Festival de Cannes para assistir em casa

É claro que não poderia faltar o vencedor de 2019 da Palma de Ouro, o principal prêmio do festival. Esta edição foi o início de uma jornada que transformou ‘Parasita’, do sul-coreano Bong Joon-ho, um fenômeno mundo que levou praticamente todos os prêmios -- incluindo o Oscar. Apesar de ser um emocionante thriller com dicas de humor sombrio, o filme ecoou em vários países por seu tema universal: a profunda desigualdade social e econômica.

Nesse mesmo ano, os cineastas belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne levaram o prêmio de melhor direção no Festival de Cannes. Fiel à sua filmografia anterior, ‘O Jovem Ahmed’ se prova como um filme difícil e incômodo, mostrando a frieza de um rapaz extremista ao mesmo tempo que acusam a sociedade de desampará-lo. Falta um pouco mais de sutileza, tão vista em outros filmes dos irmãos. Mas o resultado, ainda assim, traz luz à esse assunto delicado. E o mais importante: com o estilo realista, quase documental, dos dois cineastas.

Ainda em 2019, o cineasta Elia Suleiman levou o prêmio da crítica e a menção especial do júri no Festival de Cannes por conta da comédia ‘O Paraíso Deve Ser Aqui’. Na trama, o diretor traça paralelos entre a Palestina com outros países, como França e Estados Unidos. A partir disso, mostra como o mundo enxerga seu país de origem de maneira estereotipada, enquanto lugares “mais civilizados” fazem coisas brutais e não são condenados por isso.

Este poderoso filme brasileiro, dirigido por Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, venceu o prêmio do júri do Festival de Cannes neste ano acirradíssimo. Isso acabou colocando o longa-metragem em outro patamar de exibição e fez sua história, sobre um grupo de americanos que chega numa cidadezinha nordestina para caçar brasileiros, se tornar um poderoso exemplar do cinema nacional a circular pelos circuitos internacionais.

Já ‘Retrato de uma Jovem em Chamas’, queridinho francês de 2019, rendeu o prêmio de melhor roteiro para Céline Sciamma (do também premiado ‘Tomboy’). Na história, que transpira força e delicadeza, a roteirista e cineasta disserta sobre um romance entre duas mulheres, que vão se conhecendo enquanto um retrato é pintado. Aplaudido em sua exibição em Cannes, o filme de Sciamma também fez a limpa em vários outros festivais.

Depois da Palma de Ouro, o Grand Prix é considerado um "segundo lugar" na competição do Festival de Cannes. Assim, em 2019, o “vice-campeão” foi 'Atlantique', do diretor franco-senegalês Mati Diop. Lançado aqui no Brasil diretamente na Netflix, o longa-metragem conta a história de uma noiva em um casamento arranjado, enquanto seu verdadeiro amor decide emigrar pelo mar em busca de melhores oportunidades.

Desde 1978, a mostra Un Certain Regard é uma competitiva do festival, paralela de sua seleção principal, composta por filmes com estilos e narrativas não convencionais. Do diretor chinês Bi Gan, 'Longa Jornada Noite Adentro’ fez parte dessa seleção em 2018. É uma história misteriosa em duas partes que obscurece a linha entre sonho e realidade na busca de um homem para seu passado e cuja segunda metade foi filmada em 3D.

Na mesma mostra Un Certain Regard, mas em 2019, o filme brasileiro ‘A Vida Invisível’ ganhou o prêmio principal da noite. Dirigido por Karim Aïnouz e produzido por Rodrigo Teixeira, o longa-metragem emociona com a história de duas irmãs que são tragicamente separadas por uma série de acontecimentos ambientados num Rio de Janeiro do passado. Acabou sendo o escolhido para representar o Brasil no Oscar, mas não foi indicado.

O cineasta japonês Hirokazu Kore-eda, um dos favoritos do Festival de Cannes, finalmente conquistou a Palma de Ouro em 2018 pelo poderosíssimo drama ‘Assunto de Família’. O filme, que reafirma a potência atual do cinema asiático, segue uma família que vive em condições precárias e sobrevive roubando lojas. No entanto, a crua verdade sobre seus laços familiares é revelada quando eles decidem resgatar uma menininha abandonada.

