa impressão. Pode ser que tenha sido uma escolha da produção para nos transmitir exatamente para um período tão arcaico ou um deslize do roteiro?

O filme nos apresenta Matt Damon e Adam Driver logo no começo, em uma trajetória que começa como uma amizade que se torna uma rivalidade - isso antes mesmo de Jodie Comer entrar em cena. O mesmo acontece com outras personagens femininas, que são poucos marcantes e desenvolvidas - como a sogra e uma amiga de Marguerite.
Apesar disso, 'O Último Duelo' consegue desenvolver uma trama que presta uma denúncia a uma sociedade misógina e que consegue ser atual, em certos pontos. As cenas de estupro são bem chocantes, e uma mensagem de alerta sobre isso seria zeloso pois podem ser sensíveis para muitas mulheres.
Sobre o assunto, Ben Affleck, que também é co-roteirista do longa, disse à Variety que consultou a Rede Nacional de Estupro, Abuso e Incesto (RAINN) e o Instituto Geena Davis de Gênero na Mídia, organizações que forneceram "feedback útil durante todo o tempo, por isso estávamos atentos e sensíveis a como seria essa experiência deste filme para pessoas que passaram por eventos semelhantes em suas próprias vidas.”
O novo trabalho de Ridley Scott está em cartaz nos cinemas brasileiros. Se quiser saber mais informações de 'O Último Duelo', incluindo link para a compra de ingressos, clique aqui.

Jornalista de cultura e entretenimento. Já passou pelo Papelpop e UOL, escrevendo sobre cinema, música e TV, e também trabalhou com produção na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Foi redatora do Filmelier.

Jornalista de cultura e entretenimento. Já passou pelo Papelpop e UOL, escrevendo sobre cinema, música e TV, e também trabalhou com produção na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Foi redatora do Filmelier.
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