Crítica de ‘Asteroid City’: “ainda não entendo a obra” Crítica de ‘Asteroid City’: “ainda não entendo a obra”

Crítica de ‘Asteroid City’: “ainda não entendo a obra”

Com ‘Asteroid City’, o diretor Wes Anderson consegue alcançar o pessoal e o espiritual

Lalo Ortega   |  
10 de agosto de 2023 08:56

“Ainda não entendo a obra”, diz um dos personagens de Asteroid City, um ator, para seu diretor teatral. No meio da peça, corre para os bastidores para consultar com ele, intrigado com uma decisão de seu personagem que deseja compreender. O diretor apenas o tranquiliza e diz que ele está fazendo um bom trabalho.

Não entender nada é, talvez, o tema que melhor descreve o filme mais recente de Wes Anderson, que chega aos cinemas do Brasil em 10 de agosto — um dos últimos países no mundo a estrear o filme por conta do acordo de não competição entre Universal Pictures e Warner Bros. Discovery. Uma afirmação estranha, tratando-se de um cineasta cuja marca de meticulosidade é o epítome de uma precisão e clareza reconhecíveis ao ponto de serem banalizadas por imitações no TikTok.

Mas, para ser claro, parece que ninguém entende nada em Asteroid City, outra história do cineasta texano habitada por personagens cansados, melancólicos, cínicos e desiludidos, mas sempre famintos por conhecimento, sentido, conexão e, no fundo, amor.

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Grandes aspirações para um filme cujo início modesto, sobre uma peça de teatro e uma convenção espacial para jovens de intelecto privilegiado, dá lugar a um evento de implicações existenciais que, em vez de fornecer respostas, apenas troca algumas perguntas por outras.

Em Asteroid City, Wes Anderson faz parte da piada

Um aspecto do filme que não é revelado nos materiais promocionais – e talvez com boa razão – é que Anderson enquadra essa história da mesma maneira que outras de suas produções anteriores: como uma história dentro de uma história (O Grande Hotel Budapeste é um filme sobre um livro, sobre a conversa do autor com um velho sobre suas melancólicas memórias de juventude).

Steve Carell faz sua estreia na trupe de Wes Anderson com Asteroid City (Crédito: Universal Pictures)

Desde o primeiro momento, Anderson estabelece que Asteroid City é, na verdade, a história de um programa de televisão que narra a criação da peça de teatro sobre a cidade homônima onde ocorre a convenção espacial. Espalhados ao longo do filme e fotografados em preto e branco, vemos segmentos nos quais o dramaturgo (Edward Norton) trabalha na história e molda os personagens em colaboração com seus atores.

Um contraste marcante com os segmentos da própria peça teatral, banhados pelas paletas de cores saturadas e coordenadas características do diretor. As decisões de Anderson são informadas pela artificialidade exagerada de uma montagem teatral – como está presente em quase toda a sua filmografia. As montanhas do deserto americano que adornam o “cenário” são demasiado perfeitas e o céu, demasiado azul. E Anderson, em vez de evitar qualquer possível crítica em relação ao seu artifício, abraça-o e faz parte da brincadeira.

E em Asteroid City – uma cidade desértica com um punhado de habitantes no meio do nada –, não acontece muita coisa, exceto pela convenção que premiará um grupo de jovens por suas contribuições para a ciência. Um deles, Woodrow Steenbeck (Jake Ryan, de Ilha dos Cachorros), acaba de perder a mãe, mas continua olhando avidamente para as estrelas. Seu pai viúvo, Augie (Jason Schwartzman), é um fotógrafo de guerra entediado que parece incapaz de sentir.

E no caminho, encontramos a trupe de personagens típicos de Wes Anderson: rapazes impulsivos em busca da verdade, homens envelhecidos e desencantados, uma mulher contemplando o suicídio (ou pelo menos o personagem dela faz isso), pessoas que carregam sua curiosidade pelo mundo como uma bandeira, e grupos dispostos a bater primeiro e perguntar depois.

A busca absurda por sentido

Para Anderson, enquadrar a partir da arte teatral uma história sobre um mundo científico cercado de absurdo é, mais do que uma reafirmação estilística, uma declaração de propósito: revelar que arte e ciência são, em essência, diferentes caminhos que buscam o mesmo destino.

O grande incidente dentro da “obra” de Asteroid City responde a uma das maiores questões da humanidade: se nosso lugar no universo é de absoluta solidão. Um questionamento cósmico que sempre é transferido para o nível pessoal de seus personagens, que questionam a existência de um deus, a possibilidade de pertencer a algum lugar e o propósito de suas vidas (“não tive filhos, mas às vezes me pergunto se desejei tê-los”, diz uma Tilda Swinton cientista como se fosse algo trivial).

Tanto artistas quanto cientistas continuam uma busca incansável por significado (Crédito: Universal Pictures)

Isso é definitivo? Claro que não, pois Anderson logo substitui a grande pergunta por outra: qual é o sentido? Os homens e mulheres da ciência buscam a verdade com a mesma desesperação com que um pai questiona seu filho sobre suas imprudências perigosas.

Talvez nós sejamos esse filho imprudente. Talvez sejamos como esses cientistas olhando para as estrelas em busca de respostas. Ou talvez sejamos esse ator que tenta entender um personagem de papel, que diz ao seu diretor que “ainda não entende a obra”.

Talvez nunca venhamos a entender, e há uma beleza singular nisso.

Asteroid City chega aos cinemas em 10 de agosto. Para saber mais sobre o filme e comprar ingressos, acesse aqui.

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