Goste ou não, ‘A Menina que Matou os Pais’ dá pontapé inicial nos filmes sobre crimes reais no Brasil Goste ou não, ‘A Menina que Matou os Pais’ dá pontapé inicial nos filmes sobre crimes reais no Brasil

Goste ou não, ‘A Menina que Matou os Pais’ dá pontapé inicial nos filmes sobre crimes reais no Brasil

Dois longas-metragens no Amazon Prime Video falam sobre assassinato cometido por Suzane von Richthofen

Matheus Mans   |  
23 de setembro de 2021 18:42
- Atualizado em 24 de setembro de 2021 19:22

Qual o problema de um filme sobre um crime real cometido no Brasil? Antes mesmo da estreia oficial nesta sexta-feira, 24, as produções ‘A Menina que Matou os Pais’ e ‘O Menino que Matou Meus Pais’, exclusivas do Amazon Prime Video, estão tendo uma recepção mista por parte do público. É comum ver, em redes sociais, pessoas reclamando da existência de um filme sobre Suzane von Richthofen e a atenção que está recebendo. 

E o argumento sempre transita entre as mesmas falácias de sempre. Alguns dizem que Suzane vai receber dinheiro por conta dos dois filmes, já que falam sobre o crime cometido por ela e pelos irmãos Cravinhos contra os pais da garota, Manfred e Marísia von Richthofen. Outros alegam que as produções, que mostram as versões sobre o crime de Suzane e dos irmãos, estariam dando uma publicidade desnecessária para os três criminosos.

Cena de A Menina que Matou os Pais
Recriação de momentos registrados por câmeras de televisão por todo o país é apurada (Crédito: Divulgação/Amazon Prime Video)

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Isso tudo, porém, não passa de “síndrome do vira-lata”, como muito bem anotou Nelson Rodrigues ao descrever essa necessidade do brasileiro em se reduzir frente aos estrangeiros. Primeiramente: Suzane não vai receber dinheiro algum, muito menos os Cravinhos. Os dois longas, roteirizados por Raphael Montes e Ilana Casoy, foram escritos a partir dos documentos e das versões contadas pelo trio em juízo. Não há material vindo deles. Nada.

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Já quem fala que é desnecessário falar sobre crimes, precisa fazer uma reflexão mais aprofundada e entender se, na verdade, essa opinião não é apenas hipocrisia misturada com a tal síndrome diagnosticada por Nelson. Afinal, nos Estados Unidos, chovem filmes sobre crimes reais: ‘Zodíaco’, ‘Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal’, ‘Monster: Desejo Assassino’ e até ‘Psicose’. Na Europa, mesma coisa, com o forte ‘O Bar Luva Dourada’.

Isso sem falar dos filmes documentais, que não deixam de ser entretenimento. Na Netflix, nos últimos anos, não faltaram documentários sobre crimes e criminosos na vida real — e, geralmente, fazendo grande sucesso na plataforma. Apenas para refrescar a memória com alguns bons exemplos, ‘Cenas de um Homicídio: Uma Família Vizinha’, ‘Homicídio na Costa do Sol’, ‘Por Que Você me Matou?’ e a série de Madeleine McCann.

E os crimes brasileiros?

Enquanto o mundo celebrava e assistia aos filmes americanos e europeus sobre crimes reais, pouca coisa acontecia no Brasil. Em um passado bem distante, o cineasta Rogério Sganzerla deu sua versão sobre um famoso e sempre lembrado criminoso brasileiro: ‘O Bandido da Luz Vermelha’. Virou um clássico cult, mas sem qualquer apelo popular. Afinal, assim como o restante da filmografia de Sganzerla, há algo de experimental nesse filme.

‘O Bandido da Luz Vermelha’, clássico brasileiro cultuado, conta a história do memorável assassino (Crédito: Reprodução)

Mais recentemente, outros dois criminosos ganharam a atenção: os irmãos canibais, caçados pela polícia no interior do Brasil, em ‘Macabro’. No entanto, pela pouca notoriedade do filme e a qualidade abaixo da média do longa-metragem, foi pouco comentado. Ainda há as séries criminais que também fazem sucesso na Netflix, como ‘Investigação Criminal’ ou até mesmo o sucesso instantâneo ‘Elize Matsunaga: Era uma Vez um Crime’.

Assim, pode-se dizer que ‘A Menina que Matou os Pais’ e ‘O Menino que Matou Meus Pais’ são, em conjunto, as duas primeiras grandes apostas de produtoras brasileiras em seguir os passos do que se faz no cinema americano há décadas. E usando um dos crimes mais notáveis do país: o assassinato de Manfred e Marísia von Richtfhofen pelas mãos da filha, Suzane, e dos irmãos Cravinhos — sendo Daniel namorado da garota.

