‘Annette’ “transforma a música em algo visual”, definem os Sparks Brothers ‘Annette’ “transforma a música em algo visual”, definem os Sparks Brothers

‘Annette’ “transforma a música em algo visual”, definem os Sparks Brothers

Em entrevista exclusiva, os músicos Ron e Russell Mael, da dupla Sparks, contam o processo de criação do musical estrelado por Adam Driver e Marion Cotillard

26 de novembro de 2021 13:54
- Atualizado em 29 de novembro de 2021 10:44

‘Annette’ é, sem dúvida, um dos lançamentos mais aguardados de 2021. O filme levou dois prêmios no Festival de Cannes este ano – de Melhor Diretor para Leos Carax e de Melhor Trilha Sonora para os compositores Ron e Russell Mael. Os irmãos, já conhecidos pelo dueto Sparks, são também os criadores desta história. Aproveitando que nesta sexta, 26, o musical chega à MUBI, batemos um papo exclusivo com a dupla.

A produção marca a estreia de Ron e Russell como roteiristas de um longa-metragem – e ‘Annette’ é um musical completamente diferente do usual, funcionando como uma reflexão sobre a vida. A trama gira em torno de um relacionamento conturbado de um casal, Henry (Adam Driver) e Ann (Marion Cotillard), e da filha deles, Annette, que dá nome ao filme.

Adam Driver dá vida ao Henry em Annette (Crédito: Divulgação/MUBI)
Adam Driver dá vida ao Henry em ‘Annette’ (Crédito: Divulgação/MUBI)

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Quem são os Sparks?

Os irmãos são conhecidíssimos no meio musical, com uma carreira de cinco décadas e mais de 20 discos no currículo. Agora, eles trouxeram todo esse conhecimento para o cinema este – e em dose dupla.

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Recentemente, o cineasta Edgar Wright (‘Em Ritmo de Fuga’) dirigiu um documentário sobre os músicos, chamado simplesmente ‘The Sparks Brothers’. O longa, que teve a sua première no Sundance Film Festival de 2021, acompanha a trajetória do duo – e dá uma pincelado do que veríamos em ‘Annette’

Se em a produção anterior gira em torno deles como artistas, o projeto com Leos Carax mostra um outro lado de Ron e Russell.

Conversando com os irmãos, é nítido como o musical é precisamente o fruto de duas mentes incríveis. Inclusive, ambos já tinham um vislumbre de como funcionaria contar uma história por meio de canções: o filme saiu do papel só agora, mas a ideia está na mente deles há quase dez anos.

“Nós fizemos diversos projetos musicais no passado, um deles é o um musical de rádio intitulado ‘The Seduction of Ingmar Bergman’, em que nós criamos uma história, uma narrativa. O que foi bem diferente de tudo que já havíamos feito como os Sparks e foi aí que surgiu o interesse de fazermos outro trabalho que envolvesse uma trama, algo além de um álbum musical”, contou Russell.

De turnê teatral para musical cinematográfico

“Então, há nove anos tivemos a ideia de ‘Annette’, que é a mesma do filme. A princípio, pensamos em algo que funcionasse como uma turnê teatral junto ao nosso disco, que seria algo diferente de tudo que fizemos no passado”, explicou o músico.

Russell e Ron Mael em 'The Sparks Brothers' (Créditos: Divulgação/Focus Features)
Russell e Ron Mael em ‘The Sparks Brothers’ (Créditos: Divulgação/Focus Features)

“Em meio a isso fomos ao Festival de Cannes, há OITO anos, e conhecemos Leos Carax, o diretor francês, que havia usado uma das nossas músicas no filme ‘Holy Motors’, então gostaríamos de agradecê-lo por isso. Descobrimos que ele é um grande fã da banda e nos demos muito bem – notamos que, de certa forma, somos parecidos, nós com a música e ele com os filmes”, completou ele.

E foi assim que a ‘Annette’ foi tomando forma. Quando Ron e Russell Mael voltaram para Los Angeles, nos EUA, decidiram mandar para Leos Carax o projeto, para saber a opinião dele – como cineasta e fã – e para surpresa dos criadores, ele adorou.

“Claro que na nossa cabeça tínhamos uma vaga ideia de como as cenas seriam filmadas, mas Leos retratou a maioria das cenas de uma forma tão única e o apoiamos completamente. Essas são claras mudanças de quando você transforma uma música em algo visual”, contou Ron.

Ao trazer um disco para o cinema, Ron Mael comentou que todo projeto vai se modificando ao longo do caminho – e no caso ‘Annette’ foi desenvolvido durante quase uma década – então a ideia que eles tinham no começo, naturalmente, foi ganhando novas camadas.

“O nosso álbum, que seria uma turnê se tornou um musical para o cinema”, disse Russell. E a escolha de Leos Carax veio por conta de ‘Holy Motors’, e pela afinidade que o músico citou acima.

“Nós éramos fãs do filme anterior dele então já confiávamos na sensibilidade dele para contar nossa história e levar nossas músicas para outro nível. De fato, ele fez isso de uma forma visual – como Ron mencionou – como a cena do barco, que está no texto original, durante a tempestade, a gente só conseguia imaginar como seria em nossa mente. Leos escolheu filmar em um estúdio e não no mar, mas fazendo isso deu um ar teatral e ficou lindo. Leos acertou muito nas escolhas ao adaptar esse tipo de cena, que só existia na nossa cabeça e o resultado é incrível”, detalhou Russell.

