Artigo: O streaming não quer ser mais refém do número de assinantes Artigo: O streaming não quer ser mais refém do número de assinantes

Artigo: O streaming não quer ser mais refém do número de assinantes

Enquanto o Disney+ diminui o ritmo de crescimento de sua base, preocupando investidores, a Netflix busca novas formas de medir o seu sucesso

16 de novembro de 2021 20:14
- Atualizado em 17 de novembro de 2021 18:41

No vermelho. É assim que podemos definir, nos últimos meses, o desempenho da Disney na Bolsa de Nova York. Depois do seu maior pico na história, em setembro, o grupo acumula quase 15% de perdas em seu valor de mercado. Isso em um momento em que os cinemas estão voltando após o auge da pandemia, assim como os parques de diversões. Porém, uma parte importante desse medo dos investidores tem nome e sobrenome: Disney+.

Sim, a plataforma de streaming por assinatura, que é a atual menina dos olhos do conglomerado por trás de Mickey Mouse, está sofrendo – mesmo tendo chegado, em apenas dois anos de existência, na marca de 118,1 milhões de assinantes em todo o mundo. Quando se somam os outros serviços do grupo, como Star+ e Hulu, esse número chega em 179 milhões de membros pagantes.

Culpa de uma casca de banana que todos os grupos envolvidos nesse mercado – começando pela Netflix, lá atrás – colocaram em seu próprio caminho.

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Calma, vou explicar.

Agora no mundo do streaming, a Disney tenta trazer o Mickey – e seus outros personagens – para cada vez mais pessoas em todo o mundo (Crédito: Flickr / Enrico Carcasci)

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Como se mede o sucesso de uma revolução?

O streaming é a maior revolução no conteúdo audiovisual desde o advento da televisão, na virada dos anos 1940 para os 1950. Afinal, não se trata apenas de um novo modelo de transmissão: é, também, uma mudança na forma como consumimos esse conteúdo e como os grandes grupos de mídia se relacionam com a gente, os consumidores.

Uma forma que, até agora, ninguém sabe ainda como medir e contabilizar.

Tudo isso foi iniciado pela Netflix, que lançou a primeira plataforma de streaming – na época chamado de “assista de forma instantânea” – em 2007. A empresa tem a sua origem nas startups do Vale do Silício, na Califórnia, e desde o começo usou a linguagem que os investidores desse tipo de negócio gostam: número absoluto de usuários pagantes.

Disruptiva como qualquer startup, a empresa de Los Gatos foi utilizando essa métrica para deixar claro para todos o quanto estava se tornando muito maior do que qualquer bolha. Em um mundo onde ninguém sabia como definir o sucesso ou o fracasso de uma iniciativa, contabilizar “membros” ou “famílias” que pagam pela assinatura se tornou o padrão.

Dessa forma, as marcas de 50, 100 e 200 milhões de assinantes da Netflix em todo o mundo foram muito celebradas. Hoje, são 214 milhões. Aos poucos, foram deixando os grandes grupos de mídia com ciúmes desse sucesso. “Se eles podem, por que eu não posso?” certamente deve ter passado na cabeça de algum executivo.

Sede da Netflix em Los Gatos, Califórnia: a empresa criou o padrão para a medição de sucesso no streaming - e virou refém da métrica (Crédito: divulgação / Netflix)
Sede da Netflix em Los Gatos, Califórnia: a empresa criou o padrão para a medição de sucesso no streaming – e virou refém da métrica (Crédito: divulgação / Netflix)

Quando o grupo fundado por Walt Disney entrou nesse mercado, fez exatamente o mesmo jogo. Focou no crescimento da base de assinantes, prometeu números agressivos para os investidores e mirou a sua arma de marketing para alcançar essas metas. Outros conglomerados concorrentes, como ViacomCBS, WarnerMedia (da AT&T) e NBCUniversal, foram pelo mesmo caminho.

A pandemia ajudou. O Disney+ alcançou muito rapidamente o número de 100 milhões de membros, enquanto as outras plataformas também foram muito bem em tempos de pessoas isoladas em casa e poucas alternativas de entretenimento. Os investidores ficaram felizes, comprando mais ações de Disney e Netflix – o que elevou o preço desses papeis e o valor das companhias, além, claro, do potencial de investimento.

Tudo lindo e perfeito.

O jogo virou

Só que a ressaca chegou. Primeiro causada pela própria reabertura do mundo neste momento da pandemia – que ainda não acabou, vale lembrar. As pessoas querem aproveitar o momento para curtir entretenimento fora de casa após meses trancados. O streaming fica em segundo plano.

Para piorar, o mercado dá alguns sinais de saturação. Há muitas opções do que assinar e do que assistir, isso em um momento onde há inflação – não só no Brasil, agravada por questões internas, mas também nos EUA e em outros países. Resultado: o bolso diminuiu e a competição pelo dinheiro aumentou. Esse cenário se agrava não só por conta da pirataria, mas também do chamado “password share” – quando os assinantes compartilham assinaturas uns com os outros.

Isso se reflete em uma clara limitação na expansão dessa base de assinantes. Afinal, o número de pessoas que podem (e querem) ter uma plataforma de streaming por assinatura é finito. Não dá para crescer para sempre, muito menos manter um ritmo forte nesse crescimento.

Para ter uma ideia, há estimativas que indicam que, em todo o mundo, quase 1 bilhão de pessoas assistem à Netflix por meio dessas 214 milhões de assinaturas – considerando uma média de quatro pessoas e meia por família ou que dividem a senha. O mundo tem, neste momento, 7,8 bilhões de habitantes, sendo 1,4 bi na China, país onde a plataforma não está disponível. Sobram 6,4 bi.

