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Com pandemia, novas formas de produção se tornam realidade

Com necessidade de distanciamento social, documentários, séries e programas para a internet e TV passaram a realizar a produção e gravação à distância

Matheus Mans | 21/07/2020 às 17:07 - Atualizado em: 22/07/2020 às 12:06


Antes da pandemia do novo coronavírus, não tinha segredo. Qualquer set de gravação reunia um grande número de profissionais, sempre aglomerados em busca da cena perfeita. Agora não tem mais como. Com o alto contágio da covid-19, produtoras tiveram que encontrar novas formas de produção com criatividade para manter o distanciamento social.

Assim, são filmes feitos à distância, séries gravadas via aplicativos de vídeo, produções caseiras. Artistas, diretores, roteiristas e produtores estão quebrando a cabeça para encontrar formatos que viabilizem a gravação de audiovisual mantendo a qualidade e a narrativa. E, é claro, deixando evidente à audiência que é uma produção com cuidado e distanciamento.

“O setor audiovisual está em uma encruzilhada. Afinal, precisa produzir conteúdo, tem muito material represado, muita gente sem dinheiro. Mas, ao mesmo tempo, não dá para fazer como antes”, explica o professor Jorge Aragão, professor e pesquisador de audiovisual do Centro Universitário Belas Artes. “Agora é a hora dos profissionais explorarem criatividade”.

Cada um na sua casa

Uma das primeiras produtoras a inovar nesse período foi o Porta dos Fundos. Conhecida principalmente pelas esquetes no YouTube, a empresa deixou cada profissional no seu canto. As gravações ocorreram de maneira remota, sempre com roteiros que cabem dentro desse formato. Já são mais de 50 vídeos feitos assim, à distância, sem qualquer contato.

Vídeos do 'Porta dos Fundos' se valem de formato de plataformas de vídeo para fazer humor na quarentena (Crédito: Reprodução)

“Foi [uma decisão] bastante natural, quando percebemos que precisávamos nos adaptar ao novo momento”, conta Vini Videla, Diretor do Porta dos Fundos, em entrevista ao Filmelier, ao ser questionado sobre este novo formato. “Se quiséssemos continuar relevantes no cenário de humor atual, precisaríamos pensar em ideias e formatos criativos”.

Hoje, quase três meses depois do início dessa quarentena audiovisual, o Porta já investiu em diferentes formatos. Tem as brincadeiras com as chamadas de vídeo, piadas com os tradicionais vídeos de “tias do Zap” e até montagens e edições elaboradas com os atores separados, cada um em sua casa, mas fazendo parecer que estão no mesmo ambiente.

“Dirigir remotamente é bastante desafiador. A falta da presença e troca com o elenco é bastante sentida. Encontrar o timing cômico dos novos formatos, também. Uma esquete de 3 minutos, por exemplo, parece bem mais tempo no ‘mundo das videoconferências’”, conta Vini. “O Porta se mostrou eficaz em se adaptar aos novos tempos, desafios, público”.

Produção em casa na TV aberta

Enquanto o Porta se vale majoritariamente de formatos digitais para adaptar a gravação em casa, outras produções adotam o “homemade” sem elaborações técnicas, mas com muita criatividade. É o caso da Globo, que produziu séries de humor inspiradas na quarentena: ‘Sinta-se em Casa’, com Marcelo Adnet; e ‘Diário de um Confinado’, com Bruno Mazzeo.  

Mazzeo usou a sala como estúdio, enquanto a esposa Joana Jabace comandou toda a produção (Crédito: Divulgação/Globo)

No caso do Adnet, ele faz imitações sem cenário, geralmente no quintal de sua casa. Tudo baseado no talento do humorista em imitar personalidades como Jair Bolsonaro, Donald Trump, Lula, Dilma e Ciro Gomes. Aqui, o roteiro não fala muito sobre a quarentena em si, apenas admite suas limitações e brinca com coisas que aconteceram ainda no dia anterior.

