'Aftersun' é a experiência de recordar transformada em filme
'Aftersun' é uma estreia pessoal de sua diretora, Charlotte Wells
“Aftersun (substantivo): loção hidratante aplicada na pele para aliviar as queimaduras solares e prevenir a descamação.”
Uma simples definição de dicionário nos dá uma ideia de para onde está indo o longa-metragem de estreia da diretora Charlotte Wells, que estreia nos cinemas em 1º de dezembro e chega em breve no catálogo da MUBI.
É sobre aquelas narrativas de “slice of life”. Superficialmente, isso nada mais é do que a história das férias lânguidas de Sophie (Frankie Corio), de 11 anos, com seu jovem pai, Calum (Paul Mescal, de 'Normal People'), em um resort decadente na Turquia.
Tudo isso visto pela melancólica perspectiva adulta da memória e dos momentos captados em vídeo. Mas é a capacidade de Wells de evocar memórias de forma tão palpável, de tornar o cinema tátil, que dá a 'Aftersun' sua beleza. Este é um filme que exalaria o cheiro do mar, das pessoas e de um país se isso fosse possível.
Wells consegue, por outras palavras, captar na tela a experiência sensorial de recordar através das fugazes imagens, palavras e sensações que nos acompanham ao longo dos anos.
No entanto, e paradoxalmente, falta uma âncora emocional. Tenta ser o equivalente a um bálsamo pós-sol aplicado à alma de um adulto perturbado. Mas há questões de roteiro para as quais não atinge o impacto desejado.
'Aftersun': amor por meio do toque
Um dos aspectos que mais se destaca no filme de Wells é o quão “tátil” ele é. O diretor de fotografia, Gregory Oke, usa movimentos de câmera precisos e sutis close-ups que evocam as sensações que podemos lembrar: o toque amoroso dos pais, os tímidos flertes púberes de um toque acidental ou o fascínio incômodo de uma garota que descobre a sexualidade mais descarada dos adolescentes ao seu redor.
Em meio a tudo isso, carregado por uma narrativa de pai e filha vagando de um dia para o outro nas férias, 'Aftersun' tece um mosaico quase onírico de vinhetas com a textura nostálgica que hoje atribuímos às Polaroids. Parapentes caindo do céu, preguiçosamente ondulando na água da piscina ou adultos jogando pólo aquático com uma empolgação que os cega para as tentativas da garota de participar.
Assim, quase sempre contado a partir da perspectiva de seu protagonista infantil, Wells nos prende no mundo de sua história, quase conseguindo fazer com que as memórias de Sophie pareçam nossas. Há uma identificação garantida entre ela e qualquer um que tenha boas lembranças de algumas férias de verão.
É em seus momentos mais tradicionalmente narrativos que 'Aftersun' nos apresenta as minúcias da relação entre pai e filha. Ou melhor, sugere-os: Wells é quase brincalhão quando se trata de mostrar detalhes que revelam a verdadeira natureza de seu vínculo.
Sob a fachada idílica estão as mazelas de um pai jovem demais frustrado (não é por acaso que, em um filme sobre o poder do toque, seu personagem começa com um impedimento tátil), fazendo o que pode por uma filha que, sem no entanto, amante Ela, por sua vez, o ama de volta, apesar de suas desfigurações e deficiências.
Há uma beleza singular aqui, no entanto, que se dilui quando o diretor enquadra a história como memórias de uma Sophie adulta (interpretada por Celia Rowlson-Hall, que poderia muito bem ser uma dublê de Wells). O protagonista adulto aparece na história por breves períodos e com uma textura surreal, ligada por uma fraca conexão com a narrativa do passado.
Nós a vemos olhando os vídeos antigos de suas férias, uma das poucas formas que ela tem de se lembrar de um pai que, metaforicamente, enfrenta o espaço caótico e alienante de uma boate escura. Loção para prevenir a descamação após o sol. O bálsamo emocional das memórias para evitar nos quebrar como adultos.
Mas é aqui que Well erra ao ser muito sutil: se o cerne de sua narrativa está na reconciliação de nossas memórias de alguém com sua verdadeira essência com a perspectiva que o tempo dá, deve haver uma âncora emocional mais forte na Sophie do futuro.
No entanto, 'Aftersun' cai na ambiguidade devido à sutileza excessiva. Pode ser intencional: é uma obra “emocionalmente autobiográfica”, como a descreve Wells, que perdeu o pai quando era apenas uma adolescente.
Este é um filme de um diretor promissor em busca de catarse, e embora seja formalmente maravilhoso, a identificação ficará limitada a quem conseguir se conectar com o idílio de férias da infância.
Lalo Ortega é um crítico mexicano de cinema. Já escreveu para publicações como EMPIRE em español, Cine PREMIERE, La Estatuilla e mais. Hoje, é editor-chefe do Filmelier.
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