Já em 2018, o astro Gael García Bernal levou seu segundo trabalho como diretor para fazer uma estreia especial em Cannes. O longa é uma proposta inserida no cinema mexicano, influenciada pelo neorrealismo, para retratar as duras condições de vida de muitos cidadãos do México, abordando questões como desigualdade econômica, crime e violência doméstica. Uma mistura de duras reflexões com alguns flashes de comédia despretensiosa.

Vencedor do prêmios de melhor atuação pelo trabalho de Marcello Fonte, o drama italiano ‘Dogman’ trouxe uma potência interessante para a competição de 2018. O filme, que traz um ar pouco conhecido da Itália, mostra o submundo do crime no qual o dono de um pet shop tenta ficar longe de problemas ao mesmo tempo que se envolve com o mundo do crime. Destaque para os cachorros do filme, que ganharam o prêmio Palm Dog de Cannes.

Sensação do Oscar em 2019, sendo indicado em Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Direção e Melhor Fotografia, ‘Guerra Fria’ também fez sua carreira em Cannes. O longa-metragem, filmado em preto-e-branco pelo cineasta Paweł Pawlikowski (do forte ‘Ida’), saiu com o prêmio de direção do festival. Na história, acompanha-se o desenvolvimento do relacionamento de um diretor musical e de uma cantora em plena década de 50, na Polônia.

Este triste drama libanês, que foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, fez uma brilhante carreira em Cannes, em 2018. A cineasta Nadine Labaki levou uma série de prêmios paralelos da competição e o prêmio do júri na exibição principal. E não é pra menos: a história, sobre um garoto que decide processar seus pais por existir, traz uma carga dramática forte, difícil de ser contornada. Filme que chega ser doloroso.

Este exemplar do cinema sul-coreano também fez barulho durante sua passagem em Cannes. Ainda que tenha saído de mãos vazios na indicação à Palma de Ouro, o longa-metragem provocou reações acaloradas na plateia com uma trama pouco convencional e brinca com os limites da narrativa. É um filme curioso, quase como um caldeirão em ebulição, que vai colocando o espectador no centro de um caos narrativo.

A relação entre o Festival de Cannes e o cineasta dinamarquês Lars von Trier tem sido peculiar, desde um incidente durante a apresentação de ‘Melancolia’ em 2011. Em 'A Casa que Jack Construir’, ele volta ao festival com a história provocativa de um serial killer. Mais do que um novo filme do cineasta, o longa é um manifesto artístico. Mesmo que não tenha sido apresentado nas equipes competitivas, teve sua estreia mundial na Riviera Francesa.

Em 2018, a Quinzena de Realizadores teve entre suas seleções o segundo filme do cineasta greco-canadense Panos Cosmatos (diretor de 'Além do Arco-Íris Negro’'). Entre sequências psicodélicas, sangue, seitas obscuras, demônios motociclistas e duelos de motosserra, ‘Mandy’ é um pesadelo cósmica insano estrelado por Nicolas Cage no auge de suas habilidades histriônico. Filme diferenciado, que saiu do festival com opiniões divididas.

A grande Agnès Varda, a "avó" do cinema francês Nouvelle Vague, apresentou um filme fora da competição do festival de Cannes de 2017 e que viria a se tornar o seu penúltimo documentário, feito com o artista visual JR. Merecedor do prêmio de documentário do festival, ‘Visages, Villages’ é uma jornada que celebra as diferentes maneiras de viver em toda a França, a partir das diferentes faces e realidades que povoam o País europeu.

Este filme peculiar, indicado à Palma de Ouro de 2017, foi a consolidação do cinema dos irmãos Safdie (do posterior ‘Jóias Brutas’). Aqui, eles se valem de uma atmosfera claustrofóbica e vibrante para contar a história de um rapaz que quer tirar seu irmão da cadeia. Destaque, principalmente, para a atuação alucinada de Robert Pattinson (da saga ‘Crepúsculo’), que entregou um dos papéis mais coesos e poderosos de sua carreira.

A Palma de Ouro do Festival de Cannes de 2016 foi para Ken Loach por 'Eu, Daniel Blake'. O filme, uma crítica poderosa à burocracia do governo britânico, conta a história de um carpinteiro que deve solicitar uma pensão do governo pela primeira vez em sua vida após um ataque cardíaco. Juntamente com uma mãe solteira de dois filhos, ela decide fazer uma cruzada para manter sua dignidade contra um sistema desumano e burocrático.

