Como ‘Cora’ conseguiu vencer a impossibilidade da adaptação
O filme ‘Cora’, que estreou nos cinemas na última semana, nasceu de uma impossibilidade. Baseado no romance ‘Antônio’, classificado como “inadaptável”, o filme acompanha Cora, uma mulher que quer terminar um documentário que seu pai começou sobre o patriarca – ou seja, o avô da personagem-título. É uma busca pela história da família e de si própria.
É uma reformulação do que é contado no livro, escrito por Beatriz Bracher. Nas páginas da obra, acompanha-se a história de Benjamin, que, de relato em relato, tenta entender a história de sua família. É um livro capitular, de divisões bem ajustadas, e que a narrativa surge de maneira quase invisível, conduzindo aqueles depoimentos sobre uma família esmiuçada na obra.
“Foi um longo processo”, conta Gustavo Rosa de Moura, diretor do filme ao lado de Matias Mariani – este último, filho de Beatriz Bracher. “Quando li o livro, pela estrutura, eu imaginei que aquela personagem oculta estava fazendo uma espécie de documentário. O livro é todo feito de depoimentos. Fiquei encantado com a história da sociedade paulistana”.
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Depois disso, Gustavo procurou Matias, conhecidos já há algum tempo, para pensarem em um projeto juntos. A ideia foi jogar o ponto de partida para 2064. Cora está no futuro. A partir daí, a narrativa regride: primeiro para as gravações do pai da personagem-invisível e, depois, para a história do avô contada nessa produção. É, assim, uma mistura de tempos e ideias. “Essa ideia foi muito importante, essa ideia de adaptar o livro através do dispositivo do documentário”, conta Matias Mariani. “Era um livro que, evidentemente, já tinha lido e pensado que poderia ser cinematográfico em algum lugar. Mas não imaginava como algo ‘inadaptável’. Essa ideia do Gustavo foi fundamental para destravar a linguagem cinematográfica”.
Linguagem de ‘Cora’
Engana-se, porém, quem pensa que, com essa adaptação, o filme se tornou simples ou, pior, simplista. Pelo contrário. São vários os dispositivos usados para que ‘Cora’ faça sentido dentro dessa ótica de Gustavo: o tom, quase imperceptível, da ficção científica; o documentário ficcionalizado; e até mesmo a estética que passa essa compreensão de um tempo passado. “Foi [desafiador] como efetivar a ideia. E tem essa coisa da Cora como narradora, tendo uma imagem de arquivo tanto achada quanto criada, tem a ideia que o filme seria narrado no futuro, com tudo fazendo parte de um passado distante”, diz Matias. “Tudo isso é um trabalho de muitos anos, que foi quanto levamos para construir e escrever esse roteiro em conjunto”. Segundo ele, a primeira versão do roteiro era muito tradicional, com personagens falando em sequência em um formato de mocumentário – algo como o filme ‘Bio: Construindo uma Vida’, de Carlos Gerbase. “Era como se a gente pudesse colocar palavras nas bocas dos entrevistados”, conta. “Esses outros dispositivos surgiram ao longo do processo”. No final, conta Gustavo Rosa, havia uma sensação de ciclo sem fim com a história. “Foi muito maluco. Quando a gente tava editando, percebemos que a história não precisava acabar ali. A gente podia continuar e continuar”, diz o cineasta. “A gente estaria até hoje lá. Isso, inclusive, foi algo muito importante no final ao saber o que estávamos contando”. ‘Cora’ está em cartaz nos cinemas.
Jornalista especializado em cultura e tecnologia, com seis anos de experiência. Já passou pelo Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites, sempre falando de cinema, inovação e tecnologia. Hoje, é editor do Filmelier.