‘Quo Vadis, Aida?’: o olhar de uma mãe sobre a Guerra da Bósnia ‘Quo Vadis, Aida?’: o olhar de uma mãe sobre a Guerra da Bósnia

‘Quo Vadis, Aida?’: o olhar de uma mãe sobre a Guerra da Bósnia

Longa-metragem indicado ao Oscar, ‘Quo Vadis, Aida?’ conta a história de uma mulher que luta para manter sua família unida durante o conflito que matou milhares

Matheus Mans   |  
19 de março de 2021 10:01
- Atualizado em 24 de abril de 2021 19:45

Foi em 2015 que chegou aos cinemas ‘Filho de Saul’. Dirigido por László Nemes, o filme húngaro conta a história de um prisioneiro de um campo de concentração que faz de tudo para dar um enterro digno para uma criança que se parece com o seu filho. É um filme forte, difícil de assistir. Não à toa, levou o Oscar de Melhor Filme Internacional do ano seguinte.

Agora, em 2021, temos um indicado que traz a mesma força para as telas. É ‘Quo Vadis, Aida?’ — algo como “onde você está indo, Aida?”, em tradução livre. Dirigido pela cineasta Jasmila Zbanic, o filme acerta onde ‘Filho de Saul’ errou. Aqui, a urgência é maior. A paternidade dá lugar à maternidade da protagonista, interpretada brilhantemente por Jasna Djuricic.

Cena do filme 'Quo Vadis, Aida?', indicado ao Oscar
Longa-metragem traz clima tenso e claustrofóbico dentro de uma unidade da ONU (Crédito: Divulgação/Synapse)

Na trama, enquanto isso, nada de enterro. Acompanhamos uma tradutora da Organização Mundial da Saúde (Djuricic) que vê a Bósnia entrar em colapso. O motivo? Servios estão invadindo o país, militarizando regiões e matando milhares, aos montes. Ela, dentro da ONU, vê que a esperança está se esvaindo. Precisa, de qualquer forma, salvar o marido e dois filhos.

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A partir daí, acompanhamos um filme que está o tempo todo atrás de Aida, essa tradutora tão preocupada com os seus. Ela sabe que se a família ficar do lado de fora daquele posto da ONU, os servois podem vir e matar todos. No entanto, dentro está lotado. Quase não há dignidade aos que estão ali. Não há espaço pra mais ninguém. Como colocar seus familiares?

Guerra da Bósnia sob um novo olhar

Esta é a primeira vez que um filme com esse olhar sobre a Guerra da Bósnia chega ao público. Afinal, em 2011, Angelina Jolie falou sobre amor com ‘Na Terra do Amor e do Ódio’. Essa guerra também ganhou tons americanos com ‘Bem-Vindo a Sarajevo’. A única boa representação foi em ‘Terra de Ninguém’, vencedor do Oscar de Filme Internacional. 

Agora, o que Jasmila Zbanic faz é colocar uma lupa sobre o conflito em uma história demasiadamente humana. O amor deixa de ser a paixão de Jolie e se torna aquele amor desesperado pela família. A ação fica nas palavras de Aida, na sua ânsia em proteger marido e filhos. Enquanto isso, soldados são coadjuvantes. A protagonista move a sua própria história.

É quase que uma contraposição ao que foi a Guerra da Bósnia, de fato. O conflito, que ocorreu entre 1992 e 1995, foi decorrente do fim da Iugoslávia, nação que agrupava o que viria a se tornar Sérvia, Croácia, Eslovênia, Montenegro, Macedônia e Bósnia e Herzegovina. Em 1991, Croácia, Eslovênia e Macedônia declararam independência, iniciando o fim da Iugoslávia.

Jasna Djuricic é a protagonista do filme, vivendo como a preocupada Aida (Crédito: Divulgação/Synapse)

Obviamente, líderes militares iugoslavos não aceitaram a decisão. Atacaram a Eslovênia por 10 dias. A Croácia, por quatro anos. A Bósnia e Herzegovina, nesse ínterim, também decidiu declarar independência. No entanto, a grande diversidade étnica existente no país causou uma verdadeira fragmentação. Cada etnia queria um novo rumo.

“Os bosníacos defendiam a independência total da Bósnia e a implantação de um governo encabeçado por bosníacos; os sérvios defendiam a anexação dos territórios bósnios onde a maioria da população era sérvia à Iugoslávia; e os croatas defendiam a anexação total da Bósnia à Croácia”, aponta o site História do Mundo, em um artigo que detalha o conflito.

Radovan Karadzic, representante dos sérvios na Bósnia, decidiu agir de maneira agressiva contra a população bósnia e ameaçou uma guerra caso o país declarasse independência — indo de encontro aos interesses da Iugoslávia. Foi em 1992, então, que tropas sérvias foram deslocadas para os arredores de Sarajevo e começaram a atacar os bósnios.

‘Quo Vadis, Aida?’ e o amor pelo próximo

Com isso, ‘Quo Vadis, Aida?’ surge como uma luz, mostrando a importância de estar com os seus. As pessoas, fora de onde fica a protagonista, estavam em constante enfrentamento. Eram vizinhos contra vizinhos, até mesmo amigos contra amigos. Típico de uma Guerra Civil, ainda que muitas autoridades até hoje discordem dessa tipificação para o conflito na Bósnia.

A separação da família da protagonista mostra a dor de um povo que vê seu país passar por uma profunda desunião (Crédito: Divulgação/Synapse)

Assim, Jasmila Zbanic atinge diferentes níveis de profundidade com sua história para falar sobre a História — essa mesma, com H maiúsculo, com opiniões diferentes do lado servo, croata e bósnio. Zbanic faz, antes de tudo, um filme-denúncia. Conta a história do Massacre de Srebrenica, tão deixado de lado pelos filmes e livros ocidentais. Mostra sua brutalidade.

Do outro, traz uma personagem tão marcante quanto Aida — sem dúvidas, uma das mais fortes do cinema em 2020. Uma mulher que quer abraçar os seus, estar ao lado de quem ama. No meio do caminho, ainda precisa lidar com a morosidade de funcionários da ONU, que novamente são motivo de decepção em um filme após o que foi exibido em ‘Sérgio’, longa da Netflix.

‘Quo Vadis, Aida?’, sem dúvidas, é um filme sobre amor e união. A guerra e o luto estão ali, como não poderia deixar de ser — afinal, não tem como romantizar uma tragédia como o Massacre de Srebrenica ou a Guerra da Bósnia em si. Mas o importante é que o amor está ali. E Zbanic, de uma maneira ou de outra, mostra com um olhar triste como precisamos amar.

Clique aqui para saber onde assistir a ‘Quo Vadis, Aida?‘.

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