Crítica: ‘Anatomia de uma Queda’ questiona o que é a verdade Crítica: ‘Anatomia de uma Queda’ questiona o que é a verdade

Crítica: ‘Anatomia de uma Queda’ questiona o que é a verdade

Mesmo sendo um filme de tribunal, ‘Anatomia de uma Queda’ foge da espetacularização do gênero e abraça a filosofia da discussão

Matheus Mans   |  
20 de janeiro de 2024 13:09

Anatomia de uma Queda, filme que estreia nos cinemas nesta quinta-feira, 25 de janeiro, não perde muito tempo. Logo nos seus primeiros 15 ou 20 minutos, acompanhamos a protagonista Sandra Voyter (Sandra Hüller) tentando dar uma entrevista na sala de sua casa. Mas ela não consegue. O marido não para de ouvir uma música no volume máximo, em looping. É infantil, chato, irritante. Ela é obrigada a parar a conversa. A entrevistadora vai embora, o filho vai passear com o cachorro. É aí que acontece uma tragédia: o homem cai do segundo andar de sua casa e morre.

É assim que o longa-metragem de Justine Triet (do mediano Sibyl) mostra seu objetivo. Sandra é imediatamente tratada como suspeita e sua vida vira de cabeça para baixo. Cabe a ela, imediatamente, ter que provar sua inocência. Mas como? Como chegar na verdade? Pior: como provar que sua verdade é o que todos querem ouvir e/ou acreditar?

Anatomia de uma Queda: qual é a sua verdade?

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Na superfície, Anatomia de uma Queda é um filme de tribunal, que lembra até mesmo as histórias genéricas de John Grisham — com a diferença que a direção de Triet foca mais nos personagens do que na dinâmica do tribunal, bem mais espetaculosa nas histórias hollywoodianas do autor estadunidense. No entanto, é difícil parar as observações acerca do filme nisso. Triet não quer falar sobre uma mulher contra um único sistema, mas sobre a busca pela verdade.

Anatomia de uma Queda traz um embate de diferentes verdades, versões e emoções (Crédito: Diamond Films)
Anatomia de uma Queda traz um embate de diferentes verdades, versões e emoções (Crédito: Diamond Films)

Assim como Segredos de um Escândalo analisa com humor como uma história se transforma ao longo dos anos, Anatomia de uma Queda analisa como um fato (no caso, a morte do homem) é interpretada de maneira diferente no momento a partir do impacto com diferentes emoções. A queda se reflete de maneiras distintas na vida de Sandra, do filho, do advogado de Sandra, do promotor e até do cachorro. Cada um tem sua verdade, criada a partir do momento que esse acontecimento entra em choque com suas emoções. Como, então, encontrar um denominador comum?

Tal qual o filme de Todd Haynes, também há uma boa pitada de humor aqui. A cena da reconstituição da cena do crime, por exemplo, é uma mistura de tragédia e humor, com um corpo inerte sendo recorrentemente jogado da janela do quarto do marido. Tudo é feito de qualquer jeito, de uma maneira bem tosca, como é a própria busca por uma verdade universal. Triet faz companhia à Haynes rindo desse desejo social de colocar tudo em “pratos limpos”.

Em último caso, porém, a verdade é mais complicada por ser uma construção social de várias camadas, versões, olhares. É claro que há a verdade do homem ter sido jogado ou não da janela, mas não é isso que o roteiro de Triet e de seu marido, Arthur Harari, quer chegar. O fato por si só é um fato, não necessariamente uma verdade.

Marcha lenta

Nessa exaustiva discussão, porém, vale ressaltar que Anatomia de uma Queda peca bastante pelo ritmo impresso por Triet para essa história de 2h31 de duração. Como não há um fim realmente claro, e o roteiro quer passar longe de um final que dê respostas óbvias, o filme acaba dando algumas voltas no mesmo lugar e nem todos os recursos são realmente factíveis ou funcionais — uma cena em que uma antiga gravação vem à tona diz bastante sobre essa tal construção da verdade, mas acaba fugindo um pouco da plausabilidade que a diretora francesa tenta sempre buscar.

O tribunal de Anatomia de uma Queda foge da espetacularização (Crédito: Diamond Films)
O tribunal de Anatomia de uma Queda foge da espetacularização (Crédito: Diamond Films)

Dessa forma, Anatomia de uma Queda nos apresenta uma estrada difícil e sinuosa, com caminhos bem complexos, mas que é percorrida em marcha lentíssima. A busca por uma análise da situação e da emoção dos personagens em detrimento de um espetáculo de tribunal, que estamos tão acostumados, tira bastante da expectativa e diminui ainda mais o ritmo que a história avança. Mas, com grande atuação de Sandra Hüller e bons questionamentos trazidos no texto de Triet e Harari, chegamos em um filme que fez por merecer essa boa performance na corrida das premiações.

Bom, pelo menos esta é a minha verdade.

Anatomia de uma Queda chega aos cinemas nesta quinta-feira, 25 de janeiro.

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