Neste período, o cinema árabe também voltou a ficar em evidência. No caso, com o sucesso do longa-metragem ‘O Apartamento’. Dirigido por Asghar Farhadi, o filme mostra a relação de um casal depois que a esposa é agredida dentro de sua própria casa. É um filme forte e reflexivo, que acabou faturando o prêmio de melhor atuação para Shahab Hosseini e melhor roteiro -- sem falar, é claro, da indicação do longa-metragem para a Palma de Ouro.

Estrelado por Elle Fanning, 'O Demônio Neon’' marcou o terceiro longa-metragem do dinamarquês Nicolas Winding Refn que concorreu à Palma de Ouro (precedido por 'Drive' e 'Only God Forgives'). Ele não venceu o prêmio principal, mas seu conto de fadas ácido permaneceu uma das produções mais populares do diretor e uma das mais incomuns na filmografia de seu protagonista. Vencedor do prêmio de melhor trilha original de Cannes.

Diretor de 'Ferrugem e Osso’, Jacques Audiard venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2015. O filme foi 'Dheepan', a história de um guerrilheiro que foge da guerra civil no Sri Lanka. Para tentar sobreviver, ele acaba se juntando com outros dois estranhos, uma mulher e uma menina. Assim, faz de conta ser sua família para procurar asilo na França. Lá eles esperam encontrar uma vida melhor, apesar da violência nas margens da sociedade.

O cineasta canadense Denis Villeneuve ('A Chegada’, ‘Incêndios’'), apresentou na competição oficial de Cannes um thriller mais comercial, embora não menos intenso e visualmente poderoso. ‘Sicario: Terra de Ninguém’ segue a história de uma agente idealista (Emily Blunt, excelente) do FBI enviada com uma força especial para erradicar um cartel de drogas. Ao chegar lá, porém, ela descobre que há mais interesses obscuros em jogo.

Um dos filmes mais polêmicos dos últimos anos em Cannes. Afinal, ainda que o longa-metragem francês tenha vencido a Palma de Ouro, a produção foi cercada de polêmicas por conta de um suposto abuso do diretor Abdellatif Kechiche com as duas atrizes principais, Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux. Não é à toa que, pela primeira vez na história da competição, a Palma de Ouro foi compartilhada entre diretor e as atrizes.

Cercado de preconceitos, o cinema indiano raramente aparece em premiações. Por isso, foi uma boa surpresa o filme ‘The Lunchbox’ no circuito paralelo do festival, em 2013. Protagonizado pelo falecido Irrfan Khan, o longa-metragem aposta numa história delicada e sutil para mostrar o relacionamento de um homem solitário com uma dona de casa por meio de um erro no sistema de maritas indianos. Virou um fenômeno absoluto em todo o mundo.

Depois dos também premiados ‘A Fita Branca’ e ‘Caché’, o cineasta Michael Haneke venceu a Palma de Ouro com o triste e potente ‘Amor’. Falando sobre velhice, carinho e morte, o filme é firme ao retratar a história de um casal de idosos que veem o Mal de Alzheimer atingir seu relacionamento. Difícil não se impactar com algumas cenas do filme, que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e garantiu indicação à Emmanuelle Riva.

Após ‘Magnólia’, todo mundo queria saber o que Paul Thomas Anderson iria dirigir. Um drama? Qual a história? E foi numa coletiva de imprensa em Cannes que ele anunciou que iria dirigir uma comédia protagonizada por Adam Sandler. Algo que veio a se concretizar em 2002, com a comédia dramática ‘Embriagado de Amor’. Levou o prêmio de direção e mostrou que Sandler e Paul Thomas Anderson formam uma dupla inusitada, mas potente.

Com uma duração que deve afastar algumas pessoas, passando das três horas, o longa-metragem ‘Winter Sleep’ levou a Palma de Ouro de 2014 com uma história minimalista sobre uma família, dona de um hotel, preso no lugar por conta de uma nevasca. Destaque ainda para a direção de Nuri Bilge Ceylan, simples e potente, que ajuda a colocar camadas nessa história que poderia passar desapercebida e entendida como simplória.