Indígenas, maternidade, Brasil: as facetas de ‘Acqua Movie’, filme de Lírio Ferreira Indígenas, maternidade, Brasil: as facetas de ‘Acqua Movie’, filme de Lírio Ferreira

Indígenas, maternidade, Brasil: as facetas de ‘Acqua Movie’, filme de Lírio Ferreira

Longa-metragem, que é continuação do cultuado ‘Árido Movie’, fala sobre a relação de mãe e filho em uma viagem de carro pelo Brasil

Matheus Mans   |  
10 de junho de 2021 10:26
- Atualizado em 11 de junho de 2021 14:29

O cineasta Lírio Ferreira se tornou queridinho da comunidade cinéfila quando ‘Árido Movie’, um típico “filme de estrada” de 2005,  ganhou status de cult. Caiu nas graças do público alternativo com a história de um jornalista (Guilherme Weber) que retorna para sua cidade-natal para o enterro do pai. Ele, na viagem, se apaixona, sofre, encanta. Enfrenta a vida.

E é nos últimos minutos do filme que vemos a personagem de Giulia Gam, par romântico com o protagonista, grávida. Na época não sabíamos, mas aquela barriga já era a semente para que, dezesseis anos depois aos cinemas a sequência espiritual do longa. É ‘Acqua Movie’, em cartaz na tela grande a partir de hoje (10). Ferreira volta na direção, assim como Weber reprisa rapidamente o seu personagem. 

Cena de Acqua Movie com Alessandra Negrini
Alessandra Negrini é a protagonista do filme ao lado de Antonio Haddad Aguerre (Crédito: Divulgação/Imovision)

No entanto, de resto, tudo é diferente. O árido dá lugar à água e esperança que nascem do Rio São Francisco. No foco, está o filho Cícero (Antonio Haddad Aguerre) que, bem no começo da história, encontra o pai morto no banheiro. É aí que ele precisa se reconectar com a mãe (agora vivida por Alessandra Negrini) e fazer uma viagem até a cidade-natal do falecido.

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Ou seja: Ferreira trata ‘Acqua Movie’ como uma sequência de ‘Árido Movie’, mas algumas das continuações ficam apenas no mundo das ideias. Muitos personagens não retornam, outros são substituídos e alguns deles simplesmente não têm a idade que deveriam ter. Mas, para Lírio, sem problema. Afinal, o que retorna é a essência dessa história, dessa viagem. 

“Eu nunca imaginei que faria uma continuação de ‘Árido Movie’”, conta Lírio, por telefone, ao Filmelier. “Afinal, é um filme que tenho muito carinho, que mexe com emoções. Tive a ideia da sequência quando estava viajando pelo sertão de Pernambuco e passei pela transposição do Rio São Francisco. Precisava falar daquela água chegando no sertão”.

Caminho para ‘Acqua Movie’

Dessa forma, logo após que Lírio ficou impactado com toda aquela água do Velho Chico, começou a elaborar a continuação de ‘Árido Movie’. Escreveu alguns rascunhos, algumas ideias. ‘Acqua Movie’ seguiria novamente o personagem de Weber. Mas Paulo Caldas (‘Cinema, Aspirinas e Urubus’) e Marcelo Gomes (‘Joaquim’) entraram no roteiro. Tudo mudou.

“Com a chegada do Caldas e do Marcelo Gomes, entramos naquele tom mais espiritual da história. A coisa se tornou espírita mesmo. Depois, foi entrando o elemento da água, que é mais feminino, e se tornou um spin-off do ‘Árido Movie’”, afirma Lírio. “Alguns personagens foram apenas inspirados no filme anterior, outros se transformaram. Era essa a ideia”.

Assim, comparando ‘Árido’ com ‘Acqua’, há uma clara mudança de postura. O filme de 2005 é masculino, poeirento. A vida bate na cara do personagem de Weber sem clemência. É esse protagonista contra a vida. Já no filme de 2001, o foco é a relação entre mãe e filho, além da força de questões paralelas — como a causa indígena, coronelismo e coisas assim.

“Não adiantava colocar o mesmo personagem dentro de um carro, de novo em território árido. Já colocar mãe e filho dentro de um carro ganha um outro tom, mais afetivo, melodramático. Foi natural como o rio. Ainda tem essa pegada dos índios, da maconha, da coisa sagrada. Tem também a pegada pop, a coisa do coronelismo dos dois filmes, da religião”, diz ele.

Filme atual

Com isso tudo misturado em um roteiro coeso, fica evidente que muitas coisas conversam com o Brasil de hoje. Em determinado momento, por exemplo, Cícero recebe de um tio (Augusto Madeira, excepcional no papel de um coronel) um canivete de presente. Encravada naquela arma, a bandeira do Brasil. Além da questão indígena, do uso de armas e por aí vai.

Questões indígenas ganham força no retrato do Brasil em ‘Acqua Movie’ (Crédito: Divulgação/Imovision)

Lírio conta, porém, que na época que escreveu o filme, o governo de Jair Bolsonaro era só sombra. Um folclore, como ele diz. “Foi pensado em 2011, recebeu o primeiro tratamento em 2013 e outras atualizações até 2016. Foi aí que o roteiro teve uma virada completa. Em 2016, primeiro tratamento da nova versão. Filmamos depois em 2017 ou 2018”, diz o pernambucano.

Como o filme, então, fala tão bem sobre o Brasil atual? Quando Lírio percebeu essa virada no País? “O personagem do Madeira é um típico bolsonarista”, diz ele. “Esse tipo de gente já existia. Sempre esteve ali, mas acho que estava debaixo do tapete, estava adormecido. O filme conversa com aquilo ali de forma direta. Torna ele mais atual do que a gente queria”.

‘Acqua Movie’ está em cartaz nos cinemas.

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