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Crítica de ‘Folhas de Outono’: resistir a partir do amor
Com sutileza e ironia, ‘Folhas de Outono’ é um dos filmes mais românticos da temporada
A melhor troca em Folhas de Outono – já nos cinemas e em breve na MUBI – acontece quando Holappa (Jussi Vatanen) explica sua tragédia amorosa. Ele conheceu uma garota com quem quase se casou, diz ele, mas não a viu novamente. A razão? Ele perdeu o papel com seu número de telefone e, para começar, nem sabe o nome dela.
É apenas uma das muitas outras contradições excêntricas no mais recente filme do finlandês Aki Kaurismäki. Personagens se apaixonam e deixam de se ver por caprichos do destino. Detalhes visuais e sonoros sugerem que a história se passa em um futuro próximo, mas os filmes no cinema são antigos e os números de telefone ainda são escritos em pedaços de papel.
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Mas seria um erro descartar essas características como meras excentricidades. Nelas, Kaurismäki esconde os discretos, mas desoladores sinais de um mundo opressivo, cruel e injusto, mas também a esperança da qual seus melancólicos personagens encontram força para resistir – e viver.
Crônica de uma esperança frustrada
Folhas de Outono é, essencialmente, uma história de um amor florescente, mas truncado por casualidades mais absurdas. Ele, Holappa, é um solitário operário que definha entre a oficina e o alcoolismo que mantém em segredo. Ela, Ansa (Alma Pöysti), investe seus dias em um armazém. Trocam olhares tímidos durante uma noite de karaokê com amigos, mas não se atrevem a trocar uma palavra. Quando se reencontram, ele se compadece dela porque perdeu o emprego, então a convida para um café e um filme, mesmo tendo pouco dinheiro. Ansa dá a ele seu telefone e, por acaso, o papel cai do bolso dele. Passará algum tempo antes de se reencontrarem. Enquanto isso, ele só tem frustração; ela, desilusão.
Neste ponto de Folhas de Outono, entendemos que a oportunidade do amor é uma luz na escuridão de suas rotinas desencantadas. Quando não lida com sua solidão e os delírios artísticos de seu único amigo (Janne Hyytiäinen), Holappa enfrenta as pressões de um chefe despótico. Ansa, enquanto isso, é demitida por roubar comida que o armazém iria descartar de qualquer maneira. Como se seus mundos pessoais não fossem desesperadores o suficiente, para Ansa basta ligar o rádio. Ela ouve as notícias mais recentes da guerra na Ucrânia por alguns segundos e, incapaz de suportar mais, desliga. Eles são delatados pela reação de Ansa ao sair do cinema, no final de seu primeiro encontro com Holappa. “Nunca ri tanto”, diz com um sorriso tímido. O filme? O ácido, impassível, macabro, desolador (e em geral, não muito bom) Os Mortos Não Morrem, de Jim Jarmusch. Deve ser, de fato, um mundo triste.
Dignidade humana em Folhas de Outono
Como é característico de sua filmografia, Kaurismäki parte da compaixão para tomar o lado dos menos privilegiados. O diretor finlandês não admite meias medidas: para ele, sempre serão mais dignos aqueles que ganham o pão com honestidade do que aqueles que se dão ares moralistas sobre não roubar o que, de qualquer forma, já iria se tornar desperdício.
Também são sempre mais dignos aqueles que resistem com a cabeça erguida, apesar da desilusão – seja no trabalho ou no amor. Em Folhas de Outono, os personagens nunca são idealizados e suas circunstâncias não são sensacionalizadas. Cometem-se erros, chegam – ou não – as emendas e, apesar de tudo, há lugar para a compaixão. Prevalece o tom irônico e ácido de Kaurismäki, mas é assim que as contradições aparentemente triviais ganham um sentido mais profundo. Os filmes no cinema são de 2019 ou antes, a guerra nas notícias é de 2022, mas a tecnologia – e, portanto, os meios de cortejo – parecem saídos do século passado. O anacronismo se converte em atemporalidade para expressar a essência e contradições eternas da condição humana: pode ser triste, difícil, até miserável. Mas sempre que houver dignidade, amor e compaixão, tudo valerá a pena.
Folhas de Outono está nos cinemas e chega à MUBI em 19 de janeiro. Clique aqui para saber mais.