Atenção de ‘A Menina que Matou os Pais’

O assassinato cometido por Suzane von Richthofen e Daniel e Cristian Cravinhos não é algo que chama a atenção apenas agora, tampouco é o primeiro produto cultural desenvolvido a partir do caso. Primeiramente, há de se destacar como ainda há um interesse do brasileiro sobre a vida de Suzane. Sempre que ela sai da cadeia, há notícias. Sem falar de quando ela resolve falar, como a histórica entrevista para o Gugu na Record TV.

Na literatura, já são dois livros sobre ela. Um ficcionaliza a investigação ao redor do crime, criando o personagem do investigador que precisa entender o que aconteceu: é o excelente ‘Richthofen’, do autor Roger Franchini. Já ‘Suzane: Assassina e Manipuladora’, de Ullisses Campbell, é um livro mais problemático. Afinal, o autor foge de padrões jornalísticos e cria diálogos até entre Manfred e Marísia — ambos, é claro, já mortos.

Não é pouca coisa. Por isso faz tanto sentido, agora, colocar um ponto final nessa discussão e ter dois longas ficcionais — talvez falte apenas uma série documental como a de Elize Matsunaga, não é mesmo? ‘A Menina que Matou os Pais’ mostra a versão dos irmãos Cravinhos, interpretados por Leonardo Bittencourt (‘Malhação’) e Allan Souza Lima (‘O Mar de Helena’). Já ‘O Menino…’ mostra a versão de Suzane, vivida por Carla Dias (‘O Clone’).

Foi a maneira que a produtora do longa-metragem encontrou de colocar as duas versões contadas em juízo: a de Suzane, que diz que foi manipulada por Daniel, e a dos irmãos Cravinhos, que falam que Suzane teve a ideia do crime e os incentivou a matar Manfred e Marísia. Sinceramente, não precisava de duas produções assim: uma única, com um pouco mais de ousadia do diretor Maurício Eça, já funcionaria bem.

‘A Menina que Matou os Pais’ é bom?

Enfim, agora vamos falar sobre a qualidade dos dois longas. Maurício Eça, que dirigiu anteriormente os dois filmes inspirados na novelinha infantil ‘Carrossel’, claramente tinha um desafio em mãos. Afinal, havia essa questão de ter duas versões da história para contar — o que foi resolvido com dois filmes, o que é uma decisão um tanto quanto questionável — e o problema de retratar o íntimo e o cotidiano da família von Richthofen.

Não é uma tarefa fácil reconstruir essa vida. Afinal, Suzane está presa e fala pouco sobre seu passado. Marísia e Manfred morreram. E Andréas, irmão de Suzane, nunca mais apareceu em público e nunca falou do ocorrido da fatídica noite. Tudo que sabemos sobre a vida privada dos Richthofen e dos Cravinhos foi contado a partir deles e de alguns outros depoimentos que atravessam o cotidiano dos dois, como o da empregada e de conhecidos.

Carla Diaz e Leonardo Bittencourt interpretam o casal responsável pelo assassinato (Crédito: Divulgação/Amazon Prime Video)

Pior: como construir a personalidade desses personagens? O modo de agir, de falar, de interagir. Felizmente, os atores dos pais estão bem em cena — Leonardo Medeiros e Vera Zimmermann como os pais de Suzane e Augusto Madeira e Débora Duboc como os irmãos Cravinhos. E ainda que Carla Diaz exagere um pouco na atuação, principalmente em ‘A Menina…’, não atrapalha. Dá para acompanhar e acreditar no que está acontecendo.

A única dúvida final, e que volta ao assunto de ser o primeiro grande filme sobre criminosos brasileiros, é: foi tão ousado quanto deveria? Ambos os filmes não são potentes como deveriam, ainda que recorram a uma ou outra cena de nudez para buscar essa pretensa ousadia. Eça tira o pé na morte dos pais, evita cenas mais polêmicas e nem deixa claro o que aconteceu no ato do assassinato, quando os Cravinhos acharam que os pais estavam vivos mesmos após a violência.

Será que não poderia ter ousado mais, chocado mais? Não precisaria ser ‘O Bar Luva Dourada’, mas poderia ter provocado mais. Uma adaptação do livro ‘Richthofen’, que ficcionaliza a investigação, poderia ter sido até mais interessante. Daria, inclusive, para construir as duas narrativas em cima da tal investigação, sem precisar de dois filmes. Havia muitas possibilidades, ousadias, criatividades. Mas Eça resolveu jogar no seguro e fazer um relato.

No final, percebe-se que ‘A Menina que Matou os Pais’ e ‘O Menino que Matou Meus Pais’ não são ruins. Mas também não são bons. Parece que não avança. Só marca sua posição como um dos pioneiros em ficcionalizar um crime de repercussão nacional. E isso, além de ser um pouco frustrante, pode dar munição para essas pessoas que desgostam antes mesmo de assistir ao filme. Mas fica, enfim, a torcida para que haja mais produções assim. Afinal, há público e histórias o suficiente para isso.

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Já aqui você tem mais detalhes e o link para assistir à outra versão, ‘O Menino que Matou Meus Pais’.

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