Crítica: ‘A Mãe’, da Netflix, mistura ‘Busca Implacável’ e ‘Resgate’ em trama sem vida
Filme reforça presença feminina no cinema de ação com J.Lo como a mãe que quer salvar a filha a todo o custo
Interessante como ao longo das quase duas horas de A Mãe, filme da Netflix que chegou ao catálogo nesta sexta-feira, 12 de maio, foi possível fazer inúmeros paralelos entre o que estava passando na tela com outros filmes bem similares. Tudo começa pela essência dessa história: Jennifer Lopez é uma agente especial, perseguida por pessoas bem perigosas, que precisa abrir mão da maternidade para proteger a filha. Só que, mais de uma década depois, ela se vê obrigada a voltar à ativa para proteger a garota desses vilões.
Além de ter uma vibe que lembra muito o celebrado Busca Implacável, em que Liam Neeson faz de tudo para salvar a filha sequestrada, o longa-metragem tem um visual e uma história que não tem como esquecer de Resgate, sucesso da Netflix com Chris Hemsworth. Ainda que não fale exatamente sobre um genitor em busca do próprio filho, a produção acompanha um agente especial fazendo de tudo um pouco para resgatar o filho sequestrado de um chefe do crime internacional. Todos com problemáticas bem similares.
A Mãe é um bom filme?
No entanto, o filme se afasta desses outros dois longas por um ponto central: a qualidade das cenas de ação. Enquanto Busca Implacável mudou a ação nos anos 2010, e Resgate tem algumas cenas memoráveis, A Mãe erra em absolutamente tudo no que diz respeito ao que mais importa aqui. Primeiramente, Niki Caro, a cineasta também conhecida pelo live-action de Mulan, parece não gostar de luz: tudo é muito escuro, esverdeado, e nada tem vida em cena. A ação, assim, parece ficar escondida em uma camada de bolor.
Além disso, tudo é dirigido de forma preguiçosa – ou, então, com menos dinheiro do que era preciso. Em determinada cena, por exemplo, a personagem de Lopez (chamada apenas de A Mãe) vai enfrentar o chefão do tráfico. Lembra de Sicario, quando há o grande enfrentamento final com dezenas e mais dezenas de homens no caminho? Ou, então, quando John Wick vai enfrentar qualquer mafioso um pouco mais importante? Esqueça isso tudo: Lopez, em seu caminho, encontra praticamente as portas abertas para ela passar.
Outro ponto é que a própria câmera não valoriza a cena: Ben Seresin, o diretor de fotografia, parece sabotar Caro. Todas as cenas de ação mais intensas surgem, do nada, com uma lente de olho de peixe. Para quem não sabe, é aquela lente que esgarça os limites da visão e deixa os cantos embaçados. Fica horroroso: vemos o centro da ação, mas não conseguimos compreender o que há ao redor. Quando nos damos conta, Lopez já resolveu tudo e não conseguimos compreender exatamente como chegaram naquilo.
Tudo é resolvido com a mais absoluta tranquilidade. Uma ou outra pessoa até pode sair ferida, mas não há o nível de dificuldade que é esperado em uma situação assim. Caro, com roteiro de Misha Green (Lovecraft Country), Andrea Berloff (As Torres Gêmeas) e Peter Craig (Top Gun: Maverick), reduz consideravelmente as dificuldades dessa mãe, que sempre tem uma faca na bainha ou, então, alguma possibilidade de colocar fogo em seus inimigos. Com isso, o filme se torna rapidamente desinteressante para quem espera ação.
Clichês, clichês e mais clichês
Além disso tudo, o filme se ampara em clichês o tempo todo – desde visuais até os narrativos. Ainda no primeiro ato do filme, por exemplo, Lopez está perseguindo um dos vilões de A Mãe em Havana, Cuba. Em determinado momento, para reforçar como aquele homem é mau, Caro o mostra empurrando uma mulher e, logo em seguida, uma freira. Dúvida que a protagonista seja boazinha? Pouco antes, apesar dessa ser sua atribuição, ela desiste de matar uma loba por estar com a sua prole de lobinhos… Pois é.
Também há toda a questão de ser um filme que novamente tenta se diferenciar por colocar uma mulher como protagonista de uma trama de ação, mas com a personagem ainda presa em questões absolutamente maternais – como A Justiceira, Ava, Lou e afins. Parece que, mesmo quando tentam colocar mulheres em outras situações e gêneros cinematográficos, os clichês insistem em reaparecer, colocando essas mesmas mulheres em situações que as acompanham há décadas. No caso, ser aquela mulher com seus instintos maternais.
Curiosamente, em um filme que claramente se propõe a ser ação desenfreada (e tensa) do começo ao fim, o drama é o que mais interessa aqui. Não que Jennifer Lopez esteja bem em cena – sua personagem insiste em se manter com apenas uma única expressão facial ao longo de todo o filme, exibindo pouca fragilidade e dificultando a conexão com o público. No entanto, há uma torcida natural para que aquela pessoa pare de sofrer e acerte a vida.
Enfim: A Mãe é um filme que não consegue cumprir com seus requisitos mais básicos. Não diverte e empolga como filme de ação, não traz novas perspectivas sobre o cinema de ação, não surpreende com uma grande atuação de Lopez, não tem uma boa história sequer. É mais um filme da Netflix que, como sempre, vai passar batido e daqui algum tempo (meses? dias?) ninguém mais vai se lembrar, discutir ou querer assistir novamente.
A Mãe já está disponível na Netflix. Clique aqui para assistir.
Jornalista especializado em cultura, gastronomia e tecnologia, cobrindo essas áreas desde 2015 em veículos como Estadão, UOL, Yahoo e grandes sites. Já participou de júris de festivais e hoje é membro votante da On-line Film Critics Society. Hoje, é editor do Filmelier.
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