Crítica de ‘Os Rejeitados’ (‘The Holdovers’): a vida no galinheiro Crítica de ‘Os Rejeitados’ (‘The Holdovers’): a vida no galinheiro

Crítica de ‘Os Rejeitados’ (‘The Holdovers’): a vida no galinheiro

‘Os Rejeitados’ (‘The Holdovers’) é um dos filmes mais humanos e autênticos da temporada

Lalo Ortega   |  
16 de janeiro de 2024 09:03

Há um momento em Os Rejeitados (The Holdovers) – filme que estreou no Brasil em 4 de janeiro – em que o professor Paul Hunham (Paul Giamatti) responde a um aluno com uma metáfora fervorosa sobre a vida: “é como a escada do galinheiro, curta e cheia de merda”.

É o inverno de 1970 e Hunham está encarregado de um pequeno grupo de rapazes que, por uma razão ou outra, não podem voltar para casa e precisam passar as férias de Natal na Academia Barton, a prestigiosa escola interna de Nova Inglaterra onde estudam. Alguns são decentes. Outros, como o professor dirá mais tarde, são “pequenos degenerados com privilégios”.

“Curta e cheia de merda”, diz em referência ao filho de Mary Lamb (Da’Vine Joy Randolph, também maravilhosa), a chefe de cozinha da escola, que foi recrutado para morrer ingratamente no Vietnã porque não tinha dinheiro para ir à universidade.

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Mas, como o diretor Alexander Payne nos mostrará mais tarde – que retorna ao cinema seis anos após Pequena Grande Vida -, a metáfora vai muito além daqueles destinados a serem apenas mais um na pilha de cadáveres sobre a qual se constrói o privilégio, seletivo e alheio.

Sim, há um punhado de galinhas no topo da escada, cagando nas outras em áreas da vida tão diversas quanto a academia, a vida profissional, esportiva, familiar. O que interessa é como essas galinhas de baixo respondem a tanta merda.

Quem são os rejeitados?

Não muito tempo depois, os únicos que ficam presos em Barton são Paul, Mary e Angus Tully (o fenomenal estreante Dominic Sessa), um rapaz que foi, essencialmente, abandonado por sua mãe para ir em lua de mel com seu novo marido.

No início de Os Rejeitados, a relação entre professor e aluno é tensa. Hunham, excessivamente rígido, arrogante no tratamento e com o distintivo físico de ser vesgo, não é exatamente querido pelos alunos nem pelo restante do corpo docente. Angus, por sua vez, é irascível e impulsivo, inteligente, mas ameaçado de ser enviado para a academia militar, tendo sido expulso de outras três escolas.

Um casal estranho é o coração de Os Rejeitados (Crédito: Universal Pictures)
Um casal estranho é o coração de Os Rejeitados (Crédito: Universal Pictures)

Conforme o trio desconfortável se conhece, descobrimos outros significados para serem “os que se quedam”. Eles são, essencialmente, vítimas do acaso e da injustiça em suas formas mais caprichosas, caóticas, inexplicáveis.

A sorte daquele que foi excluído do exército por incompetência física é a maldição daquele que pôde portar o uniforme com orgulho e morrer uma morte absurda. Um olho desviado ou uma deficiência hormonal são fardos pesados, mas não tanto quanto o cruel destino de uma doença mental. Sempre há uma galinha no topo da escada, mas não será que também estamos cagando na que está abaixo de cada um de nós?

A direção de Payne, juntamente com as atuações fenomenais do trio principal, revela, pouco a pouco, as circunstâncias de cada personagem. Embora houvesse espaço para aprofundar ainda mais na faceta racial do assunto, Os Rejeitados é, em primeira instância, uma exploração das diversas formas que o privilégio, a marginalização e, por extensão, nossas diferenças mútuas assumem.

Mas mais do que apagá-las, é um filme que convida a encontrar terreno comum e dignidade apesar delas. Uma história que não teme enxergar as contradições e belezas dos seres humanos, e a possibilidade de encontrar conexão na solidão.

“A adversidade constrói caráter”

A grande beleza de Os Rejeitados reside no fato de que, além de sua maestria em revelar os conflitos e motivações de seus personagens nos momentos certos (o roteiro é de David Hemingson), nunca vai aos extremos. Nenhum é idealizado ou vitimizado além do que a autenticidade humana permite.

Paul, Angus e Mary não são nada além de humanos: quebrados, mas bondosos; horríveis, mas belos; cheios de virtudes, ressentimentos e contradições. Mas mesmo isso, por si só, não é suficiente para nos fazer simpatizar com eles.

Seus problemas devem parecer reais, tão terrenos quanto vitais, difíceis, mas nunca tanto a ponto de serem insuperáveis pela perseverança do espírito humano. Há, como diz Paul em uma inicial hipocrisia pedante, aprendizado na adversidade.

Os Rejeitados é, senão outra coisa, o melhor filme de Natal em anos (Crédito: Universal Pictures)
Os Rejeitados é, senão outra coisa, o melhor filme de Natal em anos (Crédito: Universal Pictures)

Isso é o que torna possível se conectar profundamente com um filme e, nesse sentido, Os Rejeitados é um dos mais belos em tempos recentes. Ou, pelo menos, é um entre aqueles que estão em pleno Natal. Se a vida e o tempo forem justos, se consagrará como um clássico da temporada, para ser assistido a cada ano ao menor sinal.

Mas algo que permanece é essa sensação de que não fazem mais filmes assim, ou estão se tornando cada vez menos (relegados pela obsessão de Hollywood por franquias), ou que cada vez mais vêm de outros países e são menos conhecidos.

“Não há nada de novo na experiência humana”, instrui Paul em um momento do filme. Mas, às vezes, os melhores filmes são aqueles que nos lembram o que significa ser humano.

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