Seria Annette em anti-musical?

Uma das influências que eles usaram em ‘Annette’ foi ‘Os Guarda-Chuvas do Amor’ (1964), de Jacques Demy. Os irmãos Mael o consideram diferente, tanto por conta das músicas, quanto pela sensibilidade e a forma mundana da obra.

“Não é um típico filme de Hollywood, claro que há vários músicas ótimos nesse meio, mas para nosso tipo de sensibilidade gostamos mais do tom naturalista dele. Não há coreografia, tudo é feito de uma forma muito realista, de um modo muito emotivo e não tem um final feliz como a maioria dos longas hollywoodianos, na verdade é um desfecho muito triste”, contou Russell sobre ‘Os Guarda-Chuvas do Amor’.

Os irmãos Mael e Leos Carax chegaram a um resultado muito particular com o novo filme, é nítido o conhecido de cinema que eles têm e como isso ajudou a construir a produção. A dupla, como bons amantes do movimento cinematográfico francês Nouvelle Vague, trouxeram um pouco disso para ‘Annette’.

Marion Cotillard interpreta Ann na história de Annette (Crédito: Divulgação/MUBI)
Marion Cotillard interpreta Ann na história de ‘Annette’ (Crédito: Divulgação/MUBI)

“A ideia de quebrar a quarta parede, especialmente na sequência de abertura, que dá um alerta sobre você estar assistindo a um filme, isso é algo que principalmente o [cineasta Jean-Luc] Godard fazia o tempo todo. O que pode irritar muita gente, mas eu sempre achei incrível. Você sabe o tempo todo que está vendo um filme, quando os personagens saem de seus personagens, acho que essa foi minha maior inspiração da Nouvelle Vague”, disse Russell.

Além de Jean-Luc Godard, os Mael também admiram o trabalho de François Truffaut, Ingmar Bergman, Federico Fellini e Michelangelo Antonioni.

“Essas referências estão conosco há décadas, desde a faculdade e essa sensibilidade, e a habilidade de poder fazer algo desafiador e provocativo. Uma tentativa de fazer um filme que não está dentro de um molde, sentimos que era isso que fazíamos com a nossa música, trazer algo novo e moderno, mesmo já tendo uma história na indústria musical. Usamos essa mesma filosofia para os filmes, nossa referências cinematográficas trazem isso. Eu acredito que ‘Annette’, com a direção de Leos Carax, consegue ser um retrato moderno da Nouvelle Vague, de certa forma”.

Para que o projeto funcionasse bem, os Sparks tiveram total confiança no diretor. “Em geral, muita coisa ficou fora das nossas mãos, em relação ao elenco, por exemplo e confiamos nas decisões de Leos”, continuou o compositor.

Por falar na escolha dos atores, Adam Driver foi cotado para o projeto antes mesmo de se tornar Kylo Ren, da trilogia mais recente de ‘Star Wars’.

“Adam [Driver] ficou muito
animado e nós ficamos
maravilhados com o fato
dele ver algo especial
e único em nossa história”

“Quando Leos mencionou o Adam Driver, que havia apresentado a projeto para ele, isso foi há cinco ou seis anos. Adam ficou muito animado e nós ficamos maravilhados com o fato dele ver algo especial e único em nossa história. Logo nos reunimos com ele e discutimos como seria o tom do filme, do personagem e a parte de cantar”, disse Russell Mael.

Ron e Russell ficaram muito felizes com a empolgação de Driver, mas com receio disso durar pouco já que ‘Annette’ demorou para sair do papel.

“Ficamos bem animados que ele foi tão passional em relação ao projeto ao longo de seis anos, afinal, ele tinha outros trabalhos, como ‘Star Wars’. Por um momento pensamos ‘será que ele vai continuar empolgado depois disso?’ e ele se manteve fiel até o fim”, contou Russell.

Outro acerto do diretor foi com Marion Cotillard, na visão dos criadores ela ficou perfeita para o papel de Ann. “A escolha de Marion foi muito incrível, ela também ficou bastante animada”, completou o músico.

A personagem de Ann é muito enigmática, o tempo todo ela está comendo maçãs e imersa no seu próprio universo. Assim que Annette nasce, a garotinha se torna seu mundo. Ao longo do filme, podemos notar certas simbologias, como a da maçã e de Henry estar sempre comendo bananas, ou imitando um primata, entre outras.

“Leos colocou diversas coisas simbólicas no filme e nós nem sempre entendemos exatamente, como Ann está sempre comendo maçãs e o Adam sempre bananas, vocês podem tirar suas próprias conclusões disso, mas não fomos consultados disso. Durante o filme, essas coisas só vão acontecendo e eu acredito que isso enriquece da história, o fato de quem nem tudo é esclarecido”, explicou Ron.

Curioso para assistir a ‘Annette’? O musical está disponível na MUBI – clique aqui para encontrar ainda mais sobre o filme, incluindo o link para assistir online.

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