Enquanto isso, Bruno Mazzeo transformou sua sala em estúdio. Mantendo o distanciamento social, colocou o diretor de fotografia para morar em sua casa durante a gravação do ‘Diário de um Confinado’. A esposa de Mazzeo, a diretora Joana Jabace, comandou tudo. E os atores participavam ou com distância (como Débora Bloch) ou por vídeo (como Renata Sorrah). 

Assim, dessa forma, Mazzeo -- que é o protagonista Murilo, um homem de classe média surtando com o isolamento -- conseguiu produzir uma série coesa, que nunca deixa a distância influenciar na qualidade do que é contado. O episódio da reunião de condomínio, com participação de Marcos Caruso e Moacyr Franco, por exemplo, é diversão pura.

"Assumir a realidade do momento
foi muito importante para
aproximar o público do programa"

O Trace Trends, programa na RedeTV sobre diversidade cultural, também se valeu da casa de sua equipe para finalizar a temporada. Faltavam duas chamadas do apresentador para finalizar a temporada do projeto quando a pandemia estourou. Acabaram entregando todo o equipamento na casa do roteirista Alberto Pereira Jr., que finalizaria as gravações.

Alberto Pereira Jr. apresentou o Trace Trends em quarentena (Crédito: Reprodução)

“Achamos que assumir a realidade do momento foi muito importante para aproximar o público do programa, para mostrar que estávamos todos no mesmo barco”, conta Paula Garcia, produtora executiva da ELO Company, responsável pelo programa. “Com isso, desenvolvemos quatro projetos diferentes sobre os tempos atuais com esse mesmo tipo de formato”.

Documentário à distância

Por fim, o cinema também já começa a ver essa forma de filmagem à distância se concretizar. A Endemol Shine Brasil, dona de formatos como Big Brother Brasil, está desenvolvendo a produção do documentário ‘O Que Você Vai Fazer Amanhã?’. Assim, a ideia é fazer com que pessoas, ao redor de todo o mundo, falem sobre o impacto da quarentena na vida.

“O ponto de partida deste documentário era responder a pergunta: ‘O que você vai fazer amanhã?’. Percebemos que uma simples pergunta, em um cenário de pandemia, proporcionou uma profunda reflexão”, conta Eduardo Gaspar, VP de Criação da Endemol Shine Brasil. “Assim, decidimos expandir para fora das fronteiras do nosso país”.

E Gaspar gostou do resultado. “A pandemia nos fez criar formas de nos conectar através das plataformas de vídeo. Este projeto tem um clima tão intimista que fez muito sentido gravar todos os depoimentos de forma remota”, conta o executivo. “É uma experiência que deu tão certo que já estamos considerando adotar essa tecnologia em outros projetos”.

Documentário quer responder a pergunta-título para entender melhor os efeitos da pandemia (Crédito: Divulgação/Endemol Shine Brasil)

Além disso, a Netflix também seguiu o mesmo caminho com a coletânea de curtas 'Feito em Casa'. Nessa produção, uma série de cineastas ao redor do mundo deram sua interpretação sobre a quarentena e a pandemia a partir de histórias rápidas, breves e que dialogam, de alguma forma, com a realidade de seus países e, também, com outros de seus trabalhos e filmes.

Futuro da gravação à distância

Por fim, produtores e especialistas consultados também enxergam um futuro para essa gravação remota mesmo pós-pandemia. “Entendemos que, no período de quarentena, boa parte do consumo dos nossos conteúdos foi através das redes sociais. Parece natural que continuemos desbravando conteúdos e formatos direcionados e elas”, diz Vini, do Porta. 

“Não acho que tenha um novo normal na produção. As pessoas vão querer ver grandes produções, efeitos especiais, essas coisas. Mas talvez seja o momento de intensificar mais produções como a que vimos agora e que já tinha feito sucesso com ‘Amizade Desfeita’ e ‘Buscando’”, afirma Jorge Aragão, da Belas Artes. “É hora de apostar de vez no formato”.


Matheus MansMatheus Mans

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

Matheus Mans
Matheus Mans

Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.

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