“O mercado audiovisual não foi feito para nós”: diversidade em festivais é debatida no Fórum SPCine “O mercado audiovisual não foi feito para nós”: diversidade em festivais é debatida no Fórum SPCine

“O mercado audiovisual não foi feito para nós”: diversidade em festivais é debatida no Fórum SPCine

Durante o evento, integrantes de festivais como Mostra Internacional de SP e Perifericu falaram sobre inclusão e o seu impacto no audiovisual

13 de maio de 2022 15:08
- Atualizado em 16 de maio de 2022 10:15

Nesta semana aconteceu o 1º Fórum SPCine – Agenda de Retomada do Setor Audiovisual e, ao longo de três dias, foram realizadas diversas mesas de debate sobre o mercado. Dentre os temas, diversidade foi um dos principais focos – afinal, sabemos que o meio do cinema ainda está caminhando para melhoria nesse cenário.

O painel Eventos do Audiovisual e os Desafios da Promoção da Diversidade contou com a presença de Renata de Almeida (Mostra internacional de Cinema em São Paulo), Zita Carvalhosa (Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo), Rodrigo Grilo (FIANb – Festival Internacional do Audiovisual Negro do Brasil) e Well Amorim (Perifericu – Festival Internacional de Cinema e Cultura da Quebrada).

O cinema não só é uma mídia majoritariamente dominada por uma elite branca, masculina e cisgênero, como é também divisora de classes. Sim, de fato, as coisas estão mudando e espaços estão sendo construídos – o resultado disso são festivais como o Mix Brasil de Cultura da Diversidade, o Perifericu Festival Internacional, entre outros.

Cena do filme ‘Perifericu’, que deu nome ao Perifericu Festival Internacional de Cinema e Cultura da Quebrada (Crédito: Divulgação)

Durante a discussão do Fórum SPCine, Renata de Almeida falou sobre o papel da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Criada em 1977, durante a ditadura militar no Brasil, o evento pavimentou o caminho para muitas transformações no audiovisual.

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“O objetivo da mostra sempre foi a diversidade, ela nasce para trazer um outro cinema – que a gente pode até chamar de um cinema periférico mundial. Não é o cinema mainstream, mas a gente pode pensar como um cinema de parte do mundo que não tem seu espaço. Você tem filmes do Cazaquistão, Mongólia, Nigéria, filmes de Burkina Faso, representando como estão todos os lugares tem histórias importantes pra contar e tentando fazer essa ponte. Eu lembro muito de um exemplo que ficou muito marcado na Mostra foi o cinema iraniano”, disse Renata.

Com 43 anos de existência, a Mostra Internacional dá espaço para produções independentes – brasileiras e estrangeiras. “A Mostra é internacional e por muito tempo teve esse olhar voltado para o exterior, por ser um evento internacional. Mas também para o cinema brasileiro, eu acho que a militância e o conceito de diversidade tem mudado, muda toda hora”, completa a diretora.

“A militância e o
conceito de diversidade
tem mudado”.

Essa inclusão é importante. Entretanto, como tudo, é preciso muito cuidado e abertura para diálogos acerca disso. Afinal, em um âmbito onde que dá as regras não está necessariamente incluído em uma mazela marginalizada, podem ocorrer sub-representatividade.

Rodrigo Grilo, do Festival Internacional do Audiovisual Negro do Brasil (FIANb), comentou sobre isso ao discorrer sobre forma de pensar a inclusão.

“De que maneira essa diversidade pode ser silenciadora de processos singulares de constituição dessa diversidade? De alguma maneira a APAN (Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro) vem num sentido de constituir uma institucionalidade para ocuparmos esses espaços de visibilidade e começar a debater politicamente e conseguir afirmar é negociável dentro do fortalecimento do audiovisual brasileiro”, conta ele.

“A gente precisa entender essa revolução comunicacional da última década e como ela está entrelaçada com eixos fundamentais que a gente consiga ter acesso com essas tecnologias de comunicação narrativa, ocupação de espaços e discurso de representatividade, mas principalmente de interação e consumo para gente pautar o que estamos consumindo”, continua.

“Esse mercado demorou muito e ainda tenta lidar de uma maneira muito específica de compreender o público preto e da periferia como consumidor. E um consumidor que dentro da FINAB, um lugar pertencimento, com suas narrativas e essa ideia como um lugar revolucionário”, completa Rodrigo.

Fórum SPCine: Abertura 43ª Mostra Internacional de Cinema/São Paulo (Crédito: Divulgação/Natali Hernandes/agenciafoto)
Abertura 43ª Mostra Internacional de Cinema/São Paulo (Crédito: Divulgação/Natali Hernandes/agenciafoto)

Já Well Amorim, do Perifericu Festival Internacional de Cinema e Cultura da Quebrada, vai ainda mais longe no debate do Fórum SPCine e comenta que a representação vai além das telas.

“Não importa só ter o filme exibido. ‘Perifericu’ é um filme dirigido por quatro pessoas trans e elas não tinham o pronome respeitado [em festivais nos quais a produção foi exibida], então a gente não está falando só de inserção dos filmes na tela, mas de criação de um espaço seguro para que essas pessoas estejam presentes como realizadores e também como público”.

“Não estamos falando
só da inserção dos
filmes na tela”

Outro ponto é acessibilidade, o cinema feito e voltado para a sociedade periférica precisa de eventos voltados para isso. Não adianta cobrar um preço absurdo para atrair um público que não tem um poder aquisitivo para consumir.

Zita Carvalhosa, do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, diz também que para os cineastas que estão produzindo conteúdos diversos se inscrevam em mostras. Pois só assim terão uma maior visibilidade do que está feito que contempla diversidade.

“Se a gente pensar de dez anos pra cá, a gente tem um Brasil que mudou muito e essa representação no audiovisual, no lazer, na televisão, ainda está se construindo. Então a importância de surgirem novas propostas de eventos precisam ser compartilhadas.”

Rodrigo Grilo concorda, mas levanta outro questionamento no debate do Fórum SPCine: “Tem que ter cuidado com a coexistência porque senão a gente não olha para o problema mais profundo que é o racismo estrutural sistêmico também dessa indústria”.

Ele também analisa que “o mercado audiovisual que não foi feito para nós, para nossas narrativas mas isso perpassa o olhar curatorial, de onde passa o processo de aproximação com a linguagem cinematográfica de quem esta selecionando filmes para a Mostra.”

Em resumo, não é necessário repensar apenas os filmes selecionados, mas também quem está escolhendo. Por falta de espaço para curadores diversos é que nascem outros festivais, como os já citados Festival Internacional do Audiovisual Negro do Brasil, Mix Brasil de Cultura da Diversidade e Perifericu Festival Internacional.

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