Um a cada seis pessoas, dentro desse universo, assiste ao streaming criado por Reed Hastings.

Quase 150 milhões de contas assistiram a ‘Alerta Vermelho’ no primeiros três dias após o lançamento (Crédito: divulgação / Netflix)

Claro, é possível expandir ainda mais. De acordo com o Statista, em 2019 a TV paga estava em 1,7 bilhão de casas em todo o globo. Ainda de acordo com o mesmo site, são 4,66 bilhões de usuários ativos na internet. Porém, desses, cerca de 3,1 bilhões já assistem a algum tipo de conteúdo no streaming, inclusive os gratuitos – considerando aí todos os seus formatos – ao menos uma vez por mês.

Por isso, o jogo começa a ser menos sobre atrair novos usuários para essa modalidade de consumo, e mais sobre reter os seus, aumentar horas de consumo e roubar os assinantes dos concorrentes.

Ao mesmo tempo, o vídeo sob demanda vira refém da fome que ele mesmo instigou. Mesmo que continue crescendo em um ambiente um pouco mais adverso, os investidores querem mais.

É exatamente isso o que acontece, neste momento, com a Disney.

Para dificultar esse cenário, o investidor de Wall Street começa a ter dúvidas sobre a estratégia do Disney+. É possível continuar investindo em conteúdos derivados nas mascas Marvel e Star Wars para sempre, com o mesmo fôlego?

Netflix: em busca de novas métricas

Se lá atrás a Netflix foi responsável por libertar esse Kraken, agora é ela quem busca alternativas. Na divulgação do último balanço trimestral, a empresa afirmou que estava estudando novas formas de contabilizar a audiência para além do número de assinaturas.

“Nós estamos buscando para uma forma de continuar crescendo de forma saudável, promovendo aquisição, retenção, mais visualizações e proporcionando mais alegria para nossos membros”, disse o Chief Financial Officer da Netflix, Spencer Neumann, na última conferência com investidores.

Além disso, a empresa esta se distanciamento de uma métrica que ela mesma criou – de medir audiência de filmes e séries pelo número de contas que assistiram a pelo menos dois minutos do conteúdo. Agora, a medida é por horas assistidas. Um novo ranking, inclusive, foi lançado nesta terça, 16.

“Nós acreditamos que o total de horas vistas é um indicador um pouco melhor do sucesso geral de nossos títulos e da satisfação dos membros”, disse a empresa em seu último informe financeiro, de outubro. “Isso também se enquadra em como serviços externos mensuram a audiência de TV e dá melhor crédito para quem assiste mais de uma vez.”

No lançamento do novo Top 10 com essa métrica, a companhia foi além: “Descobrir a melhor maneira de medir o sucesso em um serviço de streaming não é fácil, e não existe uma métrica perfeita”, afirmou Pablo Perez de Rosso, vice-presidente de Estratégia, Planejamento e Análise de Conteúdo, em um post no blog da empresa. “Medidas tradicionais, como bilheteria ou audiência (criada para ajudar os anunciantes a entender o sucesso na TV tradicional), não são relevantes para a maioria dos serviços de streaming, incluindo a Netflix.”

Um comparativo entre os rankings pela métrica antiga – do número de membros – e pela nova – por horas vistas, divulgado no balanço da Netflix. Repare que o Top 10 muda e privilegia conteúdos mais longos e/ou com mais episódios (Crédito: reprodução / Netflix)

“Essa é uma etapa importante para a Netflix, para os criadores que trabalham conosco e para nossos assinantes. As pessoas querem entender o que significa sucesso no mundo do streaming, e essas listas oferecem a resposta mais clara para essa pergunta no nosso setor. Esperamos que o novo Top 10 semanal da Netflix ajude os fãs a descobrir novas histórias e ficar por dentro dos temas em alta como, por exemplo, entender por que todo mundo começou a jogar xadrez ou quanto vale um won”, finalizou o executivo.

No entanto, a nova contabilidade já está levantando polêmica. Tudo porque ela beneficia conteúdos mais longos (tradicionalmente, séries de drama tem episódios de uma hora, enquanto comédias são de 30 minutos) e com mais episódios por temporada. Um filme de 90 minutos precisará ser 33% mais assistido que um longa-metragem de 120 minutos para superá-lo no Top 10, por exemplo.

Mas talvez o maior desafio não seja exatamente a divulgação da audiência dentro de uma plataforma, mas entre plataformas. Afinal, é como a TV tradicional faz há décadas: podemos comparar quem deu mais audiência, em uma medição feita no Brasil pelo Ibope e nos EUA pela Nielsen.

Ainda que não sejam programação lineares, seria interessante ter a mesma régua para o que está no catálogo de Disney+, Netflix, HBO Max, Amazon Prime Video e até para outros serviços de video on demand com modelos de negócio diferentes, como aqueles de aluguel e compra ou os gratuitos.

“Money talks”

Aos poucos, Wall Street vai começando a fazer aquilo que sempre fez com empresas com outros modelos de negócio: olhar para o balanço financeiro das empresas com atenção. No última divulgação da Netflix, por exemplo, as ações da empresa caíram por alguns dias porque ficou claro o alto gasto com conteúdos, ainda que a base de usuários tivesse aumentado mais do que o esperado.

Na Disney a situação é parecida: no último Disney+ Day, o grupo anunciou dezenas de novos filmes e séries para a plataforma. É um investimento pesado e, com um limite de crescimento surgindo no horizonte, faz sentido ter uma certa precaução com tamanho investimento.

Isso tudo somado cria uma “hora da verdade” para 2022 e 2023. Os próximos 24 meses serão importantíssimos para não só saber quem terá mais sucesso, mas também para descobrir formas mais saudáveis de demonstrá